Eu
me vejo espelhado, mas nem sempre confortável. Prefiro o reflexo das lagoas
translúcidas que acolhe em sua lâmina o céu e as suas nuvens, quando há nuvens.
Em qualquer delas, reconheço as distorções e os reflexos do que imagino ser
real, se é que existe algo real.
De
posse do irreal que me habita, tenho fortes impressões sobre o meu eu e elas
não são ideais. Revelam-me as minhas sombras e os levianos espectros do meu
doar decantador. Reconheço-me como um doador contumaz, especialmente
quando o assunto é o acolhimento às pessoas em suas inquietações mais
profundas.
Em
todo o tempo, eu procuro o meu gozo fortuito peregrinando nas trilhas do meu segundo
(in)sano e passageiro. Como transeunte, saliento o meu egoísmo e me cubro
com retalhos de pano azul turquesa. Quero destacar-me na avenida das
pirambeiras enquanto me escondo em minha mais íntima intimidade e paraliso as
batidas do meu coração.
Dizem-me
que eu não posso ser egoísta, somente altruísta. Todavia, cansei-me do
altruísmo exagerado e sem tréguas, e me lanço à aventura insana de escalar a
montanha sem equipamento de proteção. Será que chegarei ao cume? Não sei e nem
pretendo saber. Já tá valendo a rota torta que me entorta a coluna e me faz doer
a perna direita. Preparo uma pequena refeição leitosa para me deleitar, com
alguns cereais e uma carne de sol.
Eu
que não fumo, tento deletar a minha fome com uma lasca de pão quase bolorenta,
enquanto ofereço lentilhas a qualquer alma faminta que me dê os seus direitos
de fêmea. Não nego o que possuo e persigo o meu dilema emocional, sem
saber, de fato, qual ele é. A fêmea no cio.
Sei
que o mundo gira tal qual uma montanha russa, daquelas radicais que
liquidificam sensações. Eu, igualmente, rodopio em um trilho imaginário e
agressivo, soberano. Tudo é meu e eu me completo, me bastando sem me considerar
um bastardo. Passo a viver assim, sem fazer nenhum plano para ontem, sequer
para amanhã. Aliás, agora é a hora do looping.
Completamente
atordoado, passo a percorrer os caminhos que me levam à mina de rubis. Quando
retorno de seu subterrâneo, meus olhos se sentem agredidos pelos raios de
sol da aurora magistral. Não tenho óculos escuros. Meu grau é grandão. Tais
caminhos e jornadas trazem o amor e o poder de volta ao self interior, o
que sustenta o egoísmo. Na perspectiva do andarilho, experimentar cenários que
se modificam e se transformam continuamente. Mudo com eles e colho o pó em ouro
puro. Perdi as contas de quantas vezes eu me perdi em minhas andanças.
Adoro
perder-me e subtrair-me. Nunca fui muito bom em matemática. Sempre afoito às
artes humanas, minha fascinação. Com o ouro, espalmo as minhas mãos, balanço-as
ao ar tentando tocar o horizonte que se esvai, dando lugar à dama da noite. Minha
boca calada já não quer calar-se, a língua já foi mordida. Junto aos camafeus,
procuro me refazer na saudade.
Às
vezes, cai sal na ferida, pandemia que arruína Proteus. Eu grito na gruta,
luzeiros acesos, agonia que não cessa. O olhar mais perdido agora tenta
contemplar a noite sem estrelas e as mãos cheias de purpurinas douradas que não
me deixam rico. Enquanto as pálpebras escondem os olhos que ardem, o cansaço
visita todo o corpo. O chão empoeirado convida ao deitar-se maviosamente, sem
conforto. A garganta já ressecada requer o líquido límpido, incolor e sem
sabor.
Nem
tudo é dor, e o momento requer posturas eivadas de vivacidade. Nadar no rio é
opcional, mas as águas escondem as pedras lodosas. Contusões e feridas podem
ocorrer. Preciso repousar e enquanto assim faço, deparo-me novamente com a
minha imagem refletida, agora em uma lápide de granito. Ela ainda está
retorcida e eu me contorço em sentimentos e desejos vulcânicos. Minha Nárnia
pessoal continua viva.