quinta-feira, 30 de novembro de 2023

DIA 51 - O bufão nosso de cada dia

 


Na chamada e reconhecida Idade Média, a figura do bufão se evidenciava nos palácios e se caracterizava como uma representação alusiva ao contrário da realidade aparentemente revelada. De fato, o bufão era uma figura marginal cuja fala era destoante e, ao mesmo tempo, proibida e ouvida por todas as pessoas próximas. Encontrava-se sempre na oposição do que era assimilável socialmente.

Geralmente, o bufão possuía uma deformidade física ou era uma pessoa com nanismo. A deformidade física era percebida como uma espécie de afronta ao comum ou ao relativamente comum. Além disso, estava sempre vestido de uma forma não usual para chamar, ainda mais, a atenção das gentes. Segundo a Escola de Teatro de São Paulo, o termo bufão se refere a:

 

Uma figura dramática marginalizada da idade média, uma espécie de palhaço caracterizado entre o grotesco e o charme; era utilizado para se referir a pessoas muito feias ou com algum tipo de deformidade. Os bufões zombavam das pessoas consideradas “bonitas” e também criticavam os setores dominantes da sociedade, tais como o Governo, a Igreja e a burguesia. Típico da dramaturgia cômica, o arquétipo concentra em si a manifestação exagerada dos sentidos humanos. O bufão também é popularmente conhecido como o ‘bobo da corte’ ou o ‘arlequim’’’. Transgressor das regras sociais, ele utiliza muito do desprezo, ironia e da desinibição em suas representações. (Disponível em: https://www.spescoladeteatro.org.br/noticia/o-que-e-bufao).

 

Ora, é factível pensar que todas as pessoas possuem um lado arquetípico bufônico em suas vidas, uma personalidade distinta das que são naturalmente percebidas pelos outros na complexidade do tecido social. Aliás, todas as vezes que nos surgem sentimentos os mais diversos, principalmente os marcados pela “loucura” ou por desvios que se estabelecem sem as máscaras, sem as fantasias ou sem nenhum tipo de aprisionamento, o bufão se evidencia desfraldando a realidade de sua persona mais autêntica e mais interiorizada. O lado bufônico de cada um de nós revela a livre expressão do ser e a ausência da mínima possibilidade de se querer fazer média com qualquer pessoa que seja. Ao mesmo tempo, não se afina com a manutenção dos poderes desta ou daquela autoridade. Ao contrário, ri e gargalha do poder.

Na dinâmica do amor como um acontecimento, a presentificação do bufão que há em cada um de nós concebe a realidade que se dispõe diante dos olhares através de formas (i)lógicas e despudoradas. O bufão em seu espaço de espontaneidade inadequada, eivado de liberdade na dimensão do amor, pode dizer muitas coisas e apresentar possibilidades e situações outras que chocam e subvertem as realidades que se encontram cristalizadas.

Eu entendo que pessoa alguma deve aprisionar o seu bufão interior, especialmente se existem nos horizontes utópicos emocionais a possibilidade da manifestação do acontecimento amor. Aliás, a estrutura existencial de cada pessoa não pode prescindir a manifestação bufônica. A lida diária e todos os seus inconvenientes requer uma boa dose de comicidade e bom humor, especialmente na dinâmica relacional, quando o cotidiano é embotado e a vida fica embrutecida, desembocando no desequilíbrio das relações que envolvem as palavras e os gestos. Nas dinâmicas internalizadas, pode-se considerar o entendimento das regras, mas, também, a abertura para a manifestação do sempre estranho habitante de outro mundo que vive em cada um de nós, aquele capaz de desorganizar a vida relacional, dando-lhe novo sabor.

Mais do que sentimentos, o amor, ou o que se pode entender dele, refere-se a múltiplas atitudes que ocorrem entre duas pessoas ou mais. É um acontecimento que extrapola as relações sociais. No fundo, o que pensamos ser o amor é o nome que a gente dá a um monte de coisas que a gente sente ou fala e não entende. Existe coisa mais bufônica do que esta?

Essa perspectiva pode favorecer o convite a que cada pessoa se abra à propensa discussão internalizada sobre o significado do desejo e do prazer na corporeidade. Ao amar, o amador ou amante não pensa em outra coisa a não ser em seu próprio bem-estar, seu estado de satisfação. Essa coisa assimilada pelas pessoas de que o amor é uma entrega ou um cuidado é pura balela. Se assim entendemos, nos depararemos com a fragilidade que é existir e viver o amor em suas múltiplas formas, configurações e manifestações. E está tudo bem, dentro dos conformes.

Essa característica camaleônica das emoções e dos sentimentos em cada um de nós se encontra diretamente coligada às relações afetivas e, mais do que isso, à autêntica expressão do amor que encontra maior e mais significativa expressividade em sua manifestação bufônica. A pessoa que vive expressando o amor não pode prescindir uma boa dose de “loucura”. Como diria Nietzsche: “Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura”.

Portanto, acho que todas as pessoas deveriam se permitir mais a alegrai e a posse de coisas leves, sem a tônica da cobrança, sem o receio do desajuste ou o medo de passar vergonha. Anula-se o melhor da vida quando se provoca o aviltamento das possibilidades do ideal de liberdade ou então, quando se perde a precisa intensão de se querer viver como quer, dentro das múltiplas possibilidades ofertadas pela vida. É preciso um pouco mais de desordem ao caos que imaginamos ou vivemos. Nada de valorizar a seriedade e a severidade da vida. Abraçar a comicidade inusitada é o que abre o amor em diversos paralelos desconexos. O bufão nosso de cada dia precisa quebrar o nosso cotidiano e oferecer outra lógica que não seja tão pesada a nós, mesmo que seja brega e cafona.

 

 

domingo, 26 de novembro de 2023

DIA 50 - Delírios de alguém que não deu certo... Ou será que...

 


A vida não obedece a planos. Então, pra quê fazer planos? Que a minha sina me mantenha andarilho, vivendo metamorfoses contínuas.

Ando sem paciência para me sentir lapidado por qualquer ferramenta afiada, oriunda de qualquer ourives. Quero o meu estado bruto, que como fruto maduro e viscoso, é acolhido e comido sem bestagens, a boca toda lambuzada. De pecado se lambuza a minha alma, sombra andaluz sem cheiro e sem curvas que acaba me seduzindo.

Mergulho em lagos profundos cheios de olhos estranhos para me estranhar num corpo que se pretende livre. Quero poder respirar, e sem pirar, aspirar o intenso perfume em minhas narinas dilatadas. Preciso me perder para me jogar em jorro puro de te(n)são definida. Que me acolha e me recolha o puro lago de águas plácidas.

Enquanto o sino da catedral bate, reflito o amor cuja crença me desacredita. Vejo o instante da dor e a dor do instante, sangria que escorre no rito. Subo o monte com uma vela acesa, para rever toda uma vida afetada. Almejo cuidar das minhas tardes e manhãs, enquanto a vigília na noite e da madrugada me atiçam a imaginação e escondem o meu sono. Já não quero viver a metade da metade, pois detestaria reviver o meu refém reprimido.

De asas abertas, como anjo ou demônio, lanço-me ao abismo sem caminho do carinho. Talvez, devotar os meus afetos bem vivos sem expor a dor da existência. Nem sempre insisto, às vezes resisto. Gosto do simples do dia.

Não quero o amor de Romeu,

tampouco a paixão de Julieta.

Ela morreu de amor.

Ele a seguiu, cegueta. Minha constatação é racional, pois a morte é e sempre será a minha conselheira.

Não nutro apelos quanto ao mal, quero o toque real e sensível de qualquer maneira, aquela que me auxilie a encontrar os fragmentos da minha solidão insólita.

Vivi em Paris os momentos de uma brisa fria, melancólica. Sozinho, vivência desértica e cheia de luz. Já não falo de paixão ou amor, minha homeostase é eclética. Às vezes, sinto-me em horror de bicho. Emboto-me, bem desconstruído num fatídico caminho de pedras pontiagudas. Disfarço, afugento o labor moído e rabisco o meu velho pergaminho de papiro. Aproximo-me de pessoas que me encantam para rebuscar as explosões de vida, das inteligências pensantes e pulsantes que emanam das íris dos que tem gosto de vinho licoroso na boca. Meus olhares fazem figa. Querem os belos momentos vividos em outros tempos. Perdi os lamentos e não choro lágrimas.

Há linhas na palma de minha mão e elas não querem dizer coisa alguma. Ainda desejo viver pra cuidar dos meus sintomas. Tomo o cuidado para não esconder os meus monstros grandes, fortes e cafonas. Ainda ouço o meu pai me dizer que um homem tem que arcar com as suas calças. Isso ecoa em minha mente diuturnamente.

À noite, a poeira se faz valsa ou, quiçá, pó ardente, talco aderente. O único repouso que eu encontro está na expressão: eu não sei! Apego-me a tais palavras de real confronto como se fossem um bálsamo para um guerreiro ferido. Recluso em minha lida, sigo questionando os meus medos. Não sei onde estão.

Alguns cavalos empurram a minha viga enquanto me vingo de mim mesmo. Não tenho certezas do futuro. Não posso mentir sobre isso. Amor se faz num monturo. Não crio expectativas e todas as minhas certezas se foram para um saco todo fodido. Nem fé eu tenho mais. Um cadinho de teimosia. Rasgo as páginas do livro lido e sem dinheiro no bolso, caminho sem perspectivas, tentando me sentir um áulico com decente dignidade.

Já remei tanto na vida, mas acho que morrer na praia é pura maldade. Talvez, eu tenha desmaiado ou morrido. Desiludido, sabe? Disfarçar as minhas agonias e sofrer é meu marco temporal.

E por favor, não me digam do meu potencial e nem que sou um cara legal. Flutuo ao vento, nem sei pra onde vou. Não dou conta de mim, tampouco de ninguém que me frustre. Na reta final, tristezas num tempo real.

Ainda respiro, almejando escrever um livro bem ácido, daqueles que escorrem num abismo. O rosto está plácido, mas o corpo está aplacado pelas bobagens de alguém que, para a sociedade em geral, não deu certo.

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

DIA 49 - Pela simplicidade da vida...

 


Quando eu estava nos anos escolares, mais especificamente no Ensino Fundamental II, eu gostava muito das operações matemáticas que simplificavam números e frações. Eu que nunca fora muito afeito aos ordenamentos lógicos, acreditava que aqueles processos de simplificações favoreciam as minhas formas de ler e conhecer mais claramente a própria ciência matemática. Todavia, o meu encanto pela “bendita” matemática ficou por aí mesmo. Hoje eu a utilizo como arte. Tá de bom tamanho.

Passados os anos, já caminhando pelas ondas da maturidade, vi-me influenciado por uma série de perspectivas e olhares que me convocavam para a urgente e importante ação de simplificar a forma como a vida se me apresentava. Consciente das muitas demandas que me abordavam, especialmente as que ocupavam os meus pensamentos e as minhas reflexões, me debatia frente ao gasto insano da minha energia vital e psíquica com problemas e situações que não me traziam acréscimo, tampouco sentido. Passei, então, a investir naquilo que realmente eu considerava importante para mim. E o importante era a simplicidade mais simples e simplória.

Enquanto muitas pessoas se gastam, pensando em comprar isto ou aquilo ou pensando em fazer esta ou aquela viagem, coisas interessantes obviamente, mas não vitais, eu me propunha a andar na contramão – nada de me gastar ou gastar com algo. Em tempos de convocação para o consumo desenfreado, eu insisto em querer aliviar os pesos mortos – talvez dezenas de paralelepípedos – da minha mochila, pois em minha jornada, seja ela qual for, almejo andar leve, quase flutuando.

A pergunta basilar que me acompanha é a seguinte: do que realmente preciso para viver bem? Será que a compra de um novo automóvel me faria viver bem? Será que a aquisição de um apartamento na orla de uma praia me faria viver bem? Será que uma viagem internacional me faria viver bem?

Ora, não tiro o mérito dessas possibilidades e conquistas triviais, mas todas as dimensões alusivas a uma conquista material possuem prazo de validade. Tudo o que existe neste universo possui princípio, meio e fim. Só na música do cantor brasileiro Fábio Júnior é que o amor não se configura como uma história com princípio, meio e fim. O fato é que todas as conquistas chegam, mas, também, escorrem das mãos, por entre os dedos.

Além desta constatação, gostaria de destacar que a simplificação da vida pode favorecer a quebra da ansiedade, porque se uma dada pessoa não alimenta a necessidade de se suprir com múltiplas parafernálias, objetos, sonhos remotos ou coisas do gênero, poderá gastar o seu tempo para o cultivo do que realmente importa, ou seja, para ser quem é. Com essa conquista, tornam-se desnecessários 13 pares de tênis ou 172 camisas ou, ainda, 18 litros de perfume. A verdade é que coisa alguma é suficiente para fazer uma pessoa se sentir bem e feliz. Ter-se o básico para uma pequena diversificação no cotidiano é mais do que o suficiente.

No fundo, quando alguma pessoa compra para si algo, muitas vezes não compra por necessidade. Talvez, o que mova uma determinada pessoa a adquirir o que não precisa seja o desejo de revelar ao outro o seu poder de compra. Todos os dias, o sistema de mercado lança nas mídias em geral diversas novas opções para o consumo. Visam despertar o desejo, a fim de que as pessoas gastem os limites dos seus cartões de crédito ou economias com produtos que aparentemente favoreçam o bem-estar pessoal. Aqui, vale aquela velha premissa tão bem abordada por Erich Fromm e outros pensadores, a saber, de que é mais importante ser a ter.

Diante da vida social e seus prazeres, cada pessoa precisa apreender melhor o seu processo de simplificação. Nada melhor do que se assentar em uma cadeira e com a alma sossegada, contemplar a viva natureza que se revela exposta a cada um, permitindo que ocorra a simbiose e a inundação de uma tranquilidade contínua que aglutine o segredo da boa vida ou da vida boa. Tal vida se resume justamente na consideração de que tudo é muito simples, lindo e complexo. E está tudo bem. Por que matar-se tanto com as atividades rotineiras dos respectivos trabalhos desempenhados? Por que perder a oportunidade de festejar ou celebrar a vida, divertindo-se sem limites? Por que deixar tudo tão chato, assombrado e estranho? Aliás, eu detesto a chatice dos dias. Eu gosto mesmo é de coisas novas e se elas não me chegam, eu as crio.

Portanto, acho crucial que cada pessoa encontre em seu cotidiano as possíveis formas de leveza. Talvez, dessa maneira, a gente encontre o segredo de vivermos mais livres e soltos, como flores e passarinhos. Já que cada pessoa é nada mais, nada menos, que uma faísca no meio do incêndio, eu entendo ser coerente assinalar a ideia de se investir em um novo olhar sobre as dimensões existenciais com a simples vontade de se perceber o quanto de beleza, esplendor e simplicidade elas contém. Beleza, esplendor e simplicidade similar ao bater de asas de um beija-flor entre as flores cheinhas de néctar.

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

DIA 48 - Incômodos quanto à violência contra a mulher...

 


Nem todos os dias em que temos a oportunidade de viver são bons e tranquilos. Continuamente, experimentamos as variações que ocorrem no desenrolar dos segundos, dos minutos e das horas; da aurora ao crepúsculo.

Nestas variações, somos aturdidos por problemas, os mais diversos, cujas perspectivas podem provocar o desequilíbrio emocional. De fato, as dificuldades que ocorrem com cada um de nós são inerentes à nossa condição de seres viventes neste mundo. Aliás, não existe absolutamente coisa alguma que aconteça conosco que não seja pertencente às esferas existenciais nas quais estamos inseridos. Obviamente, muitos destes acontecimentos nos incomodam profundamente.

No atual momento da minha vida eu tenho me sentido bastante desconfortável com as formas pelas quais os homens se relacionam ou tratam as mulheres. Eu aqui me incluo, pois não sou melhor do que qualquer um dos homens e nem me considero assim. Não sou um exemplo para qualquer pessoa alheia seguir. Todavia, vivo a sempre viva insistência pela condução de minhas posturas mais pessoais de uma forma tal que as minhas convicções sejam razoavelmente coerentes. Não posso abrir mão da elegância e da gentileza para com todas as mulheres, tanto as próximas como as distantes, indistintamente. Mesmo com essa minha insistência pela coerência, não me sinto ou me vejo como um arauto dos relacionamentos perfeitos, nem mesmo nas horas em que fui convocado a sê-lo. Sei dos meus podres e posso conta-los a quem de direito, um a um, acompanhado, obviamente, de uma gelada e alguns deliciosos petiscos numa mesa de bar.

Acontece que, por uma razão lógica, sinto-me um artesão e, como tal, eu procuro desenvolver a minha obra de arte relacional da melhor maneira possível, sem uma preocupação quanto ao êxito final. Como um bom artesão, faço o que posso dentro das minhas limitações, com o que tenho e no momento oportuno. Gosto de assim sê-lo. Dessa maneira, talvez, eu possa oferecer um pouco do que é melhor e mais autêntico em mim mesmo ao que me circunda.

Mediante esta postura, o que almejo oferecer? Sem ser pretencioso, almejo apresentar algumas possibilidades em meu viver que possam favorecer a reflexão em torno do aumento da gentileza dos homens para com as mulheres. É crucial que os homens em meu entorno ampliem as suas visões para que alcancem uma maior consciência de quem são e de como podem melhorar as suas formas de cuidado para com as mulheres em geral.

Este autoexame é fundamental para que se evitem litígios e discussões indevidas contra as mulheres.  Infelizmente, muita violência é gerada dentro das casas. Muitos homens intimidam as mulheres de formas verbal, física e psicológica. Batem e até estupram as mulheres com as quais se relacionam. Há estupros no casamento. Como é cruel recebermos as notícias pelas mídias apontando as situações em que as mulheres são completamente expostas em situações constrangedoras.

Na minha atuação como psicólogo tenho acolhido diversas mulheres de várias idades e de vários amores, e todas elas trazem os seus respectivos relatos quanto aos maus tratos, abusos morais e abusos sexuais. Quando acolho as narrativas, não consigo me eximir ao fato de sofrer empaticamente estes níveis de violência. Atônito em meus pensamentos e corado de vergonha, fico cabisbaixo e angustiado, especialmente por muitas pessoas – mulheres e homens – acharem que tudo isso é normal. Toda e qualquer violência contra a mulher é a prova visível e cabal de que fracassamos como sociedade e como família.

Enfim, eu espero sinceramente que no decorrer dos tempos, mediante os acolhimentos oferecidos por mim no setting terapêutico, as palavras se transformem em ações e estas ações favoreçam a conquista dos direitos das mulheres. As mulheres pelas mulheres e os homens se sensibilizando mais, evidenciando o respeito e as palavras gentis, se responsabilizado, também, por esta luta. Toda a sociedade precisa renunciar às possibilidades trágicas e violentas que se anunciam às mulheres em suas vidas cotidianas, a fim de que, com os olhos trocados com o outro, provoquemos e proporcionemos paulatinamente o desenvolvimento de um olhar mais integral e mais humano. De todos para com todos, favorecendo a igualdade de direitos.

Ao final, quem ganha somos nós e a vida boa aplaude.

 

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

DIA 47 - Duvido do amor! Que ele seja eterno enquanto hard...

 


Eu duvido do amor!

E quando duvido, questiono!

E quando questiono, complico!

E quando complico, viajo aos interstícios de mim mesmo,
para encontrar com o que, talvez, nunca seja parte de mim mesmo ou que seja o todo do meu todo, em minha plenitude.

Plenificado de nada, singro o mar dos meus pensamentos desconexos em uma jangada já desgastada pelo tempo e pela lida, ansiando a insanidade dos fragmentos que me foram adicionados por pessoas que eu encontrei nos corredores apertados desses canais da vida, os mais diversas. Algumas eram próximas, outras bem distantes. A maioria era amistosa, algumas poucas bem cruéis. De todas elas, recebi a afetação sem anfetaminas, enquanto o rio caudaloso que eu filosoficamente observava me ensinava sobre o sentido sem sentido da existência e seus fluxos nômades.

O rio, nem tão rio assim, fazia-me rir, pois era nada mais que um riacho. Diacho! Ele tinha amor ao amar e desejava perder-se no seu objeto amado para nunca mais ser o que sempre foi. Expressava assim, mediante o mavioso dançar das águas em correntezas e redemoinhos a indicação do seu destino, cujo destino era não ter destino algum.

Todas as coisas se fazem e se refazem em seus ciclos e a água, este ser extraterrestre que habita este planetinha de fazer rir, tão grandioso em suas bobagens e guerras sem razão, viaja livremente pelos céus em nebulosas formas disformes,  para desaguar onde quiser, banhando plantações ou inundando cidadelas, casas e favelas, sem pedir permissão. Mesmo quando impostas às garrafinhas plásticas, nada as detém. Livram-se daqueles recipientes transparentes para em suas transparências habitarem os obscuros dos abismos oceânicos, das profundezas dos rios e das corporeidades humanas. Enquanto faço a água circular em todo o meu corpo até o momento de libertá-la de mim, num ato compulsório e gozoso, experimento toda esta louca dimensão dos ciclos nos quais estamos condenados a coexistir.

Mergulho frente a onda altiva e penetro toda a sua vaga salgada de areias remexidas, para me rever do outro lado de suas correntes sem certezas. O mar não tem cabelos...

Percebo como a existência congela a coluna vertebral, provocando os encontros e os desencontros entre as gentes dos diversos continentes.
Em várias casas, dores.

Em cada uma das dores, sofrimento.

Em cada sofrimento, a singularidade dos sabores daquele fruto proibido no paraíso, nunca dantes encontrado, sempre telúrico e perdido.
Um casal se beija na rua. Pós e poeiras misturam-se nas bocas molhadas de salivas.

Outro anda cabisbaixa-mente, sem dar as mãos. As algemas sentimentais parecem já fracionadas e um restolho de afeto agride ainda a alma.

Um terceiro conduz criancinhas que deveriam fazer um pacto para serem escondidas pelo próprio tempo.

Um quarto está desiludido com a ilusão plantada ao longo dos anos pueris e adolescentes. Seu quarto foi pintado com as cores da desilusão e sua cama desabrochou-se silenciosa, aflita?

Um quinto se agride em palavras e gestos, não necessariamente nesta ordem. Palavras fazem mal quando “mal-ditas”. Fazem bem quando “bem-ditas” na boca da criancinha em seu arrolhamento com hálito de leite materno.

A mulher expõe o seu seio para alimentar o mundo, dando contornos de sensibilidade ao amor em seu fragmento de dádiva. No gesto sereno de pura dádiva ao infante, por sua vez, aguerrido em suas sucções e mordiscadas junto ao seio túrgido, a vida vai se entranhando, se estranhando e se emaranhando em figuras nada geométricas riscadas em situações e circunstâncias que não cabem nas profundidades obscuras dos oceanos, complexificando a vida.

Os relacionamentos que emaranham a vida são mais complexos ainda, pois poliedros eivados de diversos ângulos e lados.

É preciso bailar os dias no céu, revelando, de tempos em tempos, seus pirilampos de luz. Tudo é tão próprio, tão singular.

Gosto de me aninhar de novo em minhas dúvidas, a fim de respeitar, até mesmo, o ciclo que ocorre em torno do sol.
Quero me seduzir de mim mesmo para experimentar o encantamento da nudes do amor que eu duvido, mas que se reflete em minha crua retina.

Eu, de mim mesmo, continuo a me debater frente ao amor, aquele mesmo que eu questiono. Enquanto assim questiono, teimosamente insisto em fazê-lo acontecer nas finas teias relacionais que me envolvem continuamente em meu cotidiano, tentando fazer como bem sugeriu Vinícius de Moraes, o "poetinha": que o amor duvidado seja eterno enquanto dure, ou enquanto hard...

DIA 71 - Olho e língua da minha amiga - Em memória de Iracy Costa Rampinelli

  Quando eu era criança, sempre me convidavam para as festas de aniversários. Eu, que nunca tive festas de aniversário, ficava deslumbrado c...