quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

DIA 54 - Das emoções inteligentes e os sentimentos conscientes

 


Viver requer de cada um de nós uma série de comprometimentos diversos com os eventos que nos ocorrem no cotidiano e com as pessoas com as quais nos envolvemos direta ou indiretamente, distantes ou intimamente.

Na verdade, cada um de nós é desafiado a equilibrar as emoções que fluem como vulcões em erupção da interioridade humana. Gosto sempre de fazer uma distinção entre o que são as emoções e o que são os sentimentos. A emoção é o que brota no momento exato em que os sentidos percepcionam algo ou alguma coisa que escapa ao habitual, como, por exemplo, quando vemos um filme e nos emocionamos, rindo ou chorando, ou ainda, quando enfrentamos um acidente de percurso ou o ataque de algum animal. É o que ocorre, também, quando entramos em uma discussão acalorada com alguém, num conflito que se estende em gritos, berros, choros e nervosismos. Num momento como este, tudo e todos se perdem. Instala-se o reinado das emoções que se descontrolam.

Os sentimentos, por sua vez, também em minha concepção, se configuram como a boa resolução das emoções. Então, no momento em se sente que algo vai explodir ou convulsionar na corporeidade, é preciso buscar a possibilidade de diálogo internalizado. A boa conduta e possível resolução dos sentimentos pode fazer com que as emoções se tornem inteligentes. Em suma, as emoções inteligentes são as resultantes de um processo de autoconhecimento, autocontrole e autoestima, mediados pela consciência que, por sua vez, acalma as emoções deslocadoras do ser. Para quem se entende em um processo de contínua mudança ou identidade fluída, uma espécie de metamorfose ambulante, para fazer deferência ao cantor Raul Seixas, os entroncamentos complexos e confusos pertencentes ao campo emocional dos eventos e das pessoas são tirados de letra.

O contínuo desafio quanto a se viver bem e alcançar o bem-estar é sempre confrontado pelo caudal de situações difíceis que exigem uma postura marcada pelas emoções inteligentes, mesmo quando se é tomado por sensações e percepções diversas que se encontram distantes do entendimento pessoal ou da sempre requisitada zona de conforto. Que fique claro, nada tenho contra as respectivas zonas de conforto. Cada um sabe a sua e deve conquista-la da melhor forma possível. O que não vale é a preguiça para se tornar um ser humano bem equilibrado na dinâmica existencial.

Um dos mais profundos elementos para a elaboração das emoções inteligentes é a empatia. Colocar-se no lugar do outro para sentir o que o outro sente ou, ao menos, percepcionar o que o outro anseia, é um dos elementos mais preponderantes para a organização mental dos sentimentos. Isso evita, por exemplo, o surgimento de anseios equivocados e interpretações apressadas quanto a pessoas que compõem o tecido social. Em outras palavras, torna-se fundamental que o sujeito no auge de sua empatia, não sendo bobo, tenha a oportunidade de se conhecer bem, sabendo dos seus limites, assumindo aquilo que de fato é importante em seu determinado momento da vida.

Particularmente, tenho vivido muitas situações em que as vontades eruptivas do meu próprio ser tendem a consolidar ações que certamente vão criar constrangimentos a mim ou a alguém. Para evitar tais constrangimentos, eu procuro cadenciar as minhas emoções transformando-as em palavras, em narrativas e, até mesmo, em textos que favoreçam a preservação da minha identidade, o que é um grande desafio.

Expressar-se da melhor maneira possível em um ambiente qualquer nem sempre é fácil, mesmo porque as pessoas, em geral, precisam se esmerar em suas pretensas verdades. Mas quem pode ser inteiramente verdadeiro ou honesto com o outro? Ora, uma verdade até pode ser dita, mas ela precisa deslizar amorosamente na vida de outrem. Algo dito de forma direta, sem filtros, pode gerar sentimentos desconexos e interpretações díspares. Todos nós, sem exceção, somos seres da contradição e dotados de identidades fluídas. Sendo assim, o sentimento de impermanência e transitoriedades, tão comum também à natureza que organiza caoticamente este mundo e suas polissemias, é respeitado em alto e bom tom.

Enfim, eu gostaria muito que cada um de nós pudesse privilegiar o seu melhor lado, evitando a defesa aguerrida de pontos de vistas que não são, necessariamente, particulares; evitando-se as alterações de voz; evitando-se a raiva; evitando-se os ressentimentos, cadenciando as situações de forma tal a que não se perca a idoneidade de quem se é na essência, deixando vazar desnecessariamente, e somente, a aparência. Nunca é pertinente a exposição efêmera a quem não é interessante a revelação íntima do ser. Nunca é pertinente deixar de se viver bem com a consciência pessoal, exalando pelos rincões deste mundo as emoções inteligentes e os sentimentos bem resolvidos.

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