quinta-feira, 15 de junho de 2023

DIA 25 - Experiências deslocadoras do eu



Em um dia de verão em 2015, eu acordei com uma frase na minha cabeça: Faça o amor acontecer. Eu estava vivendo diversas experiências inusitadas em minha dinâmica de vida, especialmente por conta dos estudos mais efetivos em Psicologia. Tais experiências deslocadoras do meu eu interior se ampliaram em meio aos movimentos psicoterapêuticos aos quais eu me submetia junto à minha psicóloga. Na psicoterapia, mais precisamente na análise, pois ela era psicanalista, eu alcançava uns insights bem fodas. Enquanto eu jorrava minhas palavras nas sessões, criando diversas bolhas de informações bem reflexivas, vivenciava, ao mesmo tempo, as emoções díspares e sentimentos cadenciados pela minha consciência. De fato, me deparei com situações que eu não sabia que existiam em mim, possibilitando um maior conhecimento de mim mesmo, um autoconhecimento.

Em um dia mais específico, observei os detalhes do setting terapêutico e me deparei, mais detidamente, à parede do consultório aonde eu era atendido. Nela, havia uma pintura abstrata que mexeu com o meu mais profundo íntimo, revelando-me o que poderia sugerir o meu próprio inconsciente. Obviamente, os conhecidos movimentos freudianos entre o id, o ego e o superego marcavam as nossas conversas, gerando surpresas diversas em minha própria consciência. Embora aquela pintura fosse limitada pela parede, eu sabia que as minhas demandas mais intimistas se abririam para um campo aberto, desorientado e de olhar ilimitado. Na perspectiva psicanalítica, o inconsciente não pode ser limitado por pessoa alguma, embora os vestígios que parecem sair do interior de alguma caverna escura favoreçam novas compreensões do que cada um é, em si. Como se velas fossem acesas em meio às tempestades de verão e expostas aos ventos fortes que transtornam o interior do humano, desvelando sentidos diversos, talvez. Assim, observar aquela parede em um processo psicoterápico me possibilitou simbolizar mais a mim mesmo e a meu próprio respeito, e com isso, ampliar as minhas caças por mim mesmo. Sem a pretensão de limitar meu inconsciente, tampouco as possíveis hermenêuticas daquela pintura, mergulhei dentro de mim mesmo, procurando achar o que não poderia ser achado, rapidamente. Me senti em eterna procura. Parafraseando o cantor Milton Nascimento: “Eu, caçador de mim”. (Phillips, 1981).

De súbito, resolvi estourar aquela bolha de pensamentos. Era a hora de parar de pensar. Hora de colocar a devassidão da minha carne em algum lugar. Revelei-me cansado de ser o reflexivo. Sempre primou em mim o desejo, em seu estado mais chulo. Então, sentia que era hora de deixar o animal sobrepujar o racional e libertar completamente o instintivo em mim, no seu estado mais puro, mais insano. E com aquelas impressões em minhas reflexões, decidi que o que eu desejava:

Beijar o que precisava ser beijado!

Lamber o que precisava ser lambido!

Morder o que precisava ser mordido!

Comer o que precisava ser comido!

Gozar o que precisava ser gozado!

Extasiar-me inconsequentemente, só querendo saber de mim, ligando o “foda-se” para todo o resto!

Mas por favor, antes de você levar todas as minhas assertivas para o buraco da maldade, entenda: beijar as flores dos campos por onde eu percorrer; lamber aquele sorvete de bacuri maravilhoso; morder aquela fatia de bolo fresquinho saindo do forno; comer aquela gostosa feijoada no sábado e gozar a vida com contentamentos.

E o que me restaria, então? Viver o aqui e o agora, só como o aqui e o agora, certo de que o que me viria não me pertencia. Eu precisava viver o pretenso amor tão evidenciado em minhas parcas palavras.

Desse turbilhão, nasceu a inquietação convidativa a fazer o amor acontecer. Aliás, só dessa forma eu entendia o amor: como um acontecimento que precisa ocorrer, de fato, na dimensão existencial humana. Em suma, viver...


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