quinta-feira, 28 de setembro de 2023

DIA 41 - Das intuições que alicerçam os assombros dos dias

 

Tenho aprendido a respeitar as minhas intuições e os meus pensamentos cheios de convicções, principalmente quando tenho que tomar decisões mais complexas. O referido respeito nasceu por conta de uma questão bem pessoal alusiva a mim mesmo e aos meus desejos. Passei a acreditar no pensamento espontâneo que sinalizava o melhor caminho a seguir. Respeitando a minha intuição, percebi que as coisas aconteciam bem mais leves. Quando não, acabava vivendo um infortúnio em minha própria trajetória existencial.

Em um desses dias corriqueiros da semana, quando eu rumava para o meu ambiente de trabalho, acabei buscando outra rota que passava por uma estrada de terra e em meio diversos povoados rurais. Fiz este trajeto de carro investindo tão somente na minha pura contemplação.  Aproveitei o máximo todo aquele trajeto a fim de repensar ou reorganizar meu bem-estar. Eu queria ampliar a minha sintonia com o cosmos, e foi isso o que aconteceu. Curti cada instante dirigindo suavemente o carro com as janelas abertas, recebendo os beijos da brisa fria matinal. Contemplei todas as tonalidades de verde, visualizei riachos, lagos, ao mesmo ao mesmo tempo em que ouvia os sublimes cantos das aves mais diversas.



Não nego que os meus olhos se encheram de encantamento naquele momento de eternidade. Tive a oportunidade de estabelecer aquilo que muitos chamam de higiene mental. A natureza em sua majestosa rudeza abraçou-me de forma carinhosa e aconchegante. Foi um momento ímpar para mim. Talvez eu nunca me esqueça dos sentimentos que se formaram em meu interior.

Infelizmente, muitas pessoas perdem as belezas do cotidiano por conta das suas correrias sociais. Não permitem a sintonia ou mesmo a simbiose com a natureza. Encontram-se tão chafurdadas em suas demandas que não conseguem sequer respirar o ar fresco ou sentir as fragrâncias que se espraiam na atmosfera. Acho coerente pensar que nem tudo é compromisso ou trabalho. A vida é dinâmica e requer mais brincadeiras e suavidades. É fundamental pensarmos a possibilidade de salvaguardarmos um tempo para visualizar o que realmente importa em nossa natureza humana, a saber, acolher as dinâmicas da vida que se encontram muito além do nosso cotidiano automatizado. Confesso a todos que, para mim, o encontro com a natureza foi extremamente importante e renovador.
Todavia, mal sabia eu que o dia que se descortinava prometia uma série de percalços e enfrentamentos. Além dos meus atendimentos no setting terapêutico, enfrentei duas inusitadas interferências nas rodovias em que me desloco todos os dias.  Assim que eu saí da rota de terra, peguei o asfalto em direção ao município de Coronel Pacheco – MG. Quando estava chegando, deparei-me com um grande engarrafamento. Eu já havia percebido que eram escassos os veículos na estrada. Com um bom humor instalado pelo trajeto evidenciado anteriormente, achei até que todos tinham sido abduzidos. Na verdade, ocorreu um acidente na Vila de Santa Rita no referido município. Dois cidadãos se envolveram no sinistro: um de moto e outro em um Uno. Ainda bem que, embora os ferimentos decorrentes, ambos escaparam com vida.

Com o trânsito completamente paralisado, acabei chegando atrasado ao ambiente de trabalho. Embora externando a minha solidariedade  aos acidentados, passei aos atendimentos clínicos. Já era sexta-feira e devidos aos eventos alusivos à Campanha do Setembro Amarelo – um em Ribeirão de São José, outro em Coronel e outro, ainda, no Centro Universitário Estácio JF, além de algumas sessões mais complexas e desafiantes, ainda visitou-me o cansaço físico. Depois das 14h, quando me retirei do município e me destinava aos atendimentos psicoterápicos, deparei-me com um comboio. Diversos veículos de apoio e um caminhão carregando um transformador gigante, ocupando duas pistas da estrada. Gastei 50 minutos em um percurso que levaria 12 minutos. Este infortúnio atrasou as minhas consultas.

Depois dos meus atendimentos, lá pelas 21h, eu recebi uma mensagem pouco usual para acompanhar um amigo querido no seu pós-cirúrgico. Eu teria que passar a noite como acompanhante e assim desenvolver um pouco mais a solidariedade e a gentileza tão necessária neste mundo insensível. Não podemos deixar que os cansaços dos dias, das tardes e das noites nos impeçam de estar junto às pessoas queridas, especialmente quando de infortúnios. Resolvi passar a noite e perceber as horas passando lentamente, enquanto fingia dormir. Em meio à madrugada, remexi os meus pensamentos, chegando à constatação de que estamos continuamente na montanha russa. A princípio, tudo tranquilo. Na sequência, altos e baixos.

Enquanto escrevo este texto, tenho diante de mim o Rio Paraibuna que corta a cidade de Juiz de Fora, onde resido. Ele suavemente desliza as suas águas em seu leito, refletindo o céu azul sem nuvens e as árvores e arbustos que o cercam. Desliza suavemente em meio a selva de pedras, parecendo analisar a vida corrida e zoada da cidade. Pessoas correm, caminham, se exercitam, enquanto outras lutam pelas suas vidas em seus leitos hospitalares. Enquanto tudo acontece, o rio segue o seu fluxo sem pressa. Seu caminho está traçado, mas existem novos obstáculos. Talvez, o rio e seu percurso sejam umas das grandes metáforas encontradas para o melhor entendimento de quem somos e o que fazemos neste mísero planeta.



Em meio a tantas correrias percepcionadas, a sexta e o sábado se viram envoltas pela morte da jogadora de vôlei Walewska Oliveira. Recebi a notícia com muita tristeza e com um peso a mais, pois eu havia discutido e conversado sobre as temáticas do desespero e da autodestruição durante toda a semana. Como um profissional envolvido com a saúde mental do meu município, sabedor dos dilemas que estão presentes na vida de cada um de nós, eu fiquei muito consternado com o fato.



Não sei detalhes da vida da atleta, mas é certo que a depressão, à qual todos nós estamos sujeitos, é muito silenciosa. Eu acho que aos primeiros sinais de tristeza ou encontros com as dificuldades para a compreensão da existência, cada qual deve investir em psicoterapias e tratamentos psiquiátricos, quando necessário. É preciso que as nossas caminhadas reflexivas, especialmente aquelas que consideram a vida como ela é, sejam equilibradas em nossa dinâmica diária, possibilitando que as nossas angústias sejam acolhidas da melhor maneira possível em nosso interior.

Da minha parte, continuarei a seguir as minhas intuições. Acho que não perco coisa alguma com isto.

DIA 71 - Olho e língua da minha amiga - Em memória de Iracy Costa Rampinelli

  Quando eu era criança, sempre me convidavam para as festas de aniversários. Eu, que nunca tive festas de aniversário, ficava deslumbrado c...