quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

DIA 02 – O arco-íris e a amizade


 

Havia colocado o meu celular para carregar durante toda a madrugada, pois eu precisava que a carga estivesse completa na segunda-feira. Levantei-me e despedi-me da minha irmã, do meu cunhado e das minhas sobrinhas que haviam passado as festas de fim de ano com a gente. Eles estavam retornando para a cidade de Ituiutaba – Minas Gerais. Após os beijos e os abraços calorosos, eu fui trocar de roupa para me destinar ao consultório. Sem direito a férias, eu precisava voltar a atender os meus clientes. Sempre me levanto bem animado com a possibilidade de atendê-los no consultório. No dia primeiro, confirmei os meus horários com cada um deles. Assim que tomei o meu café, estudei por alguns instantes algumas premissas fundamentais a serem consideradas nos momentos de atendimento. Saí de casa dirigindo o meu Renault Logan, destinando-me ao centro da cidade de Juiz de Fora, estacionando-o em uma rua próxima à Catedral metropolitana. Cheguei ao consultório às 7 horas e 45 minutos. Arrumei as múltiplas almofadas e organizei todo o espaço para recepcionar os clientes. Às 8 horas em ponto, a campainha do consultório tocou e eu atendi o meu primeiro cliente de 2023. Curiosamente, a sua demanda se relacionava a pensar sobre o mais importante para a sua vida cotidiana, diante dos desafios vivenciados no ambiente de trabalho. Pelo fato dele partilhar comigo que o mais importante para ele era cuidar da sua vida pessoal, equilibrando a necessidade de ganhar um dinheiro e viver o tempo livre da maneira como quisesse, sem peso na consciência, eu disse a ele que atingindo este patamar, certamente ele haveria de encontrar o que poderia ser considerado a cereja de um bolo. De fato, o mais importante para cada um de nós é fazer aquilo que nós queremos fazer de maneira tal que a nossa consciência fique livre, leve, solta e abundantemente criativa. Terminamos o atendimento pontualmente às 7 horas e 59 minutos e eu fiquei aguardando meu próximo cliente. Enquanto eu aguardava, passei a editar o texto do dia primeiro e a considerar a leitura da obra de Jean Paul Sartre intitulada a transcendência do ego

Tendo aberto uma janela em um dos atendimentos, resolvi descer para me deliciar com uma vitamina de morango com leite. Pedi ao atendente para colocar pouco açúcar. Ele preparou uma vitamina magistral com pouco açúcar, favorecendo assim o sabor do morango. Depois de degustar aquela delícia, dei alguns passos e fui a um sebo que eu gosto muito. Resolvi separar duas obras que há tempos eu estava namorando: Saint Genet de Jean Paul Sartre e Anjo decaído de Rui Castro. Esta última obra refere-se a biografia de Nelson Rodrigues. Queria me deleitar com as obras recém separadas, mas só poderia pegá-las no dia subsequente. Eu, particularmente, tenho uma profunda satisfação em curtir livros antigos que já foram lidos por alguém e que, hoje, se tornaram interessantes para mim.

Depois da minha andança, vivenciei sequencialmente diversos outros atendimentos no consultório. Um dos que mais me chamou a atenção referia-se ao movimento inerente a todos nós, a saber, o de vivenciar os nossos desejos e construirmos a nossa caminhada de uma maneira autônoma. É sempre muito especial quando valorizamos quem nós de fato somos. Não são as pessoas que têm que determinar como nós devemos viver a nossa vida, mas nós mesmos. Somos pintados com uma série de tintas pelas pessoas que passam em nossa vida, mas há um momento derradeiro em que precisamos descascar as nossas tintas para nos descobrirmos como realmente nós somos. Terminada todas as sessões, tive a oportunidade de refletir um pouco mais sobre a maravilhosa dimensão do amor. Carrego, tatuado em meu braço esquerdo, uma frase que assim diz: Faça o Amor Acontecer, porque eu entendo que o amor é o acontecimento fundamental que nos direciona à vida plena e à vida abundante. Na sequência de minhas atividades, tive a oportunidade de amparar pessoas que necessitavam do apoio, do acompanhamento, da vivência, da amizade, do carinho, da atenção e do cuidado, coisas tão essenciais para a vida de todos nós.

Depois de tudo viver, rumei para a minha casa. Comprei pão e mortadela para me deliciar e também refastelar a alegria da minha filha. Depois, tive que ir ao encontro da uma pessoa na mesma hora em que caiu uma copiosa chuva. Quando a chuva se transformou em uma fina neblina, eu vi se formar um lindo arco-íris. Celebrei-o como sendo o sinal de uma nova aliança que se faz e que se refaz no coração de todos nós, seres humanos.

Ao final do dia tive a oportunidade de celebrar a presença de um amigo em minha casa. Nós fomos companheiros no programa de Mestrado da Universidade Federal de Juiz de Fora e, nessa estrutura, nutrimos um grande apreço e um grande respeito um pelo outro. Celebramos a nossa amizade com prosa da boa, contações de histórias, engajamentos políticos e sociais, boa comida e cerveja bem gelada. Ele tocou algumas músicas e declamou as suas poesias, todas autorais, eivadas daquele jeito do cerrado brasileiro. Depois da meia noite, nos despedimos. Deia ele um livro que eu havia produzido: Reencantamentos da graça em uma favela carioca, de autoria do querido e saudoso Zwinglio Mota Dias. Nos aproximamos do seu carro. Verificamos o nível do óleo. Estava tudo certo. Finalmente, depois de algumas confidências peculiares à nossa amistosa intimidade, dei-lhe um afetuoso abraço e dissemos, um ao outro, um “até breve”. O arco-íris esmaeceu-se, mas a amizade, as amizades, os desafios clínicos jamais...

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