No dia
2 de fevereiro, infelizmente, fomos aturdidos pela notícia do falecimento da
jornalista Glória Maria. De fato, essa jornalista inspirou profundamente grande
parcela dos brasileiros através das suas reportagens marcadas pelo seu
envolvimento direto com cada delas. Essa jornalista sempre teve a oportunidade
de fazer reportagens com amplo envolvimento nas aventuras e desafios. Quem
poderia se esquecer dos seus saltos, suas travessias e suas travessuras entre
culturas e balões? Ela sempre evidenciou que fazia tudo com muito medo, estabelecendo
uma conexão expressiva com as emoções e os sentimentos do povo brasileiro.
Assistindo
ao término do Jornal Nacional naquele mesmo dia, fiquei impressionado com a
homenagem que os jornalistas e as jornalistas, bem como todas as equipes de
várias regiões do Brasil prestou à jornalista. A emissora reservou um espaço
significativo na TV aberta para aplaudirem-na, com grande respeito, emoção,
comoção e devoção. Após este momento icônico, nunca dantes visto na televisão,
fui “sapear” as redes sociais para descobrir outras falas inusitadas da jornalista
preta que fez história no telejornalismo brasileiro. Marcou-me profundamente
uma entrevista da própria Glória Maria em que ela expunha a memória da sua avó,
que sempre a ensinava a nunca abrir mão da sua própria liberdade, pois os seus
antepassados foram privados da liberdade por conta da escravidão e ela, na
contramão dessas proposições, deveria fazer um enfrentamento e se apresentar autenticamente
e espontaneamente como um ser que quisesse ser e fazer o que quisesse. Na mesma
entrevista, a jornalista falou sobre o racismo que sofreu em todos os anos de
sua atuação. Fez questão de salientar os enfrentamentos em todos os tempos e a
sua coragem – o carro chefe que deu a ela a possibilidade de conhecer grande
parte deste mundo e as culturas diversas sem perder a essência da sua própria
vida e liberdade.
Talvez
resida nesse legado de Glória Maria algo muito especial para cada um de nós,
pois, de fato, se pararmos para pensar um pouco, chegaremos à constatação de
que o que vale à pena em nossa existência é o abraço firme e genuíno à
liberdade. Mais do que isso, acho que nenhuma pessoa nesse mundo deve deixar de
viver a sua vida da forma como gostaria de viver, afinal de contas, descobriremos
que nada mais somos do que pequenas bolhas de sabão que flutuam nesse universo.
Por mais voos que façamos ou brilhos que espraiemos, um dia vamos pocar.
Depois
das entrevistas, passei a ouvir os depoimentos de cada amigo e amiga na
jornada. Tocou-me de uma forma mais efetiva a fala do jornalista Marcos Losekann.
Ele disse que a Glória não deveria ser enterrada, tão pouco cremada, mas
plantada para que continuasse a dar muitos e muitos frutos e flores no decorrer
dos tempos, tudo para ser contemplado por aqueles que respirarem o seu legado
em algum momento da nossa jornada existencial. Essa fala me trouxe boas
rememorações, pois me lembrei de ter recebido um presente de uma Escola de São
Paulo após uma palestra ministrada. O presente me veio pelos Correios.
Tratava-se de quatro mudas de Ipês, cada um com uma cor. Recebi com apreço e
surpresa aquele presente. Fiquei deveras feliz e batizei cada uma das mudas com
um nome querido por mim. O ipê Amarelo que foi batizado por mim pela alcunha de
Rubem Alves. Havia uma razão óbvia: Rubem amava os ipês amarelos; o ipê branco,
que recebeu o nome de Frida Kahlo; o ipê Rosa que recebeu a alcunha de Maria Bonita
e o ipê roxo que recebeu o nome de Darcy Ribeiro. Como na minha casa não havia
espaços para a plantação dos ipês, resolvi ir a um sítio de uns amigos queridos
para proceder o plantio das árvores. Até gravei um vídeo registrando todo o momento.
Foi tudo muito especial. Celebrei aquelas vidas – árvores e gentes – mediante um
ritual de respeito e devoção ao plantio delas em lugar tão lindo tão
paradisíaco. Acho que foi por essa celebração que a fala de Losekann mexera
muito comigo. Quando ele falou da amiga em sua passagem, eu me lembrei do meu
ritual celebrativo, cheio de encantamentos.
Embora
as árvores embora não sejam tão livres quanto à Glória, certamente elas
continuarão a crescer e semear as suas sementes e a ditar as normas dessa vida
marcada pelos seus mais distintos encontros e desencontros, seus consecutivos
nascimentos e mortes, suas potencialidades ornadas por este poder chamado natureza.
Que a
memória de Glória seja continuamente plantada entre aqueles que anseiam a
liberdade em seus lindos movimentos...