sexta-feira, 6 de outubro de 2023

DIA 42 - "O mestre do jogo: Rubem Alves" e o jogo do mestre Damiano

 


O professor Gilberto Damiano lançou recentemente o seu livro “O mestre do jogo: Rubem Alves” (1986), publicado e distribuído  pela Editora Siano (www.editorasiano.com.br), resultado da sua Dissertação de Mestrado, marcada pela originalidade e por constar, historicamente, entre os primeiros escritos “acadêmicos” sobre o pensamento do teólogo, educador, cronista, contador de histórias e psicanalista Rubem Alves.

Desde que soube dos reflexos alvesianos presentes na obra escrita de Damiano, sempre me esforcei com o intuito de vê-la publicada. Assim como o mestre de Boa Esperança, Damiano extenua a questão da corporeidade em seus aspectos biológicos, linguísticos e desejantes, questionando a obviedade dos tecnicismos acadêmicos, desfraldando a beleza estética em sua primazia. Aliás, mais do que exercer a atividade esteta, Damiano brinca e joga continuamente com o seu mestre do jogo, num protagonismo invejável, trazendo à mesa outros coadjuvantes igualmente importantes para a confecção de sua teia narrativa.

Sempre tive um apreço pelo jogo e pelo aspecto lúdico. Estes são temas bem caros para mim. Ao longo dos meus 30 anos de reflexão sobre o aspecto lúdico, sempre me apeteceu ler questões inerentes, balizadas pelos filósofos Kierkegaard e Nietzsche em geral e Huizinga, em particular. Este último, por exemplo, expressa o seguinte em sua obra Homo Ludens:

“O jogo é uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras”.

 

Essa reconhecida assertiva de Huizinga indica, à priori, que, quando se joga, se joga pela vontade de prazer, num apreço profundo à espontaneidade e adequação de cada qual na dinâmica da vida. Não se pode excetuar o fato de que o aspecto lúdico abrange uma gama de emoções e sentimentos que tocam no mais profundo do ser. Assim, além de ser gerador de alegria, o aspecto lúdico e sua práxis, chamada de jogo, possibilitam a transcendência do corpo para dimensões ligadas às atividades do espírito.

O texto de Damiano é alegre e nos possibilita a transcendência e a liberdade de expressão do poder criador e recriador da própria vitalidade humana em sua harmonização existencial. Isso fica evidenciado nas suas provocações sobre uma educação ligada ao (im)programável viver em detrimento do mero pragmatismo eivado de obviedades cartesianas, presentes nas diversas matizes do processo educacional brasileiro. Na contramão das matizes, Damiano insiste em jogar o leitor, naturalmente, nos campos da criação, recriação, decisão, dinamização do mundo, domínio da realidade e humanização, relembrando aqui os movimentos propostos pelo educador Paulo Freire. Essa proposição lúdica se encontra na oposição das diversas instituições que tendem a limitar as ações humanas.

É inegável a capacidade de limitação que as instituições possuem na vida humana do nascimento à morte. Os seres humanos nascem e sobrevivem dentro de complexos institucionais, muitas vezes, aprisionando-se. No caso de almejarem a ruptura, descobrem-se em sofrimento. Não é fácil controlar o sofrimento decorrente de uma separação institucional. Rubem Alves, em seu livro: “Dogmatismo e Tolerância”, assim expressa:

“Uma instituição é um mecanismo social que programa o comportamento humano de forma especializada, de sorte que ele produz os objetos predeterminados pela instituição. Igrejas, exércitos, escolas, hospitais, manicômios, casamento – são todas instituições. Pode-se, na verdade, ver que todos eles: 1. Programam o comportamento. 2. Forçam o indivíduo a produzir comportamentos e “bens” segundo as receitas monopolizadas pela instituição”.

 

Apesar de fazer uma detecção precisa da programação institucional, Rubem nos incita à discussão sobre o conceito de liberdade ante a instituição. E bem sabemos que o conceito de liberdade é ambíguo. Todavia, é justamente à liberdade que Damiano nos convoca a todos, por intermédio dos jogos de linguagens, pontuações estéticas e a digressão e heterodoxia, num amplo movimento subversivo.

Seduzido pela rede de sentidos proposta pelas tricotagens alvesianas, Damiano espraia a sua sede de saber e provoca o leitor, convocando-o para se deitar nas profundidades hermenêuticas capazes de evocar novas relações com o mundo, que não sejam puramente dogmatizadas. Sua vontade é marcada pela sede de humanidade sensível, presente tanto em sua vida e prática docente, quanto em sua obra dialogal. Lendo o seu texto, sinto novamente o cheiro de Freire, quando diz:

“Nas relações que o homem estabelece com o mundo há, por isso mesmo, uma pluralidade na própria singularidade. E há também um traço de criticidade”.

 

E assim, desvela-se um pluriverso sem necessidades conclusivas, onde a alteridade é respeitada na harmonização de uma educação que seja vida e de uma vida que seja jogo, que se pretenda lúdica e lúcida. Essa jogatina não acontece do dia para a noite, mas na lida diária, sob a égide de um fazer amor.

Enfim, eu recomendo vivamente este livro do amigo Damiano, tendo a consciência clara de que seus saberes e sabores, mais do que determinar as regras de um possível jogo, possibilitam ao leitor o jogar-se na aventura da vida em meio aos processos educacionais, sem perjúrios ou danos, mas numa gostosa prosa com o mestre do jogo: Rubem Alves.

 

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