Havia colocado o meu celular para carregar durante toda a madrugada, pois eu precisava que a carga estivesse completa na segunda-feira. Levantei-me e despedi-me da minha irmã, do meu cunhado e das minhas sobrinhas que haviam passado as festas de fim de ano com a gente. Eles estavam retornando para a cidade de Ituiutaba – Minas Gerais. Após os beijos e os abraços calorosos, eu fui trocar de roupa para me destinar ao consultório. Sem direito a férias, eu precisava voltar a atender os meus clientes. Sempre me levanto bem animado com a possibilidade de atendê-los no consultório. No dia primeiro, confirmei os meus horários com cada um deles. Assim que tomei o meu café, estudei por alguns instantes algumas premissas fundamentais a serem consideradas nos momentos de atendimento. Saí de casa dirigindo o meu Renault Logan, destinando-me ao centro da cidade de Juiz de Fora, estacionando-o em uma rua próxima à Catedral metropolitana. Cheguei ao consultório às 7 horas e 45 minutos. Arrumei as múltiplas almofadas e organizei todo o espaço para recepcionar os clientes. Às 8 horas em ponto, a campainha do consultório tocou e eu atendi o meu primeiro cliente de 2023. Curiosamente, a sua demanda se relacionava a pensar sobre o mais importante para a sua vida cotidiana, diante dos desafios vivenciados no ambiente de trabalho. Pelo fato dele partilhar comigo que o mais importante para ele era cuidar da sua vida pessoal, equilibrando a necessidade de ganhar um dinheiro e viver o tempo livre da maneira como quisesse, sem peso na consciência, eu disse a ele que atingindo este patamar, certamente ele haveria de encontrar o que poderia ser considerado a cereja de um bolo. De fato, o mais importante para cada um de nós é fazer aquilo que nós queremos fazer de maneira tal que a nossa consciência fique livre, leve, solta e abundantemente criativa. Terminamos o atendimento pontualmente às 7 horas e 59 minutos e eu fiquei aguardando meu próximo cliente. Enquanto eu aguardava, passei a editar o texto do dia primeiro e a considerar a leitura da obra de Jean Paul Sartre intitulada a transcendência do ego
Tendo
aberto uma janela em um dos atendimentos, resolvi descer para me deliciar com
uma vitamina de morango com leite. Pedi ao atendente para colocar pouco açúcar.
Ele preparou uma vitamina magistral com pouco açúcar, favorecendo assim o sabor
do morango. Depois de degustar aquela delícia, dei alguns passos e fui a um
sebo que eu gosto muito. Resolvi separar duas obras que há tempos eu estava
namorando: Saint Genet de Jean Paul Sartre e Anjo decaído de Rui Castro. Esta
última obra refere-se a biografia de Nelson Rodrigues. Queria me deleitar com
as obras recém separadas, mas só poderia pegá-las no dia subsequente. Eu,
particularmente, tenho uma profunda satisfação em curtir livros antigos que já
foram lidos por alguém e que, hoje, se tornaram interessantes para mim.
Depois
da minha andança, vivenciei sequencialmente diversos outros atendimentos no
consultório. Um dos que mais me chamou a atenção referia-se ao movimento
inerente a todos nós, a saber, o de vivenciar os nossos desejos e construirmos
a nossa caminhada de uma maneira autônoma. É sempre muito especial quando
valorizamos quem nós de fato somos. Não são as pessoas que têm que determinar
como nós devemos viver a nossa vida, mas nós mesmos. Somos pintados com uma
série de tintas pelas pessoas que passam em nossa vida, mas há um momento
derradeiro em que precisamos descascar as nossas tintas para nos descobrirmos
como realmente nós somos. Terminada todas as sessões, tive a oportunidade de
refletir um pouco mais sobre a maravilhosa dimensão do amor. Carrego, tatuado
em meu braço esquerdo, uma frase que assim diz: Faça o Amor Acontecer, porque
eu entendo que o amor é o acontecimento fundamental que nos direciona à vida
plena e à vida abundante. Na sequência de minhas atividades, tive a oportunidade
de amparar pessoas que necessitavam do apoio, do acompanhamento, da vivência,
da amizade, do carinho, da atenção e do cuidado, coisas tão essenciais para a
vida de todos nós.
Depois
de tudo viver, rumei para a minha casa. Comprei pão e mortadela para me
deliciar e também refastelar a alegria da minha filha. Depois, tive que ir ao
encontro da uma pessoa na mesma hora em que caiu uma copiosa chuva. Quando a
chuva se transformou em uma fina neblina, eu vi se formar um lindo arco-íris. Celebrei-o
como sendo o sinal de uma nova aliança que se faz e que se refaz no coração de
todos nós, seres humanos.
Ao
final do dia tive a oportunidade de celebrar a presença de um amigo em minha
casa. Nós fomos companheiros no programa de Mestrado da Universidade Federal de
Juiz de Fora e, nessa estrutura, nutrimos um grande apreço e um grande respeito
um pelo outro. Celebramos a nossa amizade com prosa da boa, contações de
histórias, engajamentos políticos e sociais, boa comida e cerveja bem gelada.
Ele tocou algumas músicas e declamou as suas poesias, todas autorais, eivadas
daquele jeito do cerrado brasileiro. Depois da meia noite, nos despedimos. Deia
ele um livro que eu havia produzido: Reencantamentos da graça em uma favela
carioca, de autoria do querido e saudoso Zwinglio Mota Dias. Nos aproximamos do
seu carro. Verificamos o nível do óleo. Estava tudo certo. Finalmente, depois
de algumas confidências peculiares à nossa amistosa intimidade, dei-lhe um
afetuoso abraço e dissemos, um ao outro, um “até breve”. O arco-íris
esmaeceu-se, mas a amizade, as amizades, os desafios clínicos jamais...