segunda-feira, 29 de maio de 2023

DIA 22 - Carta aberta aos amigos da EMPREA

 



Em 2021, quando estávamos vivendo a crise pandêmica da Covid-19, tive o privilégio de ser contratado pela Escola Municipal Professor Renato Eloy de Andrade, para ministrar a disciplina de Ensino Religioso para os adolescentes dos 6º ao 9º anos. Para muitos, uma tarefa simples a ser exercida sem maiores esforços. Para mim, um desafio cheio de possibilidades, afinal de contas, para quem havia feito especialização, mestrado e doutorado na área de Ciência da Religião, traduzir todos os prolegômenos das religiões para os adolescentes se consistiria em uma nova experiência vivencial.

Eu sei que a simples expressão Ensino Religioso sugere aspectos intrínsecos às Igrejas e agremiações religiosas. Como pode uma escola sendo instituição laica, marcada pela ideia de ensinar matemática, português, ciências, geografia e história, dar-se ao luxo de proporcionar um estudo sobre as religiões? Como se sabe, é notória a postura de se colocar esta disciplina em um segundo plano, mas acho isso bastante oportuno. Nem tudo o que aparece na primeira prateleira possui um maior valor. Todas as disciplinas provocam boas conduções aos valores presentes na vida. De minha parte, afeito aos estudos e afoito pela partilha das convivências religiosas, desejava ardentemente o contato com as experiências múltiplas dos estudantes para um amplo e amistoso debate conjunto. Em vão. Com a declaração da ONU quanto ao perigo da pandemia, formos orientados ao afastamento social e às vivências remotas. Em nosso caso, na EMPREA, construímos apostilas de trabalho para a continuidade do ensino junto aos adolescentes.

Esmerei-me na tarefa de escrever os textos com base nas orientações do MEC, do FONAPER e das diretrizes educacionais sobre o Ensino Religioso, tal como apontadas pelo estado de Minas Gerais. Escrevi, assim, oito textos, dois para cada bimestre, considerando histórias, memórias, ritos e símbolos das religiões das matrizes indígenas, africanas e europeias, dando valor a todas elas. Aproveitei para sistematizar tais assuntos com as polêmicas mais atualizadas, propondo exemplos simples e atividades reflexivas. Infelizmente, os retornos das apostilas revelaram o pouco interesse dos adolescentes. Somente alguns respondiam ou interagiam, mas eu entendia que tudo aquilo fazia parte de um processo novo que requeria muitas adaptações e ajustes.

Quando as aproximações começaram a se estabelecer, mediante a observação de dezenas de protocolos como o uso de máscaras e álcool gel, demos início em meados de setembro aos processos híbridos e encontros nas salas de aulas. Foi neste período que tive contato com os professores e as professoras, bem como os funcionários e adolescentes. Tudo era novo e estranho. Então, começaram a surgir novas amizades. Primeiramente, com o Fernando, depois com a Cassandra, a Raquel, o Daniel, o Emerson, o Eduardo, a Geruza, a Rosane, a Vera, a Andréa, o Thiago, o Bruno, a Alice, a Jussara, entre outros. Depois, as aproximações fortuitas com os adolescentes. Os estudantes do 6º ano eram pinga-fogo e se reuniam em uma sala pequena com mais de 40 adolescentes que pularam do 3º ano para o 6º sem os devidos processos de aprendizado, cognição e educação. Os adolescentes do 7º e do 8º anos se encontravam bem desinteressados. Os do 9º ano eram poucos, especialmente meninas, mas demonstravam uma ânsia por novas abordagens. Caminhamos em nosso processo educacional como deu. Tudo ocorreu em conformidade.

No último dia do ano, antes do período de recesso, com o SisLame – ferramenta responsável pela gestão escolar – preenchido, fomos para o Rei do Lambari para realizarmos uma hora feliz. Almoçamos, bebemos e jogamos conversa fora, não necessariamente nessa ordem. Foi muito bom o tempo de convivência. Ao final, o Emerson me presenteou com uma garrafa de cachaça da boa. Degustei-a, posteriormente, em celebração à nova amizade.

As festividades do final de ano aconteceram. Depois vieram as férias e, após estas, o início do novo ciclo de estudos. Confesso que eu estava empolgado para montar diversos projetos com os estudantes. A vontade de apresentar todos os pormenores das religiões, conjugando-os aos elementos de cada cultura me davam certo vigor. Todavia, uma coisa é o que se projeta na cabeça, outra, bem diferente, é a realidade do chão vivencial escolar. As demandas pessoais que cada um dos adolescentes trazia para a sala de aula entravam em ebulição nas convivências e dificultavam as formas de convívio que envolve a relação entre o corpo docente e o corpo discente. Acresce-se a essa percepção, a perspectivas dos elementos desafiantes que compõem os processos educacionais na atualidade. É o caso, por exemplo, da ebulição dos meios de comunicação e a facilidade que cada adolescente possui em buscar o seu autoconhecimento na palma da mão, mediante seus aparelhos Smartphone. Infelizmente, o modelo que ainda vigora é oriundo do século XVIII, com sua lousa e giz à base de cal. Em um mundo altamente tecnológico, a condição à qual o professor ou a professora se encontram é arcaico. Mas não vamos problematizar o que já é bem problematizado.

O que importa para mim, então? A gratidão e a certeza de que cumpri o meu papel enquanto professor na EMPREA. Em nada perfeito, mas engajado dentro daquilo que me foi possível oferecer continuamente aos adolescentes.

Desligo-me da EMPREA por conta das leis administrativas que regem os processos educacionais no estado de Minas Gerais. Eu as entendo e acolho pacificamente o entendimento e as interpretações que se dão de forma muito sóbria. Para a resolução desse problema, eu precisaria fazer uma licenciatura, pois tenho dois bacharelados, mas confesso o meu cansaço para me formar em mais uma faculdade.

Sendo assim, despeço-me desejando vivamente que os adolescentes da EMPREA não deixem seus sonhos escorrerem entre as mãos. Eu sempre acreditei no potencial de cada um deles, sabedor de que é através do conhecimento de mundo que podemos alçar novas possibilidades em nossas vidas. A despeito da situação socioeconômica de cada estudante, em seus respectivos nichos familiares, os corredores educacionais são aqueles que podem gerar mais vida na vida, mudança de status quo, ou diversos encantamentos em prol de uma formação mais efetiva nos campos do saber.

Os processos educacionais são complexos e como nos disse Paulo Freire em seu livro O Educador da Liberdade: “Eu sou um intelectual que não tem medo de ser amoroso. Amo as gentes e amo o mundo. E é porque amo as pessoas e amo o mundo que eu brigo para que a justiça social se implante antes da caridade”. E foi com o amor aos colegas e estudantes que me senti um fazedor da justiça social, tudo dentro das possibilidades que estavam em minhas mãos.

Enfim, que o amor ao trabalho e à vida continue a nos motivar em toda a demanda dos nossos dias. Esperancemos, pois é o que nos resta na lida dos dias.

Afetuoso abraço a cada um amigo.

   

 

 

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