quinta-feira, 23 de março de 2023

DIA 11 - Uma situação limite no cotidiano

 


Há duas semanas, eu vivi uma outra experiência extremamente complexa em minha vida. É muito interessante como somos assaltados pelo inusitado de uma forma muito intensa, quando estamos esperando, tão somente, a normalidade.

Eu estava em casa com a finalidade de participar via on-line de uma audiência no Fórum de São Paulo. Eu era uma das testemunhas arroladas. Já conectado, aguardava a intervenção do juiz. De repente, comecei a ouvir o meu nome sendo chamado por uma pessoa que nunca houvera gritado o meu nome. À princípio, achei aquela situação bastante estranha mas por causa da recorrência, resolvi responder. Foi quando saindo de minha casa me deparei com a Fisioterapeuta de minha mãe vindo ao meu encontro com as feições do rosto carregadas de um certo terror. Ela foi prontamente me dizendo que a minha mãe estava passando mal. Eu rapidamente subi as escadarias da casa da minha mãe para saber o que havia acontecido. Moramos perto. Pensei, à princípio, ter se tratado de um mal-estar comum, chegando a um desmaio, mas não. Ela havia sofrido uma parada cardiorrespiratória, o que foi comprovado pela ausência de pulsação na hora. Eu a vi completamente desfalecida, sem sangue no corpo e com uma coloração azulada. Naquele momento, eu realmente pensei que tinha perdido a minha mãe.

Então, eu e a Fisioterapeuta iniciamos os procedimentos básicos para a pessoa retomar o tônus vital. Enquanto ela fazia a massagem cardíaca, eu fazia a respiração boca a boca. Depois de alguns minutos, conseguimos trazer ela de volta e nos felicitamos com isso. Nesse prazo, já havíamos ligado para o SAMU e em questão de minutos, as equipes ali estavam para fazer o atendimento emergencial. O coração da minha mãe estava batendo fraquinho, sua pulsação quase inexistente e o assombro em seu rosto.

Preciso enaltecer o trabalho de toda a equipe do SAMU. Rapidez, eficiência e cuidado sendo revelados ao mesmo tempo. De um instante para o outro, o quarto onde a minha mãe dorme se viu envolto por pessoas que nunca ali estiveram para o pronto socorro.

Depois do susto, quando a adrenalina começou a voltar para os seus recônditos, passei a pensar um pouco mais sobre a efemeridade da vida. Eu sempre reflito sobre essa temática. Aliás, ela é muito recorrente na dinâmica do meu pensamento, todavia ela ganhou outro contorno efetivo no momento em que eu estava vivenciando aquela experiência com a minha mãe. O piano ficou suspenso por um fio de cabelo.

É estranho pensar que em um instante fugaz, tudo o que é importante para cada um de nós perde todo o valor. Nossos pertences pessoais, nossas fotografias, nossos documentos, nossos títulos, o dinheiro na carteira, o dinheiro no banco, a comida e a bebida na geladeira... tudo perde o sentido e o sabor. Em uma situação limite, coisa alguma importa, pois tudo é neblina...

Pensei também que ao final de todas as coisas, o aspecto mais relevante concerne aos afetos que devotamos às pessoas que amamos e nos importamos. Às vezes, a vida em seu tapete cotidiano faz com que vivamos de forma muito superficial, sem o carinho necessário para quem está ao nosso lado. Quando as situações se complicam, a gente se encolhe em uma caixinha de fósforos. É interessante como que, em situações limites, quando em uma hora nós somos e na outra, não mais, agonias diversas se estabelecem e a angústia nos visita intensamente. Como nos diria Karl Jasper, é a partir da situação limite que perdemos a segurança que antes possuíamos ou mesmo a certeza que antes nos assegurava. Em suas próprias palavras: Como Jaspers disse: “[...] mas no final não podemos fazer nada além de nos render. O jeito significativo de reagir às situações limite é, então, não por planos ou cálculos a fim de superá-las...” (1932, vol. 2, p. 179).

Aceitar o que nos sobrevêm? Talvez!

Hora de abandonar todas as sapiências e indagar sobre o que de fato vale à pena quando existir é o que nos resta...

Enfim, minha mãe agora está bem! Instalou no seu corpo um marcapasso e seguirá a sua jornada até a próxima situação limite.

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