sexta-feira, 30 de junho de 2023

DIA 28 - Não sou... Sou era...

 


Nem sempre é fácil aceitar-me como sou, mas desafio-me conscientemente à tarefa. Mesmo aceitando-me, entro em litígios interiores e acabo discordando de mim numa quase homérica luta de titãs. Meus paradoxos se desalinham e eu me desequilibro sem mesmo estar na corda bamba. Nestas horas, as minhas argumentações se parecem bilboquês de vidro fino na mão de crianças travessas. Tal brincadeira me assusta a alma.

Amedrontado, permito a chegada dos cristais líquidos que insistem em escorrer no meu rosto. Não são oriundos das minhas decepções pessoais, senão dos meus pés conectados à realidade cotidiana da relva pálida que alimenta continuamente as minhas mais profundas agonias, todas ligadas aos meus próximos que sofrem as agruras diárias. Flores eclodem no meu jardim psíquico e embaralham a vida em seu todo. Pisco as pálpebras e escondo a minha íris multicolorida com predominância jacarandá. Experimento o deleite do seio enluarado, sentindo o visgo do desejo se desfazer no chão de mármore, ao qual me deito nas noites frias.

O horizonte me fisga o olhar. No entorno do sol nascente, vejo uma mandala marajoara escondendo os furos mal feitos na parede de pedra onde o meu corpo se encontra recostado, ao mesmo tempo em que escondo os meus vazios para não permiti-los expostos aos desavisados. Sou um ser em fazimento e só me abro para os que sabem saltar do penhasco e voar por quase dois segundos sem gritar. Há momentos em que o crucial é curtir a queda.

Liberdade é para quem sabe o que significa limites. Liberdade é saborear o hálito da morte e, ainda assim, sorrir com medo. Liberdade é o movimento que ocorre em cada pessoa que se lança ao terreno das escolhas. E por mais que eu pense escolher o que quero escolher ou, por mais que eu não pense o que quero pensar, o meu olho que enxerga as profundezas insiste em cotejar o infinito e se iludir com as fuligens do que restou em algum fogão à lenha, daqueles que fazem um pão-de-queijo bem quentinho e o café e sua borra resinosa. O fogo se extinguiu e ainda resiste como um calor enxerido.

A liberdade requisita o movimento novamente. Neste momento, embarco em um trem para me manter em minhas andanças. Enquanto o trem percorre os seus trilhos, das suas janelas vejo cenários que se fazem e se desfazem. A poesia me invade a alma. A estação do trem é a vida... a hora da partida é também despedida. A sacra letra do Nascimento, aquele que também é chamado pela alcunha de Bituca, favorece a fulguração em meu horizonte existencial. Manifesta-se em mim uma espécie de contexto vital capaz de afirmar que tudo o que vejo veio de uma semente que absorveu a água em seu limite, fazendo-se araucária vivente por duzentos anos.

O céu possui tonalidades acinzentadas e os telhados das casas mais antigas parecem esperar a chuva. Ela vem. Um gosto de hortelã visita-me as narinas. Lembro-me que ainda é manhã e os bocejos ainda são necessários. Agora, meus olhos captam o verde e os meus pensamentos requerem a fotossíntese tão necessária à contínua troca entre os seres viventes.

Enquanto mulheres mergulham no rio, outras destilam sentimentos amorosos e paixões nos seus aparelhos inteligentes de cristais líquidos. Pessoas diversas se afogam. Se não nas águas, nas telas e também nas lágrimas. Desejo um café. Quero gozar ensandecido na transa entre a cafeína e a dopamina, enquanto o trem cruza a avenida e os raios solares rasgam algumas nuvens frívolas. Nem todo algodão doce é consistente. Mais uma vez, enfrento a fila para me desvincular daquilo que é passado. Com o riso jocoso, externo a minha ironia. Ela é fina e ácida como as chuvas frias dos desertos em que eu nunca andei.

Confirmo, assim, a teoria de que nunca é fácil me aceitar como sou, pois nunca sou. Eu sempre serei era...

segunda-feira, 26 de junho de 2023

DIA 27 – Dos paradoxos do amor


Era sexta!

Enquanto eu rumava para o consultório, por voltas das 7h da manhã, com a finalidade de atender aos meus clientes na clínica psicoterápica, vi o amor acontecer em dois de seus paradoxos. Talvez, a agonia extravagante do meu olhar fugidio, manifesto em segundos, se dê através dessa minha mania de mergulhar nas profundas emoções humanas, interpretando-as  nas horas mais inusitadas dos dias.

Vi dois abraços e dois beijos. Entretanto, as emoções que tocavam o peito daquelas quatro pessoas, fazendo arder os quatro corações, eram bem diferentes. No primeiro dos abraços, havia romance e olhares apaixonados. O rapaz alto, com um capacete na mão e ao lado de sua moto, uma CG-125, possivelmente um motoboy se preparando para os seus "corres", olhava apaixonadamente a amada uniformizada para o duro dia de trabalho junto a ASCOMCER - um hospital de referência para o tratamento de câncer localizado na cidade de Juiz de Fora - MG. Ele e ela se despediam com dúzias de beijinhos. O sol invadia os globos oculares de cada um dos amantes e os faziam brilhar como cristais. Os beijos se intercalavam aos abraços cheios de intensidades. O amor estava no ar frio daquela manhã preguiçosa e cheia de expectativa, afinal de contas era sexta, e sexta é dia de happy hour. Cervejas geladas aguardavam aqueles e aquelas que almejam um tempo para o relaxamento acompanhado de conversa fiada e risadas; e mais cervejas; e umas tiras de torresmo bem sequinhas. Efêmeros eternos.

Entretanto, na vida, nem tudo são bares com cervejas, tampouco flores. Pessoa alguma vive em mar de rosas, se é que se pode falar dele. Aliás, são parcas as flores perfumadas que insistem em sobreviver nos jardins da existência. Perdidas estão nos oceanos atmosféricos da lida. São dispersas aos bentos ventos.

Foi então que vi o outro abraço...

Era triste! Era muito triste! Era um abraço doído com rostos pranteados, daqueles cheios de lágrimas quentes.
Era abraço eivado de consolação. Pareciam-me dois irmãos buscando forças diante do luto. Tenho por mim, talvez de forma tímida, tratarem-se de dois entes marcados pela intimidade e a proximidade. Ela, de coque com alguns grampos, olhar cansado com olheiras arroxeadas, apertava as costas do irmão, igualmente condoído. Sua camisa de malha simples e a calça estilo legging revelavam a típica roupa confortável para uma madrugada de desconforto.
Ele dormiu em casa, não tão menos agoniado. Quem dorme confortavelmente, tendo em mente a figura moribunda de um ente querido da família, internado devido a um tratamento se câncer? À frente do supracitado hospital, o choro dolorido só poderia indicar o passamento de um ente querido da família, talvez a mãe. Não é nada simples receber a notícia de que alguém que fazia parte da rotina de uma casa, mediada por tantos símbolos e fotografias penduradas na parede, se perceba tranquila frente ao  infortúnio destino de todos os seres viventes: a morte. Embora saibamos que a morte faz parte da vida, jamais poderemos nos acostumar com as demandas que a envolvem e as suas decorrentes aflições.
A certeza que temos, de que somos passageiros nesse mísero e encantador planeta nos coloca, inevitavelmente, diante dos paradoxos do amor, evidenciando aquilo de lindo e aquilo de assombro que justamente, à sombra de uma árvore qualquer, acolhe ao mesmo tempo os olhos estatelados pelo amor ou pela dor.
Somos dores e amores, desconsertos e alegrias que se espraiam no chão insólito da existência. Diante daquilo que agride, a vontade é sempre aquela de pular do penhasco para mergulhar profundo no mar aberto, de águas geladas e salgadas. É preciso arrepiar o corpo para se viver o que se quer ou se pretende viver. Abraçar a morte como uma amiga e sorver o vinho e seus taninos amadeirados, oriundo daquele valho barril de carvalho, olhando o horizonte e suas nebulosas.

Os pensamentos são extremamente rápidos e o corpo e seus sentidos não o acompanham. Vi as duas cenas da vida, os paradoxos do amor e, investido de um sentimento de pura humilhação humana diante da pequenez do universo, percepcionei a grandiosidade do humano que habita o humano.
Preciso acelerar o carro. O dia requer de mim a dedicação. As pessoas que celebram as suas aventuras psicoterápicas esperam pela minha companhia naquele lugar onde emoções musas desfilam nuas nas artérias rasgadas da consciência bifurcada pelos beijos e abraços, os abraços apertados e os afetos que acontecem. O amor sempre acontece...

domingo, 18 de junho de 2023

DIA 26 - As duas asas da borboleta

 

Estava saindo do recinto onde desenvolvo cotidianamente as minhas atividades profissionais como psicólogo, quando tive a oportunidade de perceber uma borboleta agonizando. Infelizmente, ao que parece, ela fora atacada por um passarinho e já não tinha mais a potencialidade necessária para voar e encantar os olhos observadores.
Caída ao chão, enquanto ainda se agitava em seus últimos momentos até parar, percebi a sua cor marrom e as formações naturais retilíneas e circulares que certamente serviam como qualidades adaptativas para a proteção quanto ao ataque dos seus predadores. Seu mimetismo lembrava um roedor ou uma coruja.



Então resolvi retirar a borboleta, agora sem vida, do caminho, o que fiz carinhosamente, sabendo da sua fragilidade. Todavia, ao virá-la, deparei-me com uma agradável surpresa: ela era maravilhosa e linda, muito mais linda do que eu supunha. Num primeiro momento, revelou-me o seu verso obscuro em tonalidades pretas, cinzas e marrons. O anverso, por sua vez, apresentava uma tonalidade brilhante azul turquesa. A retina do meu olho que vê ficou encantada.



Obviamente, contemplei a dupla beleza da borboleta e parei para pensar sobre a realidade de todos nós. Somos seres de dupla face. Por um lado escondemos os nossos mais parcos sentimentos para nos protegemos das pessoas que, muitas vezes, não nos querem bem. Em nossos voos existenciais, revelamos as nossas sombras mais estranhas. Ao mesmo tempo, na contraposição, expomos a beleza de nossa singularidade e nossas competências e habilidades. Assim o fazemos por sermos seres multicoloridos que revelamos ao mesmo tempo as nossas sombras protetoras e as nossas belezas subjetivas.
Enquanto eu ainda me via completamente envolto com essa reflexão, percorria o caminho de terra que me levava a um povoado rural chamado Ribeirão de Santo Antônio. Minha cabeça era um intenso turbilhão reflexivo. Percepcionava as sombras e cores das árvores, plantas, flores e seres e confirmava paulatinamente a dualidade de todos os seres.
Apesar de sermos tão diferentes, compartilhamos a perspectiva de que, de fato, temos nossas respectivas dualidades e múltiplas revelações. Pensei contundentemente nas relações vivencias, pois nem sempre se pode expressar vivamente o que se é ou como se está. Nem sempre as pessoas com as quais se convive se encontram preparadas para ouvir ou para acolher aquilo que ocorre na intimidade pessoal. Nesse sentido, todos nós nos encontramos aprisionados dentro de nossos corpos pessoais. Talvez, este aprisionamento seja muito necessário, pois a apropriação indevida de nossos sentimentos sem o carinho genuíno ou a atenção própria e devida pode se constituir em alto prejuízo para quem se revela. Os sentimentos revelados precisam ser cuidados como cristais preciosos que não podem cair ao chão, se estilhaçando.
Apesar das duas asas da borboleta ainda baterem em minha caixola, eu precisava cumprir o meu trajeto e acalentar os meus conflitos. Eu estava acompanhado de duas jovens senhoras e como um bom provocador que sempre soube ser, fazia observações aleatórias sobre a vida e suas dicotomias, abrindo janelas reflexivas capazes de romper as ideias monolíticas e os pensamentos racionais que parecem nos colocar naquela posição confortável de quem sabe o que diz ou que sabe o que vive. Ledo engano. Somos somente experiências e movimentos: as duas asas da borboleta em seu voo. Pensar de uma única forma torna a vida empobrecida.
Enfim, coloquei a borboleta inerte em um jardim, a fim de que a sua decomposição alimente outros seres e sementes, pois é assim a vida. As duas asas da borboleta tocaram o meu cotidiano e fizeram-me repensar as dinâmicas relacionais do meu próprio existir. Elas continuam a bater, lembrando-me continuamente que somos sempre sombras e belezas em movimentos originais.

quinta-feira, 15 de junho de 2023

DIA 25 - Experiências deslocadoras do eu



Em um dia de verão em 2015, eu acordei com uma frase na minha cabeça: Faça o amor acontecer. Eu estava vivendo diversas experiências inusitadas em minha dinâmica de vida, especialmente por conta dos estudos mais efetivos em Psicologia. Tais experiências deslocadoras do meu eu interior se ampliaram em meio aos movimentos psicoterapêuticos aos quais eu me submetia junto à minha psicóloga. Na psicoterapia, mais precisamente na análise, pois ela era psicanalista, eu alcançava uns insights bem fodas. Enquanto eu jorrava minhas palavras nas sessões, criando diversas bolhas de informações bem reflexivas, vivenciava, ao mesmo tempo, as emoções díspares e sentimentos cadenciados pela minha consciência. De fato, me deparei com situações que eu não sabia que existiam em mim, possibilitando um maior conhecimento de mim mesmo, um autoconhecimento.

Em um dia mais específico, observei os detalhes do setting terapêutico e me deparei, mais detidamente, à parede do consultório aonde eu era atendido. Nela, havia uma pintura abstrata que mexeu com o meu mais profundo íntimo, revelando-me o que poderia sugerir o meu próprio inconsciente. Obviamente, os conhecidos movimentos freudianos entre o id, o ego e o superego marcavam as nossas conversas, gerando surpresas diversas em minha própria consciência. Embora aquela pintura fosse limitada pela parede, eu sabia que as minhas demandas mais intimistas se abririam para um campo aberto, desorientado e de olhar ilimitado. Na perspectiva psicanalítica, o inconsciente não pode ser limitado por pessoa alguma, embora os vestígios que parecem sair do interior de alguma caverna escura favoreçam novas compreensões do que cada um é, em si. Como se velas fossem acesas em meio às tempestades de verão e expostas aos ventos fortes que transtornam o interior do humano, desvelando sentidos diversos, talvez. Assim, observar aquela parede em um processo psicoterápico me possibilitou simbolizar mais a mim mesmo e a meu próprio respeito, e com isso, ampliar as minhas caças por mim mesmo. Sem a pretensão de limitar meu inconsciente, tampouco as possíveis hermenêuticas daquela pintura, mergulhei dentro de mim mesmo, procurando achar o que não poderia ser achado, rapidamente. Me senti em eterna procura. Parafraseando o cantor Milton Nascimento: “Eu, caçador de mim”. (Phillips, 1981).

De súbito, resolvi estourar aquela bolha de pensamentos. Era a hora de parar de pensar. Hora de colocar a devassidão da minha carne em algum lugar. Revelei-me cansado de ser o reflexivo. Sempre primou em mim o desejo, em seu estado mais chulo. Então, sentia que era hora de deixar o animal sobrepujar o racional e libertar completamente o instintivo em mim, no seu estado mais puro, mais insano. E com aquelas impressões em minhas reflexões, decidi que o que eu desejava:

Beijar o que precisava ser beijado!

Lamber o que precisava ser lambido!

Morder o que precisava ser mordido!

Comer o que precisava ser comido!

Gozar o que precisava ser gozado!

Extasiar-me inconsequentemente, só querendo saber de mim, ligando o “foda-se” para todo o resto!

Mas por favor, antes de você levar todas as minhas assertivas para o buraco da maldade, entenda: beijar as flores dos campos por onde eu percorrer; lamber aquele sorvete de bacuri maravilhoso; morder aquela fatia de bolo fresquinho saindo do forno; comer aquela gostosa feijoada no sábado e gozar a vida com contentamentos.

E o que me restaria, então? Viver o aqui e o agora, só como o aqui e o agora, certo de que o que me viria não me pertencia. Eu precisava viver o pretenso amor tão evidenciado em minhas parcas palavras.

Desse turbilhão, nasceu a inquietação convidativa a fazer o amor acontecer. Aliás, só dessa forma eu entendia o amor: como um acontecimento que precisa ocorrer, de fato, na dimensão existencial humana. Em suma, viver...


segunda-feira, 5 de junho de 2023

DIA 24 - Em alusão ao Dia Mundial do Meio Ambiente

 


Um sério problema a ser considerado pelas nações em geral e pelas pessoas em particular é o que se refere ao cuidado com o meio ambiente. Aliás, este é um problema de real emergência.

Precisamos partir da premissa de que o Planeta Terra é o único lugar em que podemos habitar neste universo. É a casa comum para a humanidade e suas contradições, geradoras de todas as formas de injustiças e distanciamentos estruturais, mas também de todas as belezas e alegrias.

Hoje, enquanto me deslocava para o meu ambiente de trabalho, reconfigurei toda a minha contemplação, pois toda a natureza que eu contemplava apresentava a sua exuberância e esplendor pela primeira vez aos meus olhos, mesmo tendo eu passado por este caminho uma dezena de vezes. Todos os dias, as dimensões que nos visitam devem ser observadas por nós como sendo reveladas pela primeira vez. O cuidado com o meio ambiente precisa ser renovado cotidianamente.

Apesar de algumas correntes teóricas afirmarem a supremacia antropológica sobre a face deste planeta, somos todos sabedores da nossa relação de interdependência dos reinos animal, vegetal e mineral. Estamos em ampla e completa relação de simbiose. Cabe aqui a premissa de que o todo é maior do que as partes que o compõe. E nessa perspectiva, importa pontuar também que pessoa alguma é mais importante do que a outra. Apesar dos esforços extenuantes quanto à apropriação indevida de recursos para a salvaguarda de riquezas pessoais, o que realmente importa é a atitude de solidariedade que deve se expressar de forma viva entre os reinos supracitados, preservando-se, assim, a continuidade da vida em nossa casa comum.

Todo esse processo de solidariedade abraça, também, a busca pela dignidade humana, especialmente para os pobres e desvalidos, completamente afastados das mínimas possibilidades de sobrevida. É preciso lutar pela justiça, inclusive na proteção do meio ambiente, pois a degradação da terra, do ar e da água é tamanha. Todos os sinais de alerta já foram acesos e os líderes mundiais sabem disso. Desde o início do ano de 2005, uma preocupação com o meio ambiente e com a ecologia foi ampliada por conta do furacão Katrina. Deflagrou-se, a partir do ocorrido nos EUA uma preocupação mais efetiva com o planeta. Diante dos olhos, se estampava os rescaldos do aquecimento global, as grandes precipitações e a inconstância dos ventos. De fato, os grandes cataclismas atuais estão deixando os cientistas comprometidos como o meio ambiente em estado de tensão e atenção.

Entendemos que as novas possibilidades históricas podem remeter o ser humano a uma reconsideração da visão de mundo, desembocando a reflexão à busca por um equilíbrio entre três importantes forças que se referem aos cuidados com a casa comum: a ecologia, a economia e o ecumenismo. O prefixo destas palavras é o mesmo. Refere-se à palavra grega oikos, que se caracteriza em língua portuguesa como casa.

Como já afirmamos, o planeta terra é a casa comum de todos os seres humanos, mas em todas as três dimensões, se pode inferir que a casa comum se encontra em crise. Ora, nas últimas três décadas aguçou-se a preocupação com a preservação da vida em todos os continentes. O ambientalista Maurício Waldman que foi assessor de Chico Mendes ressaltou que os problemas socioambientais são sem precedentes. Toda a biosfera está ameaçada por causa de uma falsa dicotomia que o mundo ocidental estabeleceu entre economia e ecologia, mesmo porque os termos não são antagônicos: “A palavra ecologia, proveniente de oikos-logos, significa “estudo”, “tratado sobre a casa”, e a palavra economia, derivado de oikos-nomos, reportaria a “ordem”, “organização da casa”. Porém, esta etimologia não esgota o significado de ambas as palavras”. (WALDMAN: 2003: 14). No passado, oikos tinha ver com uma unidade marcada pela auto-suficiência, produção e consumo, da qual dependia a sobrevivência do grupo, subtendendo também uma determinada organização política”. (WALDMAN: 2003: 14). Mediante esse apontamento, Waldman apresenta-nos a relação indissociável entre nomos e logos, especialmente quanto à questão ambiental: “Uma economia que pretenda de fato ser uma oiko-nomos tem de ser uma economia ecológica. Por sua vez, uma oiko-logos que faça sentido tem também de incorporar uma vertente econômica”. (WALDMAN: 2003: 15). Dentro do arcabouço do termo oikos, a noção de auto-suficiência, sobrevivência do grupo, equilíbrio, ordem sociopolítica e econômica precisam ser consideradas de forma intencionalial, enfim, da sobrevivência do grupo. Digno de nota é a seguinte argumentação de Waldman: “O enfrentamento da deterioração da biosfera deve buscar a causa comum da conquista da justiça social e do respeito ao meio ambiente, um mundo que não seja mais da divisão dos riscos, e sim do risco comum de não sermos divididos. É deste modo que ecologia e economia desdobram-se obrigatoriamente em ecumenismo”. (WALDMAN: 2003: 16).

Essas premissas de Waldman estabelecem eixos fundamentais para a nossa reflexão sobre os riscos e oportunidades inerentes ao planeta. É preciso ainda considerar que a mídia, apesar de acelerar as informações, também favorece um tratamento chulo a questões sérias. É possível que alguns temas, como o tema do meio ambiente, mediante abordagens equivocadas, se tornem uma espécie de “moda”, não sendo enfáticos e, tampouco, não direcionando de forma evidente as ações de políticas públicas que provoquem mutações para o futuro do planeta.

Portanto, é preciso que todos nos conscientizemos quanto à necessidade e urgência quanto ao cuidado da nossa casa comum, o planeta que habitamos. Se há uma correlação efetiva entre economia e ecologia, é de vital importância que a grande miríade de religiões espalhadas sobre a face da terra se abrace numa corrente solidária e se esmere na possibilidade de cuidar do planeta, independente de suas narrativas e convicções específicas. O ecumenismo se associa à economia e ecologia no cuidado com este planeta que vaga por este universo de dimensões inimagináveis.

 

sexta-feira, 2 de junho de 2023

DIA 23 - Em busca de si mesmo

 


O sentido da vida está intimamente conectado à consciência de si. Todos os dias, ao abrirmos os olhos, invariavelmente somos tomados pela pergunta: “Quem sou eu?” Obviamente, não é uma tarefa fácil enfrentar essa temática, pois ela exige um pouco de reflexão e exposição pessoal, especialmente das contradições que acompanham cada um de nós.

Todas as vezes que eu me deparo com a referida pergunta, deixo-me ser levado pela narrativa do Oráculo de Délfos. A narrativa, guardadas as devidas proporções históricas, convoca o ser em busca da sua consciência, no enfrentamento com os dilemas da vida e o significado de ser no mundo.

Em todos os períodos de nossa existência, nos deparamos com muitas dúvidas, anseios, expectativas e transformações. As memórias passadas e as inquietações quanto ao futuro também se fazem presentes, especialmente quanto ao caminho a se percorrer. Em todos eles, é fundamental que haja um bom conhecimento de si mesmo. Este conhecimento é o que possibilita a valorização dos sonhos e a projeção das realizações no presente, permitindo-se avaliar a historicidade e o protagonismo espontâneo.

A busca pelo conhecimento de si é milenar. Em todas as culturas mais arcaicas, a pergunta pelo significado e sentido de ser se evidenciaram. Um bom exemplo vem da mitologia grega e a sua reconhecida narrativa do Oráculo de Delfos, como segue:

Os gregos acreditavam que o famoso oráculo de Delfos era capaz de lhes dizer coisas sobre o seu destino. Em Delfos, o deus do oráculo era Apolo. Ele falava através de sua sacerdotisa, Pítia, que ficava sentada num banquinho colocado sobre uma fenda na terra. Dessa fenda subiam vapores inebriantes, que colocavam pítia numa espécie de transe. E isto era necessário para que ela se tornasse o meio pelo qual Apolo falava.

Quem vinha a Delfos primeiro fazia suas perguntas para os sacerdotes locais, que iam consultar Pítia. A sacerdotisa do oráculo lhes dava uma resposta, que era tão incompreensível ou tão ambígua que os sacerdotes tinham que ‘interpretá-la’ para os consulentes.

Dessa forma, os gregos podiam se valer da sabedoria de Apolo, que , para eles, era o deus que sabia de tudo, tanto do passado quanto do futuro.

Muitos chefes de Estado não ousavam entrar numa guerra ou tomar decisões importantes sem antes consultar o oráculo de Delfos. Dessa forma, os sacerdotes de Apolo eram quase como diplomatas ou conselheiros, que possuíam um profundo conhecimento do povo e do país.

No templo de Delfos havia uma famosa inscrição: conhece-te a ti mesmo! E ela ficava ali para lembrar aos homens que eles não passavam de meros mortais e que nenhum homem pode fugir de seu destino.

Entre os gregos contavam-se muitas histórias de pessoas que tinham sifo apanhadas por seus destinos. Ao longo do tempo, uma série de peças – as tragédias – foi escrita sobre essas “trágicas” personalidades. O exemplo mais conhecido é a história do rei Édipo, que, na tentativa de fugir do seu destino, acaba correndo ao seu encontro. (GAARDNER, Jostein. O Mundo de Sofia. Romance da história da filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 66 e 67).

 

A narrativa sugere-nos os dois movimentos cruciais que nos acompanham em nossa busca pessoal: o movimento interno que busca as nossas emoções e sentimentos e o movimento externo que tem a ver com as nossas relações comunitárias. Assim, conhecer-se a si mesmo coaduna a ideia de um conhecimento do todo social. O desafio de se conhecer a si mesmo requer, também, uma retrospectiva dos acontecimentos que ocorreram desde o nascimento, até o tempo presente. Muito do que se é hoje, decorre das múltiplas vivências experimentadas desde a primeira infância. Conjuntamente ao se repensar o si, aglutina-se a cultura e todas as suas variantes. O si se constitui com o outro, também.

Um exemplo do que estamos considerando encontramos no filme Sociedade dos Poetas Mortos (1989), dirigido por Peter Wier. A narrativa retrata o ano de 1959. Numa tradicional escola preparatória, a Academia Welton – conhecida pela rigidez da sua formação e os seus quatro princípios elementares: tradição, honra, disciplina e excelência, um ex-aluno se torna o novo professor de literatura. Seus métodos de incentivar os alunos a pensarem por si mesmos cria um choque com a ortodoxa direção do colégio, principalmente quando ele fala aos seus alunos sobre a "Sociedade dos Poetas Mortos". Nele, encontramos a inegável importância do ato de se olhar para dentro de si mesmo, valorizado pelo Senhor Keating – Robin Williams e seu contínuo questionamento quanto aos princípios castradores da possibilidade quanto a novos conhecimentos, baseado em um poema de Walt Whitman, intitulado Oh Capitão! Meu Capitão! Em suas letras:

Oh capitão, meu capitão! Nossa viagem de medo findou

O navio resistiu a todas as tormentas, o prêmio que perseguíamos foi ganho

O porto está próximo, ouço os sinos, as pessoas todas exultam

Enquanto os olhos seguem a firme quilha, o raivoso e audaz barco

Mas oh coração! coração! coração!

O as rutilantes gotas de sangue

No tombadilho onde jaz meu capitão

caído, frio e morto

Oh capitão, meu capitão

Oh capitão, meu capitão! Levante-se e ouça os sinos

Erga-se - para você a bandeira tremula - para você tocam os clarins

Por você buquês e coroas de flores com fitas - para você as costas estão lotadas

Para você que eles chamam, a massa oscilante, suas faces ansiosas se viram

Aqui capitão! querido pai!

Este braço sob sua cabeça!

É algum sonho que no tombadilho

Você jaz frio e morto.

Meu capitão não responde, seus lábios estão pálidos e quietos

Meu pai não sente meu braço, ele não tem pulso nem vontade

O navio está ancorado são e salvo, sua viagem finda e encerrada

De uma horrível travessia o vitorioso barco vem com esse objeto ganho

Exulta, oh praia, e toquem, Oh sinos!

Mas eu com passos desolados

Ando pelo tombadilho onde jaz meu capitão

Caído, frio e morto.

 

Mediante o brado ao capitão em sua nau livre, a arte, a poesia e a liberdade, Keating convida os rapazes em suas aulas a refletirem por si mesmos, escrevendo poemas sobre si mesmos e os seus respectivos sentimentos, para fazê-los viver a dimensão do “CARPE DIEM” – Colha o dia, viva o momento. Trata-se da busca pelo conhecimento de si, suas possibilidades, qualidades e defeitos, mediante a utópica manifestação dos sonhos e das fantasias que não podem ser desprezados. Dessa forma, buscando o interior de si mesmo, o ser alcança as maiores noções da sua subjetividade, das singularidades e das potencialidades que constituem o ser.

No filme, estes ideais apresentados foram oprimidos e o resultado foi trágico, inclusive com o suicídio de um jovem, vivente em seus novos ideais.

Enfim, no Oráculo e no filme, manifesta-se o eterno conflito entre os nossos desejos libertários e as nossas inquietações automatizadas reais e cotidianas; entre a nossa sanha por liberdade e os aprisionamentos provocados pelo alheio. Em nosso busca pelo nosso eu, sempre sobrarão os ostracismos da sociedade. A subversão, o bom humor e a poesia sempre se constituirão em um bom caminho para o contentamento pessoal e subjetivo. Carpe diem...    

 

DIA 71 - Olho e língua da minha amiga - Em memória de Iracy Costa Rampinelli

  Quando eu era criança, sempre me convidavam para as festas de aniversários. Eu, que nunca tive festas de aniversário, ficava deslumbrado c...