Tenho
um problema sério com os recintos fechados e com os fechamentos obtusos. Afeito
que sou ao espaço amplo que se abre para os sóis das manhãs e das tardes,
apego-me ao que pode me fazer respirar os 20% de oxigênio que eu preciso para a
continuidade do meu metabolismo. Fosse mineiro, gostaria de morar naqueles
casebres de janelas abertas e frágeis portas cheias de frestas. Todavia, sou
carioca, e talvez, por um acidente deste meu percurso existencial, tenha me
acostumado a gerenciar a minha infância e a minha adolescência junto às
belíssimas praias de tons azuis esverdeados do litoral brasileiro.
Tenho,
também, um problema sério com as pessoas fechadas e de mente embotada. Não
consigo gastar tempo com gente que não consegue ver a vida como ela é, ou seja,
com suas contradições e dicotomias. Ora, a vida real é marcada pelas
possibilidades aventadas por Eros ou por Tânatos, pulsos de vida
e pulsos de morte. Não há como fugir-se dos paradoxos que esbofeteiam o ser
humano em sua lida diária. Os eventos que ocorrem na dinâmica existencial não
podem ser amparados pelas palmas das mãos, sequer pela mente. Algumas escolhas
podem controlar o rumo da prosa de cada qual, mas o fato é que todo ser humano
é tomado de assalto quanto ao acaso que abraça e zela por todo o universo.
Talvez, por este motivo, Einstein tenha dito de forma enfática que o único Deus
que ele aceitava era o sinalizado por Espinosa. E qual era o Deus do filósofo holandês?
Um Deus despersonalizado e geométrico, estabelecendo-se numa simbiose perfeita
com a natureza: Deus e Natureza, a mesma coisa. Como Espinosa indica: “Tenho uma concepção de Deus e da natureza totalmente
diferente da que costumam ter os cristãos mais recentes, pois afirmo que Deus é
a causa imanente, e não externa, de todas as coisas. Eu digo: Tudo está em
Deus; tudo vive e se movimenta em Deus”.
Independente
do posicionamento de Einstein ou Espinosa, é inegável a energia que movimenta o
mundo e seus engendramentos. Sei que muitas pessoas apegadas à segurança de suas
palavras e atos, preferem agendar o cotidiano com a (i)lógica do destino, como
se tudo o que acontecesse na dinâmica existencial estivesse pré-determinado por
um poder do além. Ora, se o futuro ainda não aconteceu, como haver um destino?
De minha parte, prefiro conceber a ideia de que a vida é uma grande e inédita aventura
e que cada um é protagonista do seu existir, quando possível. O cotidiano e sua
simplicidade é o campo fantástico onde se pode viver a aventura da vida, seus encontros
e desencontros, suas pessoas ou situações.
A
questão de fundo que se evidencia em um segundo plano, refere-se à fuga do
sofrimento que surge por conta do inusitado. Tem gente que acha que, mediante
fechamentos obtusos e controles do cotidiano, se pode evitar o sofrimento. Ledo
engano. Sofrimento não se evita com fechamentos. Aliás, sofrimento não se
evita. Sofrimento ocorre e exige renovações e recomeços, tanto nos níveis
subjetivo ou objetivo, pessoal ou comunitário. Ele está presente na dinâmica
existencial porque nunca se sabe bem o que vai acontecer na aventura da vida, e
está tudo bem. Em tempos passados, escrevi uma crônica que considera a vida nas
dinâmicas da montanha russa e do carrossel. Corroboro sempre que a vida é bem
mais uma montanha russa, com seus anseios, medos, sustos, contentamentos e
alegrias. Tudo isso junto e misturado num contexto cheio de sonhos e pesadelos.
Às vezes, muito mais pesadelos. A gente só não pode se perder o foco de que no
meio do abismo, como diria Rubem Alves, a gente tem que curtir o que dá pra
curtir e saborear aquele moranguinho na beira do abismo. Vejo isso na cultura
nordestina brasileira, que tanto amo. Acontece que há um legado sertanejo que
transforma grandes infortúnios em esperança. No fundo, manifesta-se ali uma
religião cultural ou uma cultura religiosa que se espraia numa vontade de
superação artesanal e musical que, ao mesmo tempo, sente o sofrimento inerente à
vida e manifesta a vontade de revogação da situação com o grito: “Deus é mais”!
Hoje, especialmente,
meu corpo requer um mergulho na profundidade do mar, entre ondas e vagas, para
se perder no universo azul esverdeado. Perdido no interior das águas salinas,
lanço-me ao absoluto sem parâmetros, sem fechamentos obtusos, afirmando, ainda,
o quanto é insensato querer controlar a vida que não pode ser controlada.
Diante dos paradoxos que continuam a me esbofetear, respeito a intuição do
momento e abraço o acaso se ele quiser me abraçar. Assim vivo, pois as tramas
da vida sempre precisam ser vivenciadas com ampla ousadia.