Há
duas semanas, eu vivi uma outra experiência extremamente complexa em minha vida.
É muito interessante como somos assaltados pelo inusitado de uma forma muito
intensa, quando estamos esperando, tão somente, a normalidade.
Eu
estava em casa com a finalidade de participar via on-line de uma audiência no
Fórum de São Paulo. Eu era uma das testemunhas arroladas. Já conectado,
aguardava a intervenção do juiz. De repente, comecei a ouvir o meu nome sendo chamado
por uma pessoa que nunca houvera gritado o meu nome. À princípio, achei aquela
situação bastante estranha mas por causa da recorrência, resolvi responder. Foi
quando saindo de minha casa me deparei com a Fisioterapeuta de minha mãe vindo
ao meu encontro com as feições do rosto carregadas de um certo terror. Ela foi
prontamente me dizendo que a minha mãe estava passando mal. Eu rapidamente subi
as escadarias da casa da minha mãe para saber o que havia acontecido. Moramos
perto. Pensei, à princípio, ter se tratado de um mal-estar comum, chegando a um
desmaio, mas não. Ela havia sofrido uma parada cardiorrespiratória, o que foi
comprovado pela ausência de pulsação na hora. Eu a vi completamente desfalecida,
sem sangue no corpo e com uma coloração azulada. Naquele momento, eu realmente pensei
que tinha perdido a minha mãe.
Então,
eu e a Fisioterapeuta iniciamos os procedimentos básicos para a pessoa retomar o tônus vital. Enquanto
ela fazia a massagem cardíaca, eu fazia a respiração boca a boca. Depois de
alguns minutos, conseguimos trazer ela de volta e nos felicitamos com isso.
Nesse prazo, já havíamos ligado para o SAMU e em questão de minutos, as equipes
ali estavam para fazer o atendimento emergencial. O coração da minha mãe estava
batendo fraquinho, sua pulsação quase inexistente e o assombro em seu rosto.
Preciso
enaltecer o trabalho de toda a equipe do SAMU. Rapidez, eficiência e cuidado
sendo revelados ao mesmo tempo. De um instante para o outro, o quarto onde a
minha mãe dorme se viu envolto por pessoas que nunca ali estiveram para o
pronto socorro.
Depois
do susto, quando a adrenalina começou a voltar para os seus recônditos, passei
a pensar um pouco mais sobre a efemeridade da vida. Eu sempre reflito sobre
essa temática. Aliás, ela é muito recorrente na dinâmica do meu pensamento,
todavia ela ganhou outro contorno efetivo no momento em que eu estava
vivenciando aquela experiência com a minha mãe. O piano ficou suspenso por um
fio de cabelo.
É
estranho pensar que em um instante fugaz, tudo o que é importante para cada um
de nós perde todo o valor. Nossos pertences pessoais, nossas fotografias,
nossos documentos, nossos títulos, o dinheiro na carteira, o dinheiro no banco,
a comida e a bebida na geladeira... tudo perde o sentido e o sabor. Em uma
situação limite, coisa alguma importa, pois tudo é neblina...
Pensei
também que ao final de todas as coisas, o aspecto mais relevante concerne aos
afetos que devotamos às pessoas que amamos e nos importamos. Às vezes, a vida
em seu tapete cotidiano faz com que vivamos de forma muito superficial, sem o
carinho necessário para quem está ao nosso lado. Quando as situações se
complicam, a gente se encolhe em uma caixinha de fósforos. É interessante como
que, em situações limites, quando em uma hora nós somos e na outra, não mais, agonias
diversas se estabelecem e a angústia nos visita intensamente. Como nos diria
Karl Jasper, é a partir da situação limite que perdemos a segurança que antes
possuíamos ou mesmo a certeza que antes nos assegurava. Em suas próprias
palavras: Como Jaspers disse: “[...] mas no final não podemos fazer nada além
de nos render. O jeito significativo de reagir às situações limite é, então,
não por planos ou cálculos a fim de superá-las...” (1932, vol. 2, p. 179).
Aceitar
o que nos sobrevêm? Talvez!
Hora
de abandonar todas as sapiências e indagar sobre o que de fato vale à pena quando
existir é o que nos resta...
Enfim,
minha mãe agora está bem! Instalou no seu corpo um marcapasso e seguirá a sua
jornada até a próxima situação limite.