Eu
duvido do amor!
E
quando duvido, questiono!
E
quando questiono, complico!
E
quando complico, viajo aos interstícios de mim mesmo,
para encontrar com o que, talvez, nunca seja parte de mim mesmo ou que seja o
todo do meu todo, em minha plenitude.
Plenificado
de nada, singro o mar dos meus pensamentos desconexos em uma jangada já
desgastada pelo tempo e pela lida, ansiando a insanidade dos fragmentos que me
foram adicionados por pessoas que eu encontrei nos corredores apertados desses
canais da vida, os mais diversas. Algumas eram próximas, outras bem distantes.
A maioria era amistosa, algumas poucas bem cruéis. De todas elas, recebi a
afetação sem anfetaminas, enquanto o rio caudaloso que eu filosoficamente
observava me ensinava sobre o sentido sem sentido da existência e seus fluxos
nômades.
O
rio, nem tão rio assim, fazia-me rir, pois era nada mais que um riacho. Diacho!
Ele tinha amor ao amar e desejava perder-se no seu objeto amado para nunca mais
ser o que sempre foi. Expressava assim, mediante o mavioso dançar das águas em
correntezas e redemoinhos a indicação do seu destino, cujo destino era não ter
destino algum.
Todas
as coisas se fazem e se refazem em seus ciclos e a água, este ser
extraterrestre que habita este planetinha de fazer rir, tão grandioso em suas
bobagens e guerras sem razão, viaja livremente pelos céus em nebulosas formas
disformes, para desaguar onde quiser, banhando plantações ou inundando
cidadelas, casas e favelas, sem pedir permissão. Mesmo quando impostas às
garrafinhas plásticas, nada as detém. Livram-se daqueles recipientes
transparentes para em suas transparências habitarem os obscuros dos abismos
oceânicos, das profundezas dos rios e das corporeidades humanas. Enquanto faço
a água circular em todo o meu corpo até o momento de libertá-la de mim, num ato
compulsório e gozoso, experimento toda esta louca dimensão dos ciclos nos
quais estamos condenados a coexistir.
Mergulho
frente a onda altiva e penetro toda a sua vaga salgada de areias remexidas,
para me rever do outro lado de suas correntes sem certezas. O mar não tem
cabelos...
Percebo
como a existência congela a coluna vertebral, provocando os encontros e os
desencontros entre as gentes dos diversos continentes.
Em várias casas, dores.
Em
cada uma das dores, sofrimento.
Em
cada sofrimento, a singularidade dos sabores daquele fruto proibido no paraíso,
nunca dantes encontrado, sempre telúrico e perdido.
Um casal se beija na rua. Pós e poeiras misturam-se nas bocas molhadas de
salivas.
Outro
anda cabisbaixa-mente, sem dar as mãos. As algemas sentimentais parecem já
fracionadas e um restolho de afeto agride ainda a alma.
Um
terceiro conduz criancinhas que deveriam fazer um pacto para serem escondidas
pelo próprio tempo.
Um
quarto está desiludido com a ilusão plantada ao longo dos anos pueris e
adolescentes. Seu quarto foi pintado com as cores da desilusão e sua cama
desabrochou-se silenciosa, aflita?
Um
quinto se agride em palavras e gestos, não necessariamente nesta ordem. Palavras
fazem mal quando “mal-ditas”. Fazem bem quando “bem-ditas” na boca da
criancinha em seu arrolhamento com hálito de leite materno.
A
mulher expõe o seu seio para alimentar o mundo, dando contornos de
sensibilidade ao amor em seu fragmento de dádiva. No gesto sereno de pura
dádiva ao infante, por sua vez, aguerrido em suas sucções e mordiscadas junto
ao seio túrgido, a vida vai se entranhando, se estranhando e se emaranhando em
figuras nada geométricas riscadas em situações e circunstâncias que não cabem
nas profundidades obscuras dos oceanos, complexificando a vida.
Os
relacionamentos que emaranham a vida são mais complexos ainda, pois poliedros
eivados de diversos ângulos e lados.
É
preciso bailar os dias no céu, revelando, de tempos em tempos, seus pirilampos
de luz. Tudo é tão próprio, tão singular.
Gosto
de me aninhar de novo em minhas dúvidas, a fim de respeitar, até mesmo, o ciclo
que ocorre em torno do sol.
Quero me seduzir de mim mesmo para experimentar o encantamento da nudes do amor
que eu duvido, mas que se reflete em minha crua retina.
Eu, de mim mesmo, continuo a me debater frente ao amor, aquele mesmo que eu questiono. Enquanto assim questiono, teimosamente insisto em fazê-lo acontecer nas finas teias relacionais que me envolvem continuamente em meu cotidiano, tentando fazer como bem sugeriu Vinícius de Moraes, o "poetinha": que o amor duvidado seja eterno enquanto dure, ou enquanto hard...