Era sexta!
Enquanto eu rumava para o consultório, por
voltas das 7h da manhã, com a finalidade de atender aos meus clientes na
clínica psicoterápica, vi o amor acontecer em dois de seus paradoxos. Talvez, a
agonia extravagante do meu olhar fugidio, manifesto em segundos, se dê através
dessa minha mania de mergulhar nas profundas emoções humanas,
interpretando-as nas horas mais inusitadas dos dias.
Vi dois abraços e dois beijos. Entretanto, as
emoções que tocavam o peito daquelas quatro pessoas, fazendo arder os quatro
corações, eram bem diferentes. No primeiro dos abraços, havia romance e olhares
apaixonados. O rapaz alto, com um capacete na mão e ao lado de sua moto, uma
CG-125, possivelmente um motoboy se preparando para os seus "corres",
olhava apaixonadamente a amada uniformizada para o duro dia de trabalho junto a
ASCOMCER - um hospital de referência para o tratamento de câncer localizado na
cidade de Juiz de Fora - MG. Ele e ela se despediam com dúzias de beijinhos. O
sol invadia os globos oculares de cada um dos amantes e os faziam brilhar como
cristais. Os beijos se intercalavam aos abraços cheios de intensidades. O amor
estava no ar frio daquela manhã preguiçosa e cheia de expectativa, afinal de
contas era sexta, e sexta é dia de happy hour. Cervejas geladas aguardavam
aqueles e aquelas que almejam um tempo para o relaxamento acompanhado de
conversa fiada e risadas; e mais cervejas; e umas tiras de torresmo bem
sequinhas. Efêmeros eternos.
Entretanto, na vida, nem tudo são bares com
cervejas, tampouco flores. Pessoa alguma vive em mar de rosas, se é que se pode
falar dele. Aliás, são parcas as flores perfumadas que insistem em sobreviver
nos jardins da existência. Perdidas estão nos oceanos atmosféricos da lida. São
dispersas aos bentos ventos.
Foi então que vi o outro abraço...
Era triste! Era muito triste! Era um abraço
doído com rostos pranteados, daqueles cheios de lágrimas quentes.
Era abraço eivado de consolação. Pareciam-me dois irmãos
buscando forças diante do luto. Tenho por mim, talvez de forma tímida, tratarem-se
de dois entes marcados pela intimidade e a proximidade. Ela, de coque com
alguns grampos, olhar cansado com olheiras arroxeadas, apertava as costas do
irmão, igualmente condoído. Sua camisa de malha simples e a calça estilo
legging revelavam a típica roupa confortável para uma madrugada de desconforto.
Ele dormiu em casa, não tão menos agoniado. Quem dorme
confortavelmente, tendo em mente a figura moribunda de um ente querido da
família, internado devido a um tratamento se câncer? À frente do supracitado
hospital, o choro dolorido só poderia indicar o passamento de um ente querido
da família, talvez a mãe. Não é nada simples receber a notícia de que alguém
que fazia parte da rotina de uma casa, mediada por tantos símbolos e
fotografias penduradas na parede, se perceba tranquila frente ao
infortúnio destino de todos os seres viventes: a morte. Embora saibamos que a
morte faz parte da vida, jamais poderemos nos acostumar com as demandas que a
envolvem e as suas decorrentes aflições.
A certeza que temos, de que somos passageiros nesse mísero e
encantador planeta nos coloca, inevitavelmente, diante dos paradoxos do amor,
evidenciando aquilo de lindo e aquilo de assombro que justamente, à sombra de
uma árvore qualquer, acolhe ao mesmo tempo os olhos estatelados pelo amor ou
pela dor.
Somos dores e amores, desconsertos e alegrias que se espraiam
no chão insólito da existência. Diante daquilo que agride, a vontade é sempre
aquela de pular do penhasco para mergulhar profundo no mar aberto, de águas geladas
e salgadas. É preciso arrepiar o corpo para se viver o que se quer ou se
pretende viver. Abraçar a morte como uma amiga e sorver o vinho e seus taninos
amadeirados, oriundo daquele valho barril de carvalho, olhando o horizonte e
suas nebulosas.
Os pensamentos são extremamente rápidos e o
corpo e seus sentidos não o acompanham. Vi as duas cenas da vida, os paradoxos
do amor e, investido de um sentimento de pura humilhação humana diante da
pequenez do universo, percepcionei a grandiosidade do humano que habita o
humano.
Preciso acelerar o carro. O dia requer de mim a dedicação. As
pessoas que celebram as suas aventuras psicoterápicas esperam pela minha
companhia naquele lugar onde emoções musas desfilam nuas nas artérias rasgadas
da consciência bifurcada pelos beijos e abraços, os abraços apertados e os
afetos que acontecem. O amor sempre acontece...