quinta-feira, 30 de março de 2023

DIA 12 - Glória e Liberdade da Glória

 


No dia 2 de fevereiro, infelizmente, fomos aturdidos pela notícia do falecimento da jornalista Glória Maria. De fato, essa jornalista inspirou profundamente grande parcela dos brasileiros através das suas reportagens marcadas pelo seu envolvimento direto com cada delas. Essa jornalista sempre teve a oportunidade de fazer reportagens com amplo envolvimento nas aventuras e desafios. Quem poderia se esquecer dos seus saltos, suas travessias e suas travessuras entre culturas e balões? Ela sempre evidenciou que fazia tudo com muito medo, estabelecendo uma conexão expressiva com as emoções e os sentimentos do povo brasileiro.

Assistindo ao término do Jornal Nacional naquele mesmo dia, fiquei impressionado com a homenagem que os jornalistas e as jornalistas, bem como todas as equipes de várias regiões do Brasil prestou à jornalista. A emissora reservou um espaço significativo na TV aberta para aplaudirem-na, com grande respeito, emoção, comoção e devoção. Após este momento icônico, nunca dantes visto na televisão, fui “sapear” as redes sociais para descobrir outras falas inusitadas da jornalista preta que fez história no telejornalismo brasileiro. Marcou-me profundamente uma entrevista da própria Glória Maria em que ela expunha a memória da sua avó, que sempre a ensinava a nunca abrir mão da sua própria liberdade, pois os seus antepassados foram privados da liberdade por conta da escravidão e ela, na contramão dessas proposições, deveria fazer um enfrentamento e se apresentar autenticamente e espontaneamente como um ser que quisesse ser e fazer o que quisesse. Na mesma entrevista, a jornalista falou sobre o racismo que sofreu em todos os anos de sua atuação. Fez questão de salientar os enfrentamentos em todos os tempos e a sua coragem – o carro chefe que deu a ela a possibilidade de conhecer grande parte deste mundo e as culturas diversas sem perder a essência da sua própria vida e liberdade.

Talvez resida nesse legado de Glória Maria algo muito especial para cada um de nós, pois, de fato, se pararmos para pensar um pouco, chegaremos à constatação de que o que vale à pena em nossa existência é o abraço firme e genuíno à liberdade. Mais do que isso, acho que nenhuma pessoa nesse mundo deve deixar de viver a sua vida da forma como gostaria de viver, afinal de contas, descobriremos que nada mais somos do que pequenas bolhas de sabão que flutuam nesse universo. Por mais voos que façamos ou brilhos que espraiemos, um dia vamos pocar.

Depois das entrevistas, passei a ouvir os depoimentos de cada amigo e amiga na jornada. Tocou-me de uma forma mais efetiva a fala do jornalista Marcos Losekann. Ele disse que a Glória não deveria ser enterrada, tão pouco cremada, mas plantada para que continuasse a dar muitos e muitos frutos e flores no decorrer dos tempos, tudo para ser contemplado por aqueles que respirarem o seu legado em algum momento da nossa jornada existencial. Essa fala me trouxe boas rememorações, pois me lembrei de ter recebido um presente de uma Escola de São Paulo após uma palestra ministrada. O presente me veio pelos Correios. Tratava-se de quatro mudas de Ipês, cada um com uma cor. Recebi com apreço e surpresa aquele presente. Fiquei deveras feliz e batizei cada uma das mudas com um nome querido por mim. O ipê Amarelo que foi batizado por mim pela alcunha de Rubem Alves. Havia uma razão óbvia: Rubem amava os ipês amarelos; o ipê branco, que recebeu o nome de Frida Kahlo; o ipê Rosa que recebeu a alcunha de Maria Bonita e o ipê roxo que recebeu o nome de Darcy Ribeiro. Como na minha casa não havia espaços para a plantação dos ipês, resolvi ir a um sítio de uns amigos queridos para proceder o plantio das árvores. Até gravei um vídeo registrando todo o momento. Foi tudo muito especial. Celebrei aquelas vidas – árvores e gentes – mediante um ritual de respeito e devoção ao plantio delas em lugar tão lindo tão paradisíaco. Acho que foi por essa celebração que a fala de Losekann mexera muito comigo. Quando ele falou da amiga em sua passagem, eu me lembrei do meu ritual celebrativo, cheio de encantamentos.

Embora as árvores embora não sejam tão livres quanto à Glória, certamente elas continuarão a crescer e semear as suas sementes e a ditar as normas dessa vida marcada pelos seus mais distintos encontros e desencontros, seus consecutivos nascimentos e mortes, suas potencialidades ornadas por este poder chamado natureza.

Que a memória de Glória seja continuamente plantada entre aqueles que anseiam a liberdade em seus lindos movimentos...

DIA 71 - Olho e língua da minha amiga - Em memória de Iracy Costa Rampinelli

  Quando eu era criança, sempre me convidavam para as festas de aniversários. Eu, que nunca tive festas de aniversário, ficava deslumbrado c...