Nunca neguei o meu apreço pelo
teólogo, escritor, educador e psicanalista Rubem Alves. Muito do seu pensamento
é corroborado por mim nos dias atuais. Hoje, trago para a minha narrativa uma
das suas frases mais pertinentes: “Pássaros engaiolados pensam em gaiolas.
Pássaros livres pensam no azul infinito. Eu e os pássaros temos sonhos comuns.
Sonhamos com voo e com a imensidão do céu azul”.
Às vezes, paro para refletir sobre
que tipo de pássaro eu sou? O engaiolado ou o livre? Todavia, será que faz
diferença para mim essa pergunta? Talvez eu só possa ser livre por intermédio
dos meus objetos oníricos ou mesmo das poesias que me encantam a alma, fruto
das minhas observações pelas trilhas deste mundão de meu Deus. De fato, dou
muita importância às observações e ao olhar. Através delas, eu aprendo sobre a
vida e, consequentemente, apreendo novas experiências. O olhar possui o poder
de captar o que está à volta, oferecendo um primeiro sentido para a vida no
mundo. Ao mesmo tempo, ele se assemelha a uma janela aberta com uma vista para
o conhecimento do universo interior em cada pessoa. O olhar permite o voo dos
pássaros nas imensidões dos obscuros humanos.
O cotidiano de todos nós está marcado
pelos olhares. Inclusive, quando se olha para o passado ou para o futuro, a
íris se abrilhanta, buscando as novas referências que podem ajudar cada pessoa
em sua organização pessoal no tempo presente, suas belezas e seus encantamentos.
Cada um de nós tem uma forma de observar as contingências do cotidiano por um
ponto de vista. Aliás, o pensador Leonardo Boff, disse certa feita que: “Todo
ponto de vista é apenas a vista de um ponto”. Com essa frase em meu horizonte, entendo
que cada pessoa em sua singularidade tem a oportunidade de se ver e de ser
vista de uma maneira muito singular e especial, respeitada em suas convicções,
desde que estas não sejam geradoras de constrangimentos ou preconceitos.
A pertinência em se pensar os pontos
de vistas reside no entendimento de que todas as pessoas são processos e
movimentos que se qualificam na ética do andarilho, indicada por Umberto
Galimberti em seu livro Rastros do Sagrado. Em processos e movimentos que se
dão nos passos da caminhada de um andarilho, não se pode prescindir os sonhos.
Nisso tudo, resulta o sempre vivo desafio
de se possibilitar o encontro com um sentido para a vida. Que isso seja feito e
refeito mediante o protagonismo na história, a unicidade de ser dentro das singularidades,
das formas de ser, de pensar e de agir.
Tudo isso envolve, também, a
percepção contínua da identidade na complexidade da corporeidade que abraça a dimensão
do cuidado e da afetividade. Em nossa concepção, isso de dá de três maneiras
distintas e complementares. A primeira refere-se às percepções e compreensões
de si mesmo, num contínuo diálogo com o eu interior em busca de
autoconhecimento. A segunda objetiva o entendimento da relação que envolve o eu
e outro, num processo de intersubjetividade. Nessa perspectiva, as questões
ligadas diretamente ao convívio com o outro, as relações interpessoais, a
tolerância, a empatia, o respeito e a dignidade se entrelaçam trazendo novos
significados para a vivência humana. A última refere-se ao encontro com o mundo,
ou seja, com os desafios e complexidades que são encontradas no cotidiano
vivencial de cada um por conta dos sistemas, acasos e infortúnios que abalam o
ser certo de si. Trata-se das muitas vivências que provocam encontros e
desencontros diversos.
Obviamente, as relações reais embotam
o cotidiano em seus múltiplos desdobramentos, confrontando o eu pessoal. É
preciso voar e sonhar com outras possibilidades, voar o voo dos pássaros
destemidos, a fim de se possibilitar a afirmação de si mesmo, um novo olhar
sobre a intersubjetividade que favoreça o processo de conhecimento com vias ao
futuro, que já bate à porta.
Portanto, é preciso se afirmar na
condição de um ser autônomo, dotado de fraternura
e criativiver (Hugo Assmann). Seres
fraternos, ternos, criativos e vivos que voam como os pássaros e que olham e
observam o mundo lá do alto, capazes de protagonizar a sua própria história sem
as agonias decorrentes das críticas sofridas por outrem, mas livres para ser
quem são. A gaiola está aberta, e já não é hora de sonhar. É a hora de voar e
conquistar o mundo...