Será
possível sentir a solidão mesmo em convivência com outras pessoas? Qualquer
resposta premeditada seria ridiculamente idiota. Talvez, sim! Talvez, não.
Com
este dilema no córtex pré-frontal, eu analiso os encontros solitários que
ocorrem nos desertos existenciais. Para os incautos, uma singela consideração:
o deserto é um lugar para poucos. Em especial, somente suportam as areias no
deserto aqueles que se preparam para ele ou os que são forçados a vivê-lo, mesmo
contrariados.
Há,
indubitavelmente, uma relação muito próxima entre a solidão e o deserto que, metaforicamente,
pode ser considerado a habitação da alma. A alma, se a concebermos como os
gregos a concebiam, é o campo da psique e da subjetividade humana, ambiente
paradoxal e desértico onde os desejos, os cerceamentos e as possibilidades se
agitam continuamente em busca das respostas às perguntas insolúveis. No
silêncio da solidão desértica a alma perambula como se fosse aventureira
desbravadora. Ela só e todos sós com os pés descalços na areia quente.
A
solidão que visita cada ser relaciona-se às dimensões psíquicas. É a solidão em
se ter muito para oferecer ao outro sem a oportunidade de partilha. É a solidão
de desejar a comunhão da partilha quando não se tem espaços ou motivos para
ela. É a solidão que insiste e até persiste em ser quando não há possibilidades
para ser. Mas, quem sabe, depois das chuvas, o arco-íris dê o ar da sua graça?
Em
meio aos temores, a ansiedade não será ofuscada pelo sentimento de nada ser,
nada poder. Na solidão, o desprezo requererá motivos para o ajuntamento e a possibilidade
de sonhar com um novo tempo, uma nova vida.
Sei
que muitos não conseguem ver a luz no fim do túnel. Ao contrário, tudo lhes parece
cinza e sem definições. Nessa paleta de uma cor e algumas tonalidades, tudo
pode ser e nada tem razão...
Somos
todos solitários em busca de algo que, por estar tão ao nosso alcance, não
podemos avistar. Somos assim solitários como Tales de Mileto, que sendo
filósofo, teve a oportunidade de prever um eclipse, mas não conseguiu perceber
o buraco diante de si. Caiu no buraco e foi ridicularizado pela mulher de
Trácia.
E
assim, a solidão continua a doer e provocar feridas profundas em todas as
pessoas que, não tendo medo da dor provocada pelas feridas, fogem das feridas
sem dor e sem cuidados. Optam, muitas vezes, pela caverna, o recôndito
envolvido de trevas e obscuridade. Quem sabe um tempo de esquecimento do que se
é, do que se faz, do que se almeja para mergulhar no abismo do silêncio e
provocar o misto paradoxal do prazer, fugindo da autocomiseração. A solidão se compromete
com a solidariedade e a solidariedade avilta-se com os jornaleiros da vida.
E
nessa jornada efêmera e comprometida somos peregrinos, somos companheiros,
somos talvez... e coisa alguma possuímos. Lançamo-nos ao inusitado da
existência, sendo afrontado pela dimensão lúdica, vivendo ou morrendo como
quem, mesmo em meio à solidão, continua acreditando na vida.
De uma
maneira mais particular, vivi a solidão no primoroso tempo da adolescência,
onde o amor dava os seus primeiro berros. Lembro-me que aprendi a tocar violão
com as músicas que povoavam a cabeça da maioria dos meus colegas e amigos. Era
a década de 80. Titãs, Barão Vermelho, Legião Urbana, entre outros. Além das
tradicionais bandas de Rock, eu gostava também da irreverência da Blitz. A voz
estranha de Evandro Mesquita era interessante de ser ouvida porque apresentava,
ele mesmo também, a referida irreverência.
E nesse
processo de aprendizado, cansei de ensaiar a música que tinha por título: A
dois passos do Paraíso. Seu início: “Longe de casa, a mais de uma semana.
Milhas e milhas distantes do meu amor...”. De alguma forma, todas as pessoas,
física ou emocionalmente, sempre se encontram a milhas e milhas dos seus
amores. Mas distância alguma nesse mundão pode afastar pessoas que se gostam. A
subjetividade e a efemeridade do amor ganham na jornada dos dias uma dimensão
real inexplicável, que toca a alma e se concretiza num sentimento profundo de
presença ausente, típica dos amantes dados à poesia.
Sinto que
mesmo a milhas e milhas de distância, não posso impedir que os desejos se misturem,
evidenciando o toque das almas. O acontecimento amor precisa ser eivado do
carinho dos namorados e o desejo ardente dos amadores.
No
cotidiano, quando se recebe a visita da solidão, é preciso sentir a pessoa
amada bem próxima, como se fosse a presença de uma fada cuidadosa e zelosa. Todavia,
é preciso se desfazer rapidamente dessa imagem pueril, pois o desejo pela
beleza tem que deixar tudo bem vivo. Quando longe de casa, torna-se urgente
desejar o envolvimento dos abraços, o toque dos beijos e a delícia das falas
cheias de bobagens ditas à borda dos ouvidos.
Invariavelmente,
um ser só é uma pecinha que falta no outro ser. Uma pecinha que sem a sua parte
maior não funciona. Assim, é preciso uma mútua redescoberta como numa primeira
vez, quando uma pessoa toca outra pessoa, sem distinção de gêneros ou
orientações. Em meio aos gemidos e sussurros do prazer, o mais íntimo, importa se
pertencer ao outro com o amplo direito de se perder para se achar em quem está
próximo.
Nessas
horas, dizer que se ama é muito pouco. Na verdade, no gosto e no gozo, amadores
fazem estrelas e apequenam o planeta azul dando tchau à solidão.