terça-feira, 5 de março de 2024

DIA 68 - Pensando a insignificância de ser num mundo de seres



Sempre penso detidamente no significado da minha existência sobre este pequeno planeta que gira continuamente em um eixo imaginário pelo universo à fora. O multiverso dos meus pensamentos revela a minha total e irrestrita insignificância como ser, como sujeito. Perco-me em meus delírios.

Enquanto divago, imagino as milhares de nebulosas coloridas que se manifestam nos quatro cantos desse universo que nem sei se tem cantos.

Contemplo a abóboda celeste ao mesmo tempo em que pego uma abóbora, daquelas cheias de gomos, salivando e desejando aquele saboroso bobó de camarão. Chego à constatação de que tudo é tão finito e infinito. Quem poderá definir o sabor que reúne o fruto da terra com o pequeno crustáceo de sabor inigualável?

A abóbora acariciada pelas minhas mãos nasce da mesma forma que as estrelas, na explosão das sementes que nunca mentem; da mesma forma que as crianças, depois do desenvolvimento no útero materno, este lugar de magias e alquimias.

Na minha boca, escorre o sabor dos movimentos e das possíveis transformações e possibilidades revolucionárias do que cada ser porta dentro de si.

Na minha boca, escorre o líquido translúcido que sai do filtro e preenche o recipiente de louça cuja impressão é a da imagem do personagem Coringa. O Batman que se cuide. Enquanto bebo a água, sorvo as impressões doloridas da minha alma, aquelas que insistem em visitar as pessoas e suas dores sem fim.

Visita-me a vontade de viver a explosão de uma sexualidade que não esteja diretamente ligada à cópula. A dureza dos dias e das percepções sem coração revela gente sem a mínima decência, capaz de azucrinar a vida do outro só pelo sabor e pelo prazer de azucrinar. Não dou conta dessa estirpe de gente. O cotidiano requer mais sensibilidades e acolhimentos sem cobranças. Num mundo de gente madura, cada um cuida do seu b.o.

A fragilidade dos barquinhos de papel revelam a nossa própria fragilidade. Assumí-la, enquanto há tempo, demanda urgência num tempo que parece ser lento, mas voa como um aviãozinho de papel. O relógio assim o condena. Nem o dragão de Komodo escapa do tempo. Criatura fabulosa que também nasce, também morre.

E há quem ainda insista em buscar um sentido para a vida, mas sentido não há. Talvez aquele, marcado pelo talvez das dúvidas que habitam a consciência e suas possibilidades expressas num mundo caotizado pelos humanos e suas parafernálias.

Eu, quando durmo, em nada mais penso, pois vivencio o estágio da morte. Tudo o que me é caro e importante se perde, inclusive eu mesmo me perco num mundo escuro, amparado pelo onírico que insiste em me visitar. Hora em que não penso em ninguém, e é bom que seja assim.

Tem momentos em que o cansaço bate firme e forte, principalmente na cabeça. Píncaros de um sino de igreja medieval confrontam o que necessita sossegar.

Talvez eu deseje voar para o alto daquela torre para silenciar o sino ou subir o monte que nunca consegui escalar, pela simples vontade de contemplar as linhas de um horizonte quase perdido. Isolar-me como um Zaratrusta e pensar o que me é possível. A aura nunca será a de um anjo. Serpente é águia me acompanham.

Em meio ao meu devaneio silencioso e solitário, evoco a quinta sinfonia de Beethoven para me safar dos pensamentos meticulosos que me transformam em um ser estranho, daqueles que abraçam a destruição.

A água ainda perpassa a minha boca e eu acolho nela os peixinhos dourados que eu desenhava quando crescia e me desenvolvia no Jardim de Infância. Sinto-me num aquário cristalino com uma miniatura de farol incandescente fixada ao fundo. Imagino o arquétipo Junguiano dos seres aprisionados em seus mundinhos cavernosos. Sei que muitos não o entendem, mas algozes também reverenciam os santos de outrora, fazendo o sinal da Santa Cruz.

Curiosamente, tudo o que parece desconexo pode ser conectado pelas mentes mais iluminadas dos que amam os reinos animal, vegetal e mineral.

Reverencio os leões marinhos que eu nunca tive oportunidade de ver. Por enquanto, ouço as galinhas se manifestarem junto ao galo da madrugada.

Enfim, faço suspense com os meus cabelos suspensos a fim de aguardar os tempos vindouros. Estico os meus olhos castanhos para olhar um pouco mais além, embora um deles nada enxergue. Insisto em minha teimosia e ativo o veio de gamas e ultravioletas que sempre me banha com seu brilho intenso. Ainda vejo como é pequena a minha existência, mas me envolvo com as possibilidades de ser um pouquinho melhor hoje e, talvez, amanhã…

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