terça-feira, 31 de janeiro de 2023

DIA 08 – Em meio ao lazer, inquietações e diversidade

 


 

Considero-me uma pessoa muito curiosa, especialmente com as demandas que a vida e a existência oferecem a cada dia. Talvez, por este fato, eu esteja o tempo todo em busca das perspectivas mais inusitadas que me favoreçam novos olhares para o todo que me cerca. Eu acredito que viver seja uma grande aventura contigencial, eivada das mais diversas experiências. Aliás, viver é experimentar os sabores que nem sempre nos apetecem, mas também aqueles que nos jogam no lago dos deleites. Através dessas vivências, sempre dicotômicas ou dialéticas, torna-se possível a abertura de novos horizontes reflexivos e interpretativos, os mais diversificados.

A curiosidade me liga a essa incrível vontade de querer viver coisas novas e de aceitar a minha recriação e a minha ressignificação, continuamente. Lembro-me a cada instante que o que eu tenho para viver é o instante. Até tatuei no pulso do meu braço esquerdo a expressão latina hic et nunc, que quer dizer: aqui e agora. A cada momento, preciso me recordar que o que eu tenho é o lapso do tempo que passa, já foi. Aliás, coisa estranha é essa marcação do tempo, dividido em dias, horas, minutos e segundos. No fundo, vivemos transições contínuas entre dias de sol e noites de luas. Chuvas em parcos ou contínuos momentos. Que não nos assombrem as inundações.

Por isso, gosto de experimentar através dos meus sentidos, o que move o meu coração de forma individual, bem como toda a sua dimensão relacional.

Neste mês de janeiro, revisitei todos estes meus pensamentos, a ponto de refazê-los, enquanto curtia uma praia no litoral sul do Espírito Santo. Ora, sempre ouço as pessoas dizerem que entram no período de férias para descansarem, mas a verdade é que, em férias, nós nos cansamos de uma forma diferente. Me gastei diante do mar refletindo sobre as potencialidades no nosso próprio existir humano. Confesso que a partir da observação dos fenômenos da natureza, tive a oportunidade de visualizar também todo o universo. Ver a água do mar moldar continuamente as pedras ou mesmo favorecer o processo de conjugação de pequenas plumagens de líquens ao seu ao redor, criava uma conexão em mim, capaz de me lançar ao cosmos, num amplo fascínio presente em uma memória afetiva ancestral, inerente às grandiosidades do existir neste planeta pequeno.

Infelizmente os meus dias de paz foram afetados por uma necessidade de escrever um texto e gravar uma aula-vídeo para um importante processo seletivo do qual eu faria parte. Mas como eu estava sem meus livros, sofri um pouco a ausência dos recursos primários. Foram momentos de grande tensão justamente porque eu não estava com o meu aparato técnico, especialmente o meu notebook.

Tal situação importunou-me bastante, estabelecendo-se no meu corpo uma ansiedade a ponto de me provocar náuseas. Depois de ter fechado o texto com o estabelecimento das linhas gerais do meu pensamento, eu vomitei muito e tive uma reação febril.

O mal-estar não tirou o sabor dos meus dias de paz. Depois do ocorrido, curti bastante, bebi muita cerveja e comi petiscos na companhia de amigos mais chegados que irmãos. Vivi dias de muita completude, retornando à minha cidade, à minha casa e às minhas atividades como psicólogo, completamente renovado.

Lembro-me, entretanto, de ter pensado em uma questão extremamente pertinente para a dinâmica da vida social, a saber a questão da diversidade. Enquanto eu observava as pessoas indo e vindo na praia, todas elas vestidas de suas singularidades e, a meu ver, completamente abertas para viver a experiência da nadificação, aproveitava para visualizar os corpos, os cabelos, o jeito de se portar e as variações posturais. Havia gente em pé, gente deitada, gente andando, gente correndo, gente comendo, gente bebendo, gente dormindo e gente contemplando a imensidão do mar até a linha do horizonte.

A ideia de diversidade denota a riqueza na qual estamos inseridos. Se por um lado, lutamos pela igualdade de direitos para todos, por outro, afirmamos as nossas diferenças em todos os rincões deste país multifacetado. Existimos para afirmarmos continuamente a nossa mais autêntica "Arca de Noé".

Enfim, eu que sempre tenho um caso de amor com as pessoas continuo a minha jornada comum, almejando, acima de tudo, minha curiosidade para ver e me relacionar com toda a diversidade dos corpos das gentes que me for possível relacionar.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

DIA 07 – Das alegrias e dos ascos...

 


Acredito que seja igual para você. Há dias em que a gente acorda com uma diferenciada emoção no peito. Do nada, se manifesta aquela alegria esfuziante que se irrompe pela manhã, conjugando o lindo sorriso com o raio de sol que rasga as cortinas das janelas e as retinas dos olhos. Todavia, em outros dias, a situação é diferente. Acordamos como que cansados, pensativos, reflexivos e perplexos diante da vida. O fato é que em alguns dias, vivemos dias bons, em outros, dias maus. Em todos, é fundamental que cada um de nós entenda que as variações não podem ser evitadas.

Acordei em minha segunda feira com o humor elevado, afinal de contas, tive um bom, relaxante e gostoso final de semana. Aproveitei o sábado e o domingo para investir em leituras e, também, assistir alguns documentários e filmes. O dia foi muito prazeroso, tranquilo, eivado de silêncio e boas reflexões. O sábado culminou com uma festa de aniversário, onde tivemos a oportunidade de celebrar a vida de uma adolescente de 13 anos. Lembro-me de ter dito a ela para jamais abrir mão das suas potencialidades, das suas alegrias e da sua espontaneidade. Disse, também, para ela não ter pressa para decidir, absolutamente, coisa alguma em sua vida, antes dos 25 anos. Ela me respondeu com um sorriso nos lábios e sua tênue simpatia adolescente que nunca se esqueceria do que eu havia lhe dito.

A noite estava chuvosa e no retorno para casa senti bater o cansaço próprio do tempo. Computo, hoje, 52 anos de histórias bem vividas e experiências contínuas. Depois de 2004, quando sofri um deslocamento de retina, apesar de toda a boa adaptação que eu resilientemente adquiri, muitas dificuldades inerentes sempre se manifestaram, como, por exemplo, colocar o suco presente em um simples jarro em um copo. Às vezes, até acho que está tudo certo, até o momento em vejo se espraiar parte do suco sobre a toalha da mesa. E no tempo atual, não tenho apreciado dirigir à noite. Em dias de chuvas, tudo piora, embora eu dirija com extremo cuidado. Cheguei em casa, tomei um bom banho e parti para um sono profundo.

No domingo, acordei alegre, festivo e sorridente. Assisti a um filme nada a ver, meio besteirol. Comecei a ler com outro livro: Mulheres que correm com lobos da escritora Clarissa Pinkola Estés. Aliás, tenho nutrido um forte interesse, ultimamente, por assuntos que se referem a saúde mental da mulher, o universo feminino e suas variações. Confesso que já tive a oportunidade de começar a ler este livro no passado, mas não o li como na atualidade. Agora, assumi a leitura com mais afinco, lendo o livro de uma forma bem mais atenta e afetiva.

Meus filhos vieram almoçar conosco. Almoçamos um saboroso arroz à piamontez, acompanhado de bifes suculentos. Após o almoço, resolvemos ir para uma roda de samba. Eu curto demais um grupo formado só por mulheres, chamado Samba de Colher. Chegamos ao local onde o grupo iria se apresentar, no Bar do Antônio em Juiz de Fora. Descobrimos que não havia mesas para nos assentarmos e, então, ficamos do lado de fora sob a pequena garoa que caía, mas tendo um ângulo privilegiado, pois o grupo estava a 4 metros de nós. A chuva começou a apertar e um dos garçons, muito atencioso por sinal, conseguiu uma mesa para nós na varanda do bar. Fomos para lá, nós sentamos e pedimos alguns quitutes: Fígado com jiló e batatas com queijo. Estava tudo uma delícia. Tudo regado, obviamente, pelas cervejas estupidamente geladas.

Participamos do momento, conversamos e curtimos as músicas. Uma amiga se ajuntou a nós. Depois, com o fechamento do bar, resolvemos ir para a nossa casa, para continuar a nossa bebericação e jogar conversa fora, nossa grande especialidade. Justamente nesse momento fomos aturdidos, mais detidamente, pelas notícias que nos chegavam pelas mídias, sobre a violência dos criminosos golpistas em Brasília. Confesso que assistir às bárbaras cenas dos extremistas provocou-me um genuíno nojo. Como pode existir gente que não aceita o resultado democrático de uma nação livre e soberana? Deu-me asco ver as caretas hipócritas de cristãos esdrúxulos que, de certa forma, manifestavam a patologia da fé cristã, conjuntamente ao anúncio do anticristo. A destruição do patrimônio dos Três Poderes constituídos provocou-me os meus piores instintos sentimentais. Eu, que estou ao lado da democracia, mesmo sabedor das suas fragilidades, sei que vamos virar essa página, assim como aconteceu nos Estados Unidos. Essa cópia gerada por esse gado criminoso, aqui no Brasil, não ficará impune.

Enquanto terminava a presente narrativa, me organizava para ir ao consultório atender aos meus clientes. Essa minha ação psicoterápica me gera muita satisfação. Sempre acolho os meus clientes com alegria. É preciso abraçar cada um em suas singularidades. Todo eivado, obviamente, pela dinâmica do amor. Mesmo na simplicidade de um momento, fazer acontecer o amor é necessário. Sim! O amor explode no ar. Depois dos atendimentos, retornei à minha casa e estudei um pouco mais. O dia foi bom e o diferencial dele foi buscar um lugar de refúgio para descansar a psique pessoal. Todos nós, psicólogos e psicólogas precisamos, em dado momento do dia, nos esquecermos de quem somos e o que fazemos. Vida que segue. Eu, de minha parte, espero que todos os terroristas que depredaram o patrimônio públicos paguem pelos seus crimes.

sábado, 7 de janeiro de 2023

DIA 06 – Chuva, amor e teimosias



Ouvi durante toda a madrugada, pelo menos na hora em que me revirava na cama, a copiosa chuva que caía tilintando nos telhados. Preciso confessar que, embora reconheça todos os riscos inerentes ao volume das chuvas nas diversas regiões e seus consequentes alagamentos e quedas de barreiras, dormir com o barulhinho da chuva é uma dádiva.

Eu acordei inspirado. Existem dias que, por uma razão que não sei explicar, a dinâmica dos meus pensamentos se emoldura pela dimensão maravilhosa e inexplicável do amor. Eu que tenho andado pelos caminhos e trilhas da psicologia, me deparo continuamente com a ideia de que a psicoterapia se faz mediante a vivência do amor. Aliás, para a maioria dos grandes nomes que compõem a trajetória da Psicologia, o amor é o elemento que pode estabelecer a chamada cura psicoterápica. Eu prefiro falar de ajustes psicoterápicos. Mas, para além desse fato, não posso me eximir de considerar a ideia de que a relação entre o psicoterapeuta e o seu cliente ou o seu paciente se dá justamente na dimensão relacional do amor. O amor é, de fato, a tônica maior que não pode ser substantivada, pois é ação cotidiana na dinâmica do mundo.

Recentemente, lendo um livro de Humberto Maturana, observei se sensibilizar o amor que me envolve, novamente. Segundo o autor: “Por que eu uso a palavra amor? Uso a palavra amor porque é a palavra que usamos na vida cotidiana para nos referirmos à aceitação do outro ou algo como um legítimo outro na convivência. Alguém diz um amigo que está limpando seu carro: ‘ – Ei, você ama muito o seu carro’? – ‘Sim, claro, responde ele, ele é novo, eu cuido dele. Eu gosto dele’. A uma outra pessoa que deixa o gato subir na sua cama podemos dizer: – ‘Ei, parece que você ama o seu gato’! – ‘Sim, ele responde, eu o amo’. Ou, quando alguém nos permite ser o que somos, sem exigências, diremos ‘O fulano é um amor’, ou ‘O fulano me ama’. Ao mesmo tempo, quando alguém nos nega fazendo-nos exigências, dizemos ‘ – Você não me ama’. O que é o amor? O amor é a emoção que constitui as ações de aceitar o outro como um legitimo outro na convivência. Portanto, amar é abrir um espaço de interações recorrentes com o outro, no qual sua presença é legitima, sem exigências. O amor não é um fenômeno biológico eventual nem especial, é um fenômeno biológico cotidiano. Mais do que isto, o amor é um fenômeno biológico tão básico e cotidiano no humano, que frequentemente o negamos culturalmente criando limites na legitimidade da convivência, em função outras emoções”. (MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política. Editora UFMG, 2002, 67).

Tendo em mente os meus pensamentos livres e a pertinente intuição de Maturana, motivei-me, ainda mais, diante dessa possibilidade de me encontrar perante o outro sem exigências. Isso me deu um novo vigor às condições de minha atuação no consultório, com o intuito de abraçar mais afetivamente os meus clientes no contexto psicoterápico. Foi muito especial o dia, pois diante de todos os desafios e das demandas que cada um me trouxe, tivemos a oportunidade de construir os percursos mediante novas interpolações e, principalmente, novos caminhos visando a descoberta daquilo que poderíamos considerar a identidade de cada um. Chamou-me a atenção um fato que se destacou preponderantemente na maioria dos processos: a necessidade de se vivenciar a experiência vital de uma maneira tal que favoreça a adequação espontânea e criativa ao mesmo tempo em que haja uma proteção das emoções e dos sentimentos mais intimistas, afinal de contas, só se pode partilhar sentimentos intimistas com pessoas que possuam a mínima sensibilidade, capaz de acolhimento.

Enquanto eu desenvolvia toda essa dinâmica reflexiva presente nos processos psicoterápicos, não me faltava ao pensamento a dinâmica maravilhosa do amor.  Eu, particularmente, gosto de vivenciar o amor em todas as suas intenções, em todas as suas profundidades, em todas as suas paixões. Encontros e desencontros. Parto da premissa de que coisa alguma é perfeita, mas tudo pode ser extremamente divertido, pois os corpos são brinquedos que fazem experiências diversas e inusitadas, entrechocando os afetos possíveis e inimagináveis nesse não espaço que chamamos de universo. É preciso orgasmos.

Depois de todos os encontros possíveis no dia de hoje, retornei à minha casa com o intuito de poder relaxar um pouco. A chuva visitava ainda os telhados das casas da minha vizinhança. Então, busquei o relaxamento. Assisti a um filme muito intrigante, intitulado: Todas as razões para esquecer (2017), que fala, justamente, desses encontros e desencontros do amor na trajetória de um jovem rapaz que, passando por uma experiência de separação, vivencia todas as crises, todas as angústias, todas as emoções e todos os sentimentos inerentes ao término relacional. Ao final, a sua síntese foi emblemática. Ele disse que nem tudo pode ser vencido e que tudo pode ser saboreado na dinâmica do que é bom e do que não é tão bom...

Fui dormir em paz, depois de ter saboreado uma cerveja Colorado com essência de café forte. Degustar essa bebida foi uma experiência inusitada, pois nunca havia saboreado este sabor tão marcante. Fiquei com gosto de café na boca e cafeína no cérebro, mas nada capaz de me perturbar o sono. Ao contrário, eu dormi como um anjo.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

DIA 05 – Gentileza e amizade sempre

 


Hoje, eu me levantei com um compromisso bastante específico. Por conta da manifestação de uma diverticulose em minha mãe, que já há anos sofre com essa inflamação, combinei de levá-la ao consultório médico com a finalidade de tirar uma radiografia, fazer alguns exames e visitar, como de costume, a sua médica particular. Eu já havia trocado de roupa e preparado o café. Enquanto eu tomava algumas goladas e via algumas notícias nas redes sociais, fui surpreendido com uma mensagem da minha filha. Me vi surpreso, pois ela, quase nunca, me envia mensagens aleatórias.

A bem da verdade, essa mensagem não era tão aleatória, pois ela continha um pedido bem específico. Ela queria que eu levasse para ela a bolsa com os seus objetos destinados à higiene bucal, que ela havia esquecido em seu quarto. Eu, prontamente, disse a ela que faria o meu esforço para ir ao encontro dela. O curioso foi notar que a rua da clínica onde a minha mãe iria fazer o seu exame era a mesma rua onde se localizava a cafetaria Grão Moente, onde a minha filha trabalha. Desci de carro até o centro da cidade de Juiz de Fora e me destinei à Rua Oscar Vidal. Estacionei o carro na rua, liguei o pisca alerta e disse à minha mãe: “Mãe, entra na clínica que eu vou levar uma encomenda para minha filha”. Enquanto eu me destinava à cafetaria, fiquei pensando sobre a coincidência, quanto à proximidade dos dois espaços. Eu estava usando a minha camisa branca com a inscrição: “Faça o amor acontecer”. Sempre quando ando com essa camisa, tanto a branca como a preta, noto que as pessoas ficam observando a frase que me acompanha na vida. Cheguei à cafeteria e entreguei à minha filha a sua encomenda. Dei um abraço nela e saí rapidamente para não atrapalhar o seu trampo. Eu precisava ainda resolver a questão do estacionamento.

Enquanto rumava para a clínica, eu me deparei com uma jovem senhora chamada Rita. Ela trabalha nas ruas da cidade, organizando a forma dos estacionamentos e fiscalizando os que estacionam de forma irregular. Dei-lhe bom dia e adquiri com ela o ticket com a finalidade de deixar o meu carro na rua pelo prazo de 1h30. Conversamos um pouco mais e, ao final, desejei a ela um feliz ano de 2023. Trocamos sorrisos e eu continuei a minha trajetória. Eu, particularmente, acho muito especial quando esses encontros fortuitos acontecem. É bom quando temos a possibilidade de sermos gentis com as pessoas e recebemos a retribuição. Foi inevitável para mim não me lembrar de José Datrino, mais conhecido como o Profeta Gentileza. Eu já tive a oportunidade de narrar um pouco da sua história em um pequeno livro que eu escrevi, intitulado: “Crônicas de uma alma subversiva”. Enfim, eu concordo plenamente com Datrino: “Gentileza gera gentileza”.

Na sequência, eu atravessei a Avenida Rio Branco, principal avenida da cidade de Juiz de Fora, que foi idealizada pelo engenheiro Henrique Halfeld em fins do século XIX. Me destinei à clínica onde a minha mãe estava fazendo o exame. Havia um procedimento de segurança e as pessoas estavam sendo convidadas a usar a máscara. Eu não portava nenhuma, mas a secretária da clínica me cedeu uma para que eu a usasse, especialmente dentro do espaço fechado. Fiquei aguardando a minha mãe por cerca de 29 minutos. Assim que ela desceu com o resultado do exame, rumamos para o carro que estava estacionado na rua, logo em frente. Dei partida no carro e subimos a Avenida Itamar Franco até o bairro Cascatinha. No caminho, ela me disse que precisava pegar um dinheiro no banco. Estacionei o carro e ajudei-a a sacar o dinheiro. Depois, rumei para casa, pois tinha que preparar um material que eu estava escrevendo. Ao mesmo tempo, precisava também me organizar para as sessões on-line que eu teria à tarde. Cheguei em casa, tomei um banho e me organizei com as minhas demandas. Almocei e me assentei na cadeira para aguardar o primeiro cliente. Atendi-o, bem como aos demais durante o período da tarde. Em meios aos intervalos entre um atendimento e outro, gastei meu tempo lendo uma obra muito simpática que me chegou às mãos, intitulada: “Presente do Mar”, escrito por Anne Marrow Lindebergh. A leitura dessa obra começou a provocar em mim um certo encantamento, especialmente por conta da sua simplicidade e profundidade.

Passei a tarde e início da noite envolvido com os meus atendimentos e o processo psicoterápico, bem como com os meus estudos. Nesse processo, tive a oportunidade de experimentar um pouco mais do crescimento inerente ao vasto campo da psicologia. Encerrei os atendimentos por volta das 19 horas. Eu havia combinado com um amigo muito querido, de longa data, para nos encontrarmos em um boteco. A gente iria beber um pouco, colocar a prosa em dia e, assim, amimarmos os nossos pilares emocionais de forma afetuosa. É, de fato, uma coisa maravilhosa a celebração da amizade. Não bebemos muito. Eu tomei somente dois copos de cerveja Petra e uma água com gás. Comemos um contrafilé com mandioca frita e pronto. Voltando para casa, sob uma intensa chuva, estacionei o carro e destinei-me a um bom banho. O dia foi exaustivo. Depois do banho, assentei-me na poltrona da minha casa, fiz um pequeno lanche e assisti a alguns flashes do último jornal de uma rede televisiva. Depois, coloquei o meu pijama e me destinei à cama para, enfim, descansar e relaxar, porque a sexta-feira prometia.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

DIA 04 – Dos sonhos e da vida em seus protagonismos

 


Eu sempre tive uma facilidade muito grande para dormir. Em toda minha vida, eu nunca precisei fazer uso de psicofármacos para poder relaxar ou desanuviar um pouco os pensamentos nutridos pela ansiedade. Nada contra quanto a quem precisa, mas sempre parto da premissa que os psicofármacos favorecem a sombra sobre o sintoma psíquico, aquilo que incomoda. Eu sempre tive a oportunidade de pensar que o tempo do sono é um tempo tão importante quanto o tempo da alimentação. E com essa premissa, eu sempre tive a oportunidade de, ao me deitar na cama, relaxar o corpo e não permitir a convulsão dos meus pensamentos.

Acordei, portanto, neste novo dia com a certeza de que tive uma boa madrugada de sono. Como é sabido, todos nós sonhamos todas as noites. Nem sempre nos lembramos. Curiosamente, na manhã insólita deste novo dia, eu me lembrei do meu sonho.

Sonhei que estava em uma empresa localizada no litoral do Espírito Santo. Eu caminhava à beira-mar com o intuito de ir para a empresa onde eu trabalhava. Na década de 90, eu trabalhei neste estado brasileiro em duas firmas: Tenenge e Barefame. Em meu sonho, eu estava trabalhando em uma empresa cujo nome não me foi revelado, mas que produzia batatas fritas, aquelas mesmas que compramos em mercearias ou supermercados. Na empresa, eu ficava em um escritório onde eu desenvolvia projetos, como um desenhista projetista. Aliás, eu já houvera desempenhado essa mesma função no passado, em minha jornada trabalhista na Exacta Engenharia de Projetos, ligada à extinta Siderúrgica Mendes Júnior em Juiz de Fora - MG.

Dentro do escritório, eu me encontrava inquieto, pois queria conhecer as pessoas que trabalhavam comigo. Sempre me vi como um amante das pessoas. Já escrevi em meu livro Deu ruim! Mas vai melhorar! que quando eu morrer, quero a seguinte lápide: "Aqui jaz um homem que teve um caso de amor com as pessoas".

Ah! As batatinhas eram bem saborosas, boas demais para um bom aperitivo. Enquanto eu saboreava uma delas, vi ao lado de fora do escritório, a minha companheira que varria uma área. Perguntei o que ela estava fazendo ali? Ofereci a ela uma batata, mas ela não quis. Foi, então, que ela me deu um guardanapo com o registro dos lábios em batom vermelho. Acolhi e guardei o guardanapo.  Saí dali e comecei a caminhar pelas areias litorâneas das praias do meu amado Espírito Santo. Depois dessa imagem, não me lembro de mais nada.

Acredito que os dados à Psicanálise poderão me ajudar em boas e maravilhosas interpretações. Levantei-me, fiz as minhas atividades matinais e tomei um bom café sem açúcar com nacos de queijo minas. Tudo estava muito gostoso.

Eu já estava me preparando para atender os meus clientes, desta vez, via on-line, pois, com a pandemia da Covid-19, o campo da Psicologia desenvolveu a possibilidade dessa forma de atendimento e eu me tornei um adepto, embora sempre manifestando a minha vontade maior quanto ao atendimento presencial, em virtude da minha mania de observar os elementos da corporeidade.

Entrei em contato com os meus clientes e foram momentos de grande tensão, grandes conhecimentos e, também, de grandes aprofundamentos. É curioso notar o quanto muitas pessoas têm dificuldades de assumir o protagonismo de suas próprias vidas. É sempre bem mais fácil colocar a culpa no outro,  na pessoa que está ao redor, ao invés de assumir as responsabilidades mais específicas do cotidiano. Acredito, piamente, que este é um desafio para todos nós: assumir as rédeas de nossa humilde carrocinha, abraçando todas as responsabilidades que cabem a cada qual. Terminados os atendimentos, fui almoçar. Comi dois pedaços de uma torta de bacalhau que a minha mãe fez, oriundos, ainda, da ceia de Ano Novo. Relaxei um pouco. Aproveitei para saborear um delicioso chocolate com recheio de avelã que eu ganhara de um cliente. Não comi muito, somente dois bombons. Deletei-me. Descansei um pouco e assisti algumas bobagens na TV, enquanto aguardava uma amiga que iria precisar de uma ajuda muito específica para o desenvolvimento do seu trabalho de mestrado. Na verdade, nós iríamos preencher os dados da Plataforma Brasil - uma plataforma extremamente importante para as pesquisas que se desenvolvem no nosso país.

Gastamos, nada mais, nada menos, do que 4 horas para organizarmos toda a documentação e fazermos as observações específicas no projeto, a fim de que o comitê da plataforma Brasil venha a fazer a sua aprovação. Encerramos o processo e, depois, tomamos algumas cervejas para relaxar. Boa e amistosa conversa, batatinha fritas e linguiça toscana, no ponto. Como o cansaço começava a visitar-nos, buscamos um motorista de aplicativo e nos despedimos, pois a vida continua a requerer de cada um nós, ainda, a coragem, tão fundamental para os nossos protagonismos.

DIA 03 – Dos lugares de vida que nos fazem viver

 


Tive um dia incrível. Apesar de toda a possibilidade de se viver um dia cotidiano natural, assumi o desafio de fazer algumas novas experiências. Aliás, sou desses que adoram fazer de cada dia um dia de possibilidades e aventuras diversas. Sempre me esmero para viver o aqui e agora.

Acordei e, como de costume, fiz todas as minhas tarefas matinais e resolvi levar alguns livros antigos que eu havia separado para fazer umas das coisas que mais gosto: caçar livros estranhos e interessantes nos Sebos. Lembro-me que, quando estava realizando a minha tese sobre Darcy Ribeiro, eu vasculhei vários sebos no centro do Rio de Janeiro em busca das suas obras. Foi fantástico achar alguns tesouros que hoje se encontram em lugar de honra na minha estante de livros. Em dado dia, pensando na minha rica biblioteca que à época contava com mais de 7500 títulos, refletindo e ponderando, resolvi me desfazer de 4500. Eram livros que foram muito interessantes em outro momento da minha vida. Doei e troquei todos eles por livros que me interessavam. Faltavam ainda alguns. Foi então que, neste dia incrível, me destinei a um dos Sebos da minha cidade para efetivar a troca das duas obras que eu já tinha citado anteriormente: a de Sartre e a de Castro. Levei muitos livros, mas o Walter, dono do Sebo, infelizmente não ficou com todos eles. De qualquer forma, o momento foi muito interessante porque tive a oportunidade de conversar com o Walter, além de desejar-lhe um feliz 2023. Trocamos ideias sobre literatura e sobre a minha maior paixão do momento: a psicologia. Busco, invariavelmente, diversos livros da área, especialmente na área de psicologia existencial. Ao final de nossa boa prosa, tive a oportunidade de fazer uma boa negociação com ele.

Paguei R$ 4,50 do estacionamento e conduzi o carro para abastecê-lo. Aproveitei que estava próximo a uma distribuidora de bebidas e resolvi comprar umas cervejas que estavam em promoção, afinal de contas, umas cervejas não podem faltar em minha casa de forma alguma. Diante de tantas pressões que se sofre no cotidiano, é sempre oportuno “brisar” um pouco através dessa forma de alegria bem gelada. Enquanto eu retomava o caminho para a minha casa, resolvi passar na Quarup, um outro Sebo ligado ao meu amigo Cláudio. Desde os tempos de UFJF, eu o conhecera. Ele tem um monte de livros interessantes e, por causa disso, resolvi tentar negociar os que me sobraram com ele. Ele os avaliou e se interessou muito. Ele me deu a liberdade para escolher os que eu queria. Escolhi cinco e fizemos a negociação. Voltei para casa com os livros em mãos, feliz da vida, ainda mais porque havia cervejas no bagageiro. Todavia, nem tudo são flores, pois tive que adquirir alguns produtos no supermercado. Confesso que eu não gosto de ir ao supermercado, de forma alguma. Então, parei, entrei e comprei as coisas que eu precisava comprar. Não me sinto à vontade no mercado, nem sei que sentimentos me invadem. Depois de pagar os produtos, estava saindo e, curiosamente, para tudo ficar perfeito, desabou uma dessas tempestades de verão. Nem me importunei, pois os que me conhecem mais proximamente, sabem que eu adoro tomar banho de chuva. Como estava indo para casa, nem me importunei. E foi assim, acabei me banhando com a chuva fria naquela terça-feira de verão e fui para a minha casa todo ensopado, sem neuras. Cheguei em minha casa e fui logo tirando a camisa. Como estava com muita fome, saboreei um delicioso macarrão que havia sido preparado com muito esmero, enquanto assistia pela TV aos flashs do velório do nosso grande rei Pelé. Após a refeição, fui trabalhar em um texto que eu estava preparando. Posteriormente, eu tive que ir ao Shopping Center para adquirir uma pequena lembrança para uma criança, cujo aniversário eu iria. Essa é uma história curiosa. Em 2016, eu tive a oportunidade de fazer um casamento e foi muito especial. Celebramos o casamento em uma fazenda e o ponto culminante foi que a noiva chegou em Calhambeque fabricado em 1930. Ela saiu de um determinado bairro para outro e demorou bastante. Um percurso que poderia ser feito em 15 minutos demorou cerca de 1h30. Todos os convidados e eu, que iria oficiar o casório, estávamos debaixo de um sol escaldante ao meio-dia. Quando ela chegou, corremos com o ofício, pois todos estavam torrando debaixo do sol em um gramado. Talvez tenha sido a celebração mais rápida que eu tenha feito. Durou 12 minutos. Depois da cerimônia, tive que me retirar por conta de uma viagem e não pude curtir a festa. Todavia, aquela celebração marcou muito aquele casal a ponto de me convidarem para falar algumas palavras no aniversário da pequena princesinha linda que nasceu nos Estados Unidos da América em 2022. Eu havia dito à mãe que eu não tinha mais uma vinculação religiosa, mas, mesmo assim, ela insistiu para que eu estivesse presente, fazendo questão da minha presença.

Eu fui e em dado momento, mesmo sem um preparo mais específico quanto ao que falaria ou expressaria à família, dirigi algumas palavras e fiz uma prece. O curioso foi que eu abordei uma expressão presente na Bíblia que é muito conhecida para a maioria dos cristãos e que se encontra no livro de Provérbios 22, verso 6. Diz assim: “Ensina a criança no caminho em que deve andar e ainda, quando for velho, não se desviará dele”. Eu já havia falado desse texto por diversas vezes na minha vida passada, mas nunca tinha o abordado da forma como eu o abordei. Parti da premissa de que o pensamento nascia do olhar de pessoas que viviam no deserto, sem orientações educacionais tradicionais, sem moralismos e sem sistemas estruturantes. Em sendo assim, o grande desafio para os pais, mães ou responsáveis era o de indicar às crianças os lugares onde elas poderiam beber, comer e saborear a vida da melhor forma possível. Era preciso ensinar às crianças os lugares de vida.

Depois, curtimos a festa, comendo muitos salgadinhos, os mais diversos. Encontrei-me com um amigo muito especial e tivemos uma ampla, amistosa e bem humorada conversa. Tudo foi muito especial. Confesso a vocês que cheguei ao fim do dia bastante cansado. Passei em meu escritório, olhei os meus livros um pouquinho, mas me contive em lê-los. Eles que esperem. Hora de dormir e sonhar muito... muito... muito...

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

DIA 02 – O arco-íris e a amizade


 

Havia colocado o meu celular para carregar durante toda a madrugada, pois eu precisava que a carga estivesse completa na segunda-feira. Levantei-me e despedi-me da minha irmã, do meu cunhado e das minhas sobrinhas que haviam passado as festas de fim de ano com a gente. Eles estavam retornando para a cidade de Ituiutaba – Minas Gerais. Após os beijos e os abraços calorosos, eu fui trocar de roupa para me destinar ao consultório. Sem direito a férias, eu precisava voltar a atender os meus clientes. Sempre me levanto bem animado com a possibilidade de atendê-los no consultório. No dia primeiro, confirmei os meus horários com cada um deles. Assim que tomei o meu café, estudei por alguns instantes algumas premissas fundamentais a serem consideradas nos momentos de atendimento. Saí de casa dirigindo o meu Renault Logan, destinando-me ao centro da cidade de Juiz de Fora, estacionando-o em uma rua próxima à Catedral metropolitana. Cheguei ao consultório às 7 horas e 45 minutos. Arrumei as múltiplas almofadas e organizei todo o espaço para recepcionar os clientes. Às 8 horas em ponto, a campainha do consultório tocou e eu atendi o meu primeiro cliente de 2023. Curiosamente, a sua demanda se relacionava a pensar sobre o mais importante para a sua vida cotidiana, diante dos desafios vivenciados no ambiente de trabalho. Pelo fato dele partilhar comigo que o mais importante para ele era cuidar da sua vida pessoal, equilibrando a necessidade de ganhar um dinheiro e viver o tempo livre da maneira como quisesse, sem peso na consciência, eu disse a ele que atingindo este patamar, certamente ele haveria de encontrar o que poderia ser considerado a cereja de um bolo. De fato, o mais importante para cada um de nós é fazer aquilo que nós queremos fazer de maneira tal que a nossa consciência fique livre, leve, solta e abundantemente criativa. Terminamos o atendimento pontualmente às 7 horas e 59 minutos e eu fiquei aguardando meu próximo cliente. Enquanto eu aguardava, passei a editar o texto do dia primeiro e a considerar a leitura da obra de Jean Paul Sartre intitulada a transcendência do ego

Tendo aberto uma janela em um dos atendimentos, resolvi descer para me deliciar com uma vitamina de morango com leite. Pedi ao atendente para colocar pouco açúcar. Ele preparou uma vitamina magistral com pouco açúcar, favorecendo assim o sabor do morango. Depois de degustar aquela delícia, dei alguns passos e fui a um sebo que eu gosto muito. Resolvi separar duas obras que há tempos eu estava namorando: Saint Genet de Jean Paul Sartre e Anjo decaído de Rui Castro. Esta última obra refere-se a biografia de Nelson Rodrigues. Queria me deleitar com as obras recém separadas, mas só poderia pegá-las no dia subsequente. Eu, particularmente, tenho uma profunda satisfação em curtir livros antigos que já foram lidos por alguém e que, hoje, se tornaram interessantes para mim.

Depois da minha andança, vivenciei sequencialmente diversos outros atendimentos no consultório. Um dos que mais me chamou a atenção referia-se ao movimento inerente a todos nós, a saber, o de vivenciar os nossos desejos e construirmos a nossa caminhada de uma maneira autônoma. É sempre muito especial quando valorizamos quem nós de fato somos. Não são as pessoas que têm que determinar como nós devemos viver a nossa vida, mas nós mesmos. Somos pintados com uma série de tintas pelas pessoas que passam em nossa vida, mas há um momento derradeiro em que precisamos descascar as nossas tintas para nos descobrirmos como realmente nós somos. Terminada todas as sessões, tive a oportunidade de refletir um pouco mais sobre a maravilhosa dimensão do amor. Carrego, tatuado em meu braço esquerdo, uma frase que assim diz: Faça o Amor Acontecer, porque eu entendo que o amor é o acontecimento fundamental que nos direciona à vida plena e à vida abundante. Na sequência de minhas atividades, tive a oportunidade de amparar pessoas que necessitavam do apoio, do acompanhamento, da vivência, da amizade, do carinho, da atenção e do cuidado, coisas tão essenciais para a vida de todos nós.

Depois de tudo viver, rumei para a minha casa. Comprei pão e mortadela para me deliciar e também refastelar a alegria da minha filha. Depois, tive que ir ao encontro da uma pessoa na mesma hora em que caiu uma copiosa chuva. Quando a chuva se transformou em uma fina neblina, eu vi se formar um lindo arco-íris. Celebrei-o como sendo o sinal de uma nova aliança que se faz e que se refaz no coração de todos nós, seres humanos.

Ao final do dia tive a oportunidade de celebrar a presença de um amigo em minha casa. Nós fomos companheiros no programa de Mestrado da Universidade Federal de Juiz de Fora e, nessa estrutura, nutrimos um grande apreço e um grande respeito um pelo outro. Celebramos a nossa amizade com prosa da boa, contações de histórias, engajamentos políticos e sociais, boa comida e cerveja bem gelada. Ele tocou algumas músicas e declamou as suas poesias, todas autorais, eivadas daquele jeito do cerrado brasileiro. Depois da meia noite, nos despedimos. Deia ele um livro que eu havia produzido: Reencantamentos da graça em uma favela carioca, de autoria do querido e saudoso Zwinglio Mota Dias. Nos aproximamos do seu carro. Verificamos o nível do óleo. Estava tudo certo. Finalmente, depois de algumas confidências peculiares à nossa amistosa intimidade, dei-lhe um afetuoso abraço e dissemos, um ao outro, um “até breve”. O arco-íris esmaeceu-se, mas a amizade, as amizades, os desafios clínicos jamais...

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

DIA 01 – A democracia e o amor venceram

 

Os olhos ardiam. Dormir às 02h26 do dia 01 de janeiro de 2023 não é para qualquer um. Eu até queria ter atravessado a noite bebendo com alguns amigos queridos e celebrando as melhores memórias de 2022 conjuntamente, mas o cansaço mental, talvez decorrente de tantas demandas que tenho vivenciado nos últimos tempos, me impediu. Para um psicólogo, acompanhar as situações que elaboram as ansiedades humanas não é uma tarefa fácil, mesmo porque há um envolvimento psíquico bem intenso, embora isto só ocorra aos que se interessam profundamente com o paciente.

Embora envolto pelo cansaço, abri os olhos e levantei-me com dores no corpo. Esforcei-me para ganhar o corredor a fim de aliviar as tensões próprias das rotinas matinais. Tomei um gostoso banho e eliminei as remelas do meu olho direito. Enxuguei-me e destinei-me à cozinha a fim de fazer um café quentinho e resinoso. Adoro preparar o café. A química que se manifesta no coador é mágica. Vi duas bananas perdidas na fruteira. Peguei-as, amassei-as,
misturando-as com uma porção de aveia e leite em pó. Comi aquela mistura como se fosse um manjar dos deuses. Enquanto isso, a água quase entrava em estado de ebulição e eu, com a garrafa separada sob um coador, junto a uma porção calibrada de pó, jorrei a água para sentir aquele aroma invadir as minhas narinas. Fechei a tampa da garrafa e sobre a mesa, já revestida com aquela toalha do habitual cotidiano, com estampas do famoso Galo de Barcelos, um dos maiores símbolos de Portugal, postei todos os ingredientes que eu queria saborear. Eu ainda me sentia levemente atordoado, talvez devido à ingestão de algumas cervejas artesanais ou porque houvera dormido pouco. Tanto faz.

Feita a minha refeição matinal, liguei a TV e abri a janela da sala para respirar o fresco ar daquela manhã. Ao inalar o ar frio e úmido, senti o cheiro da esperança me inundar. O dia primeiro seria marcado pela posse do presidente Luís Inácio Lula da Silva e do seu vice, Geraldo Alckmin. Eu, que havia vivido quatro longos anos de desobediência civil, por não reconhecer quem presidiu o Brasil entre 2019 e 2022, estava tomado de emoção. Não por acreditar que, num passe de mágica, tudo vai melhorar para o povo brasileiro, mas por perceber que as bravatadas idiotas e ignóbeis não mais fariam parte do meu cotidiano.

Tomado pela emoção, comecei a assistir um filme sobre Pelé. Estava, também, tomado por sentimentos diversos alusivos ao passamento do Rei do Futebol. Queria saborear os meus sentimentos mais condoídos e fazer homenagens solidárias, silenciosas e subjetivas, especialmente à família enlutada. Tive que interromper a sessão, pois o estômago começou a reclamar.

Por voltas das 12h30, almocei o famoso e celebrado prato culinário de nome "jatevi", decorrente da ceia de ano novo. Conversei bobagens à mesa juntamente com a minha família, ainda reunida, e saí da casa de minha mãe a fim de grudar o meu olho à TV e assistir cada momento simbólico da posse do presidente. Meus olhos marejaram e as lágrimas rolaram pelo meu rosto. A democracia dava passos significativos em prol de uma nação menos marcada pela desigualdade. Chorei com Lula, quando ele se referiu à evidente desgraça presente em duas filas no Brasil. Por um lado, filas em que mães disputavam os ossos bovinos para prepararem suas refeições. Por outro, filas para a aquisição de carros importados e jatinhos, realizadas por gente insensível e preocupada com seu próprio bem-estar e aparência social.

Quatro momentos me marcaram profundamente na posse. 1. Os discursos proferidos pelo presidente. O primeiro, com 31 minutos; o segundo, com 28. Em ambos, Lula falou aos brasileiros, sob a sombra do lema do governo para o quadriênio: "União e Reconstrução". Discursos de um legítimo estadista; 2. A revista às forças armadas sem acrobacias aéreas e salvas com balas de canhão. Ver as forças armadas efetuando o seu papel de defensora da soberania e da democracia do país me trouxe um frescor maravilhoso; 3. A passagem da faixa, efetuada por sete brasileiros: Jucimara Fausto dos Santos – Cozinheira; Aline Sousa – Catadora; Flávio Pereira – Artesão; Weslley Viesba Rodrigues Rocha – DJ e metalúrgico; Cacique Raoni – Líder indígena; Francisco do Nascimento e Silva – Estudante; Ivan Baron – Influenciador digital e Murilo de Quadros Jesus – Professor. Ah! Não posso deixar de me referir à cadela Resistência, adotada pelo casal Lula e Janja no período das vigílias em Curitiba, quando da prisão de Lula. Janja, por sua vez, inovou em seu visual, salientando a estilista brasileira Helô Rocha e floras feitas por comunidade de mulheres. Foi, de fato, o povo brasileiro em sua diversidade que passou a faixa para o já empossado presidente; e 4. A genuína celebração do povo brasileiro resgatando os seus símbolos, cantando o hino nacional com comoção e hasteando horizontalmente a bandeira.

Após lavar a alma com a posse do presidente tendo na memória o mote: "Ninguém solta a mão de ninguém", estampado em minhas redes sociais, desde fins de 2018, precisava me refazer em minhas emoções. Não para fugir, mas relaxar, resolvi assistir algumas bobagens na internet. Assim o fiz. Depois, resolvi terminar de assistir ao filme do Pelé e concluir o meu dia, verificando os detalhes recortados do famoso folhetim dominical, saboreando uma deliciosa pizza caseira.

Às 23h20, resolvi tomar um bom banho e, a exatas 23h59, me lançava aos braços de Morfeu. Ah! A posse do presidente Lula se deu às 15h05 em Brasília e eu fui dormir com a certeza de que a democracia e o amor venceram...


DIA 71 - Olho e língua da minha amiga - Em memória de Iracy Costa Rampinelli

  Quando eu era criança, sempre me convidavam para as festas de aniversários. Eu, que nunca tive festas de aniversário, ficava deslumbrado c...