O
professor Gilberto Damiano lançou recentemente o seu livro “O mestre do jogo:
Rubem Alves” (1986), publicado e distribuído pela Editora Siano (www.editorasiano.com.br),
resultado da sua Dissertação de Mestrado, marcada pela originalidade e por
constar, historicamente, entre os primeiros escritos “acadêmicos” sobre o
pensamento do teólogo, educador, cronista, contador de histórias e psicanalista
Rubem Alves.
Desde
que soube dos reflexos alvesianos presentes na obra escrita de Damiano, sempre
me esforcei com o intuito de vê-la publicada. Assim como o mestre de Boa
Esperança, Damiano extenua a questão da corporeidade em seus aspectos
biológicos, linguísticos e desejantes, questionando a obviedade dos tecnicismos
acadêmicos, desfraldando a beleza estética em sua primazia. Aliás, mais do que
exercer a atividade esteta, Damiano brinca e joga continuamente com o seu
mestre do jogo, num protagonismo invejável, trazendo à mesa outros coadjuvantes
igualmente importantes para a confecção de sua teia narrativa.
Sempre
tive um apreço pelo jogo e pelo aspecto lúdico. Estes são temas bem caros para
mim. Ao longo dos meus 30 anos de reflexão sobre o aspecto lúdico, sempre me
apeteceu ler questões inerentes, balizadas pelos filósofos Kierkegaard e
Nietzsche em geral e Huizinga, em particular. Este último, por exemplo,
expressa o seguinte em sua obra Homo Ludens:
“O
jogo é uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a
qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e
temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras”.
Essa
reconhecida assertiva de Huizinga indica, à priori, que, quando se joga, se
joga pela vontade de prazer, num apreço profundo à espontaneidade e adequação
de cada qual na dinâmica da vida. Não se pode excetuar o fato de que o aspecto
lúdico abrange uma gama de emoções e sentimentos que tocam no mais profundo do
ser. Assim, além de ser gerador de alegria, o aspecto lúdico e sua práxis,
chamada de jogo, possibilitam a transcendência do corpo para dimensões ligadas
às atividades do espírito.
O
texto de Damiano é alegre e nos possibilita a transcendência e a liberdade de
expressão do poder criador e recriador da própria vitalidade humana em sua
harmonização existencial. Isso fica evidenciado nas suas provocações sobre uma
educação ligada ao (im)programável viver em detrimento do mero pragmatismo
eivado de obviedades cartesianas, presentes nas diversas matizes do processo
educacional brasileiro. Na contramão das matizes, Damiano insiste em jogar o
leitor, naturalmente, nos campos da criação, recriação, decisão, dinamização do
mundo, domínio da realidade e humanização, relembrando aqui os movimentos
propostos pelo educador Paulo Freire. Essa proposição lúdica se encontra na
oposição das diversas instituições que tendem a limitar as ações humanas.
É
inegável a capacidade de limitação que as instituições possuem na vida humana
do nascimento à morte. Os seres humanos nascem e sobrevivem dentro de complexos
institucionais, muitas vezes, aprisionando-se. No caso de almejarem a ruptura,
descobrem-se em sofrimento. Não é fácil controlar o sofrimento decorrente de
uma separação institucional. Rubem Alves, em seu livro: “Dogmatismo e
Tolerância”, assim expressa:
“Uma
instituição é um mecanismo social que programa o comportamento humano de forma
especializada, de sorte que ele produz os objetos predeterminados pela
instituição. Igrejas, exércitos, escolas, hospitais, manicômios, casamento –
são todas instituições. Pode-se, na verdade, ver que todos eles: 1. Programam o
comportamento. 2. Forçam o indivíduo a produzir comportamentos e “bens” segundo
as receitas monopolizadas pela instituição”.
Apesar
de fazer uma detecção precisa da programação institucional, Rubem nos incita à
discussão sobre o conceito de liberdade ante a instituição. E bem sabemos que o
conceito de liberdade é ambíguo. Todavia, é justamente à liberdade que Damiano
nos convoca a todos, por intermédio dos jogos de linguagens, pontuações
estéticas e a digressão e heterodoxia, num amplo movimento subversivo.
Seduzido
pela rede de sentidos proposta pelas tricotagens alvesianas, Damiano espraia a
sua sede de saber e provoca o leitor, convocando-o para se deitar nas
profundidades hermenêuticas capazes de evocar novas relações com o mundo, que
não sejam puramente dogmatizadas. Sua vontade é marcada pela sede de humanidade
sensível, presente tanto em sua vida e prática docente, quanto em sua obra
dialogal. Lendo o seu texto, sinto novamente o cheiro de Freire, quando diz:
“Nas
relações que o homem estabelece com o mundo há, por isso mesmo, uma pluralidade
na própria singularidade. E há também um traço de criticidade”.
E
assim, desvela-se um pluriverso sem necessidades conclusivas, onde a alteridade
é respeitada na harmonização de uma educação que seja vida e de uma vida que
seja jogo, que se pretenda lúdica e lúcida. Essa jogatina não acontece do dia
para a noite, mas na lida diária, sob a égide de um fazer amor.
Enfim,
eu recomendo vivamente este livro do amigo Damiano, tendo a consciência clara
de que seus saberes e sabores, mais do que determinar as regras de um possível
jogo, possibilitam ao leitor o jogar-se na aventura da vida em meio aos
processos educacionais, sem perjúrios ou danos, mas numa gostosa prosa com o
mestre do jogo: Rubem Alves.