Não há nenhuma relação intrínseca entre os ipês amarelos, os girassóis e o suicídio, mas curiosamente, em setembro, mês em que espocam as flores da citada árvore, anunciando a chegada da primavera, somos também convidados a pensar sobre as ideações e comportamentos suicidas, frutos dos múltiplos desesperos e depressões tão presentes e tão próximos a nós. Os ipês amarelos e suas flores tão brilhantes, em sua inerente experiência de “quase morte”, nos convidam também a pensar este aspecto que muito nos afronta, especialmente quando consideramos a vida e existência.
Segundo
informações que circulam na internet, o setembro amarelo surgiu de uma situação
trágica que atingiu uma determinada família nos EUA no ano de 1994. Conta-se
que o adolescente Michael Emme, de 17 anos, provocou a autodestruição ou
suicídio, dentro de um Mustang 1968, customizado e pintado por ele mesmo com a
cor amarelo brilhante. No dia do seu enterro, os pais distribuíram um pequeno
cartão com uma fita amarela afixada. No cartão estava escrita a seguinte
mensagem: “Se precisar, peça ajuda”. Nasceu ali, a Associação Yellow Ribbon –
Fita Amarela, que passou a conscientizar as pessoas quanto aos cuidados
necessários, especialmente frente aos transtornos, síndromes e depressões. No
Brasil, pessoas que possuem ideações ou comportamentos suicidas podem fazer contato
com o Centro de Valorização da Vida, pelo telefone 188. Este centro fica
disponível em rede pelo período de 24 horas.
Pensando nas contigências que nos acompanham, cabe-me respaldar as minhas argumentações com a ideia de que não podemos negar o fato de que estamos expostos à múltiplas fragilidades. Somos humanos e não super-heróis. Temos as nossas debilidades e precisamos cuidar de cada uma delas de uma maneira única e atenciosa.
Ao
mesmo tempo, precisamos destacar a realidade intrínseca à nossa provisoriedade existencial.
Não há pessoa alguma que possa se considerar plena e eterna. Todos nós,
querendo ou não, somos provisórios como as flores dos ipês amarelos. Em relação
ao todo do universo, a existência de cada um de nós é uma espécie de bolha de
sabão – que cresce ao sopro e flutua brilhante, vindo a estourar efemeramente.
Ademais, vivemos a vida em sua complexidade e, muitas vezes, somos aturdidos
por uma série de demandas que nos agridem. Um dia, todos nós vamos morrer.
Alguns, infelizmente, não suportam a sua existência atual e resolvem finalizar
as suas trajetórias, mediante uma interferência intensificada marcada pela
autodestruição. Somos todos como flores que murcham e caem. O cuidado que temos
para com as pessoas não pode ficar restrito somente ao mês de setembro.
É
fundamental ressignificarmos nossas trajetórias, reconhecendo as nossas
efemeridades, impermanências e fragilidades emocionais, cientes das complexidades
afetam a cada um nós. Absurda é a vida em sua inteireza e em suas fatalidades.
Absurda é a existência que insiste em ser quando não há possibilidades para
ser. Absurda é a finalização da existência, num último ato chamado
convencionalmente de morte. Embora a morte seja a presença mais viva e
insistente a visitar o cotidiano, não podemos perder de vistas o fato de que
somos especiais dentro do cosmos e, talvez por esse motivo, compreendamos a
morte com mais tragicidade e angústia.
As
coisas acontecem com todos os seres vivos, muitas delas, sem as mínimas
explicações. Diante do fatídico momento em que o facão amolado ceifa o caule,
fazendo jorrar a seiva, a garganta resseca, a lágrima é vertida e a saudade – vontade
de estar perto, se longe, e mais perto se perto, é violentada pelo acaso, pelo
infortúnio, pelo que pessoa alguma espera.
O
cotidiano se rompe, desfazendo tudo o que é concreto. O perfume das flores
deslocadas dos seus galhos, fincadas na água de um jarro, dá lugar a um odor fétido.
O belo deixa o palco, abrindo as cortinas para o horrendo. Todas as cores e
poesias ficam opacas e sem brilho. Faltam luzes e os pássaros cessam os seus
cantos e encantos. Tudo fica desinteressante, mesmo o sorriso da criança não
provoca o encantamento. O sopro da vida é tão passageiro quanto fugaz, e as
ondas da ressaca inundam o arquipélago do contentamento. Tudo se esvai, como
águas nas conchas das mãos. Os por quês continuam a insistir pelas respostas.
Elas se recusam a sair dos claustros profundos das cavernas pluviais.
Instaura-se um vazio cheio de palavras silenciadas que jamais serão
pronunciadas, pois no fundo de toda alma aterrada pelo infortúnio, não há o que
dizer.
Por
isso, em horas de infortúnio, recorremos à sabedoria dinamizada do momento
vivencial, mesmo em meio a dores lancinantes. Não há canções, poesias e preces
suficientes que possam ajudar nessas horas. Continuamente, somos convocados a
abraçar quem precisa ser abraçado, a chorar as dores das dores, sem julgamentos,
a contemplar os ipês amarelos que espocam em amores e a olhar a lua cheia. Ela insiste
em brilhar entre as nuvens densas e turvas. Em setembro, amarelo ou cinzento ou
mesmo em qualquer ano, mês ou dia, havemos de recorrer a um mínimo vestígio de
esperança...