sexta-feira, 12 de maio de 2023

DIA 19 - Que tipo de pássaro eu sou?

 


Nunca neguei o meu apreço pelo teólogo, escritor, educador e psicanalista Rubem Alves. Muito do seu pensamento é corroborado por mim nos dias atuais. Hoje, trago para a minha narrativa uma das suas frases mais pertinentes: “Pássaros engaiolados pensam em gaiolas. Pássaros livres pensam no azul infinito. Eu e os pássaros temos sonhos comuns. Sonhamos com voo e com a imensidão do céu azul”.

Às vezes, paro para refletir sobre que tipo de pássaro eu sou? O engaiolado ou o livre? Todavia, será que faz diferença para mim essa pergunta? Talvez eu só possa ser livre por intermédio dos meus objetos oníricos ou mesmo das poesias que me encantam a alma, fruto das minhas observações pelas trilhas deste mundão de meu Deus. De fato, dou muita importância às observações e ao olhar. Através delas, eu aprendo sobre a vida e, consequentemente, apreendo novas experiências. O olhar possui o poder de captar o que está à volta, oferecendo um primeiro sentido para a vida no mundo. Ao mesmo tempo, ele se assemelha a uma janela aberta com uma vista para o conhecimento do universo interior em cada pessoa. O olhar permite o voo dos pássaros nas imensidões dos obscuros humanos.

O cotidiano de todos nós está marcado pelos olhares. Inclusive, quando se olha para o passado ou para o futuro, a íris se abrilhanta, buscando as novas referências que podem ajudar cada pessoa em sua organização pessoal no tempo presente, suas belezas e seus encantamentos. Cada um de nós tem uma forma de observar as contingências do cotidiano por um ponto de vista. Aliás, o pensador Leonardo Boff, disse certa feita que: “Todo ponto de vista é apenas a vista de um ponto”. Com essa frase em meu horizonte, entendo que cada pessoa em sua singularidade tem a oportunidade de se ver e de ser vista de uma maneira muito singular e especial, respeitada em suas convicções, desde que estas não sejam geradoras de constrangimentos ou preconceitos.

A pertinência em se pensar os pontos de vistas reside no entendimento de que todas as pessoas são processos e movimentos que se qualificam na ética do andarilho, indicada por Umberto Galimberti em seu livro Rastros do Sagrado. Em processos e movimentos que se dão nos passos da caminhada de um andarilho, não se pode prescindir os sonhos.

Nisso tudo, resulta o sempre vivo desafio de se possibilitar o encontro com um sentido para a vida. Que isso seja feito e refeito mediante o protagonismo na história, a unicidade de ser dentro das singularidades, das formas de ser, de pensar e de agir.

Tudo isso envolve, também, a percepção contínua da identidade na complexidade da corporeidade que abraça a dimensão do cuidado e da afetividade. Em nossa concepção, isso de dá de três maneiras distintas e complementares. A primeira refere-se às percepções e compreensões de si mesmo, num contínuo diálogo com o eu interior em busca de autoconhecimento. A segunda objetiva o entendimento da relação que envolve o eu e outro, num processo de intersubjetividade. Nessa perspectiva, as questões ligadas diretamente ao convívio com o outro, as relações interpessoais, a tolerância, a empatia, o respeito e a dignidade se entrelaçam trazendo novos significados para a vivência humana. A última refere-se ao encontro com o mundo, ou seja, com os desafios e complexidades que são encontradas no cotidiano vivencial de cada um por conta dos sistemas, acasos e infortúnios que abalam o ser certo de si. Trata-se das muitas vivências que provocam encontros e desencontros diversos.

Obviamente, as relações reais embotam o cotidiano em seus múltiplos desdobramentos, confrontando o eu pessoal. É preciso voar e sonhar com outras possibilidades, voar o voo dos pássaros destemidos, a fim de se possibilitar a afirmação de si mesmo, um novo olhar sobre a intersubjetividade que favoreça o processo de conhecimento com vias ao futuro, que já bate à porta.

Portanto, é preciso se afirmar na condição de um ser autônomo, dotado de fraternura e criativiver (Hugo Assmann). Seres fraternos, ternos, criativos e vivos que voam como os pássaros e que olham e observam o mundo lá do alto, capazes de protagonizar a sua própria história sem as agonias decorrentes das críticas sofridas por outrem, mas livres para ser quem são. A gaiola está aberta, e já não é hora de sonhar. É a hora de voar e conquistar o mundo...

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