Eu acredito no princípio ativo da
espontaneidade como uma vacina contra toda e qualquer forma de automação do ser
humano. Embora sejamos livres para vivermos as nossas experiências e tomarmos
as nossas decisões, todos os dias somos convidados a robotizarmos as nossas
ações dentro dos contextos sociais aonde vivemos os mais diversos processos. A
perspectiva da automação parece ser uma convidativa porta aberta em nossa vida
pessoal conduzindo-nos ao abraço à rotina.
Desde a dinâmica família até a estrutura do
ambiente de trabalho a rotina se manifesta como companheira, marcando-nos pela
mesma repetição das atividades corriqueiras. São poucas as vezes em que temos a
oportunidade de recriar as nossas próprias ações e viver coisas que fazem um
novo sentido em nossa dinâmica existencial.
O Grande Mestre da espontaneidade, a meu ver, é
o médico romeno Jacob Levi Moreno. Ele é o pai do Psicodrama, que se
caracteriza por uma abordagem psíquica baseada no teatro espontâneo. Ao criar o
Psicodrama, Moreno enfatizou as profundas dinâmicas subjetivas e coletivas que
envolvem a espontaneidade e a criatividade, elementos fundamentais para a
vivência humana, favorecendo a projeção humana para uma nova realidade de
bem-estar.
É importante situar que o conceito de espontaneidade em
Moreno tem a ver com a questão da adequação. Pessoa alguma pode ser espontânea
e sem limites. Toda liberdade precisa ser equilibrada pelos limites. Assim,
toda e qualquer atitude marcada pela espontaneidade precisa considerar os
parâmetros dessa ação.
Todavia, como somos seres limitados pela nossa
corporeidade, pelo tempo e pelo espaço, a criatividade se atrela à
espontaneidade para possibilitar atitudes extremamente novas diante de
contextos que parecem bem resolvidos. Não precisamos deslindar as nossas vidas
em ações deslocadas de uma realidade vivencial, mas podemos evidenciar uma
série de cenas e ações psíquicas que possibilitem a contemplação de
outros mundos mais coerentes com as nossas expectativas.
Curiosamente, enquanto escrevo este texto, recebo a notícia
de que hoje se completam 15 anos do desaparecimento do padre Adelir de Carli. O
referido padre ficou conhecido por voar com 1000 balões, cheios de gás hélio,
do Paraná até o Mato Grosso do Sul. Ele queria arrecadar uma quantia de
dinheiro para construir um hotel para abrigar os caminhoneiros na região do
Paranaguá, no litoral do Paraná.
Infelizmente, apesar de toda a sua experiência
com voos e saltos de paraquedas, o referido padre acabou enfrentando uma
tempestade tropical, vindo a desaparecer no mar, sendo encontrado somente
sete meses depois no litoral do Estado do Rio de Janeiro.
Certamente ele vai ficar registrado na memória
de todo e qualquer brasileiro que teve a oportunidade de conhecer a sua
história. Hoje, passados quinze anos, ele é relembrado como o “padre do balão”.
O seu ato certamente foi um ato espontâneo e criativo. Ele ousou fazer o voo
por conta dos conhecimentos adquiridos ao longo da vida. Quis arrecadar
dinheiro de uma forma inusitada, mas a situação saiu do controle. Seu legado
continua entre nós.
Não vou entrar no mérito quanto a decisões
certas ou erradas tomadas por ele. Não cabe a qualquer um de nós um julgamento.
Ele fez o que acreditava e isso é o que importa.
Mas passo a refletir com os meus botões: Será
que em nossos cotidianos não precisamos também fazer os nossos voos inusitados
com balões? Obviamente, não precisamos ir às últimas consequências, vindo
a enfrentar situações intempestivas, mas criarmos possibilidades novas
que nos afugentem daquilo que é tão concreto, tão cartesiano, tão lógico e tão
matemático.
Enfim, eu acho que podemos acreditar um pouquinho mais em nós
mesmos em nossas potencialidades pessoais. Indicarmos a nós mesmos os nossos
limites com a finalidade de alcançarmos novos tônus vitais em nossa dinâmica
existencial, afinal de contas, como sempre gosto de refletir, a aventura da
vida é inédita e precisamos experimentar coisas novas todos os dias, de
preferência.