“Vejo a
multidão fechando todos os meus caminhos, mas a realidade é que sou eu o
incômodo no caminho da multidão”.
Chico Buarque
O sol é parco e a agonia ainda
persiste, deixando-me profundamente incomodado.
Incômodo é também um não-lugar. Uma
insatisfação gerada por todas as percepções que se deslocam na órbita dos meus
sentidos. Percebo os sistemas que determinam a minha vida e como devo proceder.
Achei que eu tinha livre-arbítrio para decidir por mim mesmo. Ledo engano.
Observo-me, boquiaberto, aprisionado aos sistemas simples ou complexos.
Invade-me um asco lancinante em relação àqueles que fetichizam símbolos e
mercantilizam pessoas. Tais sistemas descartam a minha liberdade, expondo-me a sacrifícios
bizarros, aniquiladores da dignidade humana. Incomoda-me esse ritual macabro, celebrado
por gente que se considera melhor, cujos interesses são espúrios. Gente que,
com o punho cerrado, agride a mesa de madeira, ordenando insanamente como as
coisas devem ser.
Incomodam-me as posturas excludentes e
polarizadas que sempre deixam o mais pobre em situação de penúria. Tais
posicionamentos se balizam, basicamente, na ideia de que os fins justificam os
meios – ideia erroneamente atribuída a Nicolau Maquiavel. Vejo o destilar da
crueldade em agrupamentos sociais, políticos e religiosos, vestidos da supracitada
máxima, utilizando-se de técnicas absurdas para dominar as pessoas, inclusive,
hipnotizando-as. Indigno-me com ações sórdidas e abusivas que tornam cativas emocionalmente
as pessoas.
Meu incômodo não é somente uma
expressão do meu interior. É incômodo que me leva a ações concretas no
cotidiano. Embora, almeje os caminhos mais ponderados para a busca da dignidade
humana, me perco diante das minhas falas contraditórias, eivadas de paixões. Luto
pelas mudanças concretas, sem a pretensão de que sejam grandes mudanças. Não
penso em mudanças estruturais, tipo: um novo governo, um novo líder ou um novo
messias, mas em pequenas modificações oriundas das pequenas comunidades onde o
sentido de humanidade ainda é preservado. Começo comigo, multiplico intentos
para com a família e, posteriormente, para um pequeno nicho comunitário. As
mudanças precisam acontecer, mesmo que em menor grau. Outro dia, pensando
nisso, poetizei dizendo que Eu já acreditei:
Eu
já acreditei que mudanças poderiam acontecer mediante as minhas palavras.
Eu
já acreditei que mudanças poderiam acontecer mediante minhas ações.
Eu
já acreditei que mudanças poderiam acontecer mediante minha participação ativa
em fóruns.
Eu
já acreditei que mudanças poderiam advir das interlocuções de um grupo coeso e
bem intencionado.
Quer
saber? As pessoas defendem somente as suas proposições pessoais e usam os
outros como se fosse massa de manobra para a satisfação pessoal. Então,
tive que desacreditar nas mudanças. Agora sou um descrente.
Incomodam-me, enfim, os processos fechados
que não possibilitam mudanças. Entendo que toda boa mudança é essencial para
gerar a qualidade de vida necessária a todos(as). Todavia, eu sei que existem
dimensões que jamais se modificarão. “O que não tem remédio, remediado está”. Mantenho
meu incômodo e indignação. Mudo a mim mesmo e o que dá pra ser mudado,
cantarolando com o Raulzito que eu “prefiro ser uma metamorfose ambulante, do
que (sic) ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. O incômodo continua...
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