quarta-feira, 1 de novembro de 2023

DIA 47 - Duvido do amor! Que ele seja eterno enquanto hard...

 


Eu duvido do amor!

E quando duvido, questiono!

E quando questiono, complico!

E quando complico, viajo aos interstícios de mim mesmo,
para encontrar com o que, talvez, nunca seja parte de mim mesmo ou que seja o todo do meu todo, em minha plenitude.

Plenificado de nada, singro o mar dos meus pensamentos desconexos em uma jangada já desgastada pelo tempo e pela lida, ansiando a insanidade dos fragmentos que me foram adicionados por pessoas que eu encontrei nos corredores apertados desses canais da vida, os mais diversas. Algumas eram próximas, outras bem distantes. A maioria era amistosa, algumas poucas bem cruéis. De todas elas, recebi a afetação sem anfetaminas, enquanto o rio caudaloso que eu filosoficamente observava me ensinava sobre o sentido sem sentido da existência e seus fluxos nômades.

O rio, nem tão rio assim, fazia-me rir, pois era nada mais que um riacho. Diacho! Ele tinha amor ao amar e desejava perder-se no seu objeto amado para nunca mais ser o que sempre foi. Expressava assim, mediante o mavioso dançar das águas em correntezas e redemoinhos a indicação do seu destino, cujo destino era não ter destino algum.

Todas as coisas se fazem e se refazem em seus ciclos e a água, este ser extraterrestre que habita este planetinha de fazer rir, tão grandioso em suas bobagens e guerras sem razão, viaja livremente pelos céus em nebulosas formas disformes,  para desaguar onde quiser, banhando plantações ou inundando cidadelas, casas e favelas, sem pedir permissão. Mesmo quando impostas às garrafinhas plásticas, nada as detém. Livram-se daqueles recipientes transparentes para em suas transparências habitarem os obscuros dos abismos oceânicos, das profundezas dos rios e das corporeidades humanas. Enquanto faço a água circular em todo o meu corpo até o momento de libertá-la de mim, num ato compulsório e gozoso, experimento toda esta louca dimensão dos ciclos nos quais estamos condenados a coexistir.

Mergulho frente a onda altiva e penetro toda a sua vaga salgada de areias remexidas, para me rever do outro lado de suas correntes sem certezas. O mar não tem cabelos...

Percebo como a existência congela a coluna vertebral, provocando os encontros e os desencontros entre as gentes dos diversos continentes.
Em várias casas, dores.

Em cada uma das dores, sofrimento.

Em cada sofrimento, a singularidade dos sabores daquele fruto proibido no paraíso, nunca dantes encontrado, sempre telúrico e perdido.
Um casal se beija na rua. Pós e poeiras misturam-se nas bocas molhadas de salivas.

Outro anda cabisbaixa-mente, sem dar as mãos. As algemas sentimentais parecem já fracionadas e um restolho de afeto agride ainda a alma.

Um terceiro conduz criancinhas que deveriam fazer um pacto para serem escondidas pelo próprio tempo.

Um quarto está desiludido com a ilusão plantada ao longo dos anos pueris e adolescentes. Seu quarto foi pintado com as cores da desilusão e sua cama desabrochou-se silenciosa, aflita?

Um quinto se agride em palavras e gestos, não necessariamente nesta ordem. Palavras fazem mal quando “mal-ditas”. Fazem bem quando “bem-ditas” na boca da criancinha em seu arrolhamento com hálito de leite materno.

A mulher expõe o seu seio para alimentar o mundo, dando contornos de sensibilidade ao amor em seu fragmento de dádiva. No gesto sereno de pura dádiva ao infante, por sua vez, aguerrido em suas sucções e mordiscadas junto ao seio túrgido, a vida vai se entranhando, se estranhando e se emaranhando em figuras nada geométricas riscadas em situações e circunstâncias que não cabem nas profundidades obscuras dos oceanos, complexificando a vida.

Os relacionamentos que emaranham a vida são mais complexos ainda, pois poliedros eivados de diversos ângulos e lados.

É preciso bailar os dias no céu, revelando, de tempos em tempos, seus pirilampos de luz. Tudo é tão próprio, tão singular.

Gosto de me aninhar de novo em minhas dúvidas, a fim de respeitar, até mesmo, o ciclo que ocorre em torno do sol.
Quero me seduzir de mim mesmo para experimentar o encantamento da nudes do amor que eu duvido, mas que se reflete em minha crua retina.

Eu, de mim mesmo, continuo a me debater frente ao amor, aquele mesmo que eu questiono. Enquanto assim questiono, teimosamente insisto em fazê-lo acontecer nas finas teias relacionais que me envolvem continuamente em meu cotidiano, tentando fazer como bem sugeriu Vinícius de Moraes, o "poetinha": que o amor duvidado seja eterno enquanto dure, ou enquanto hard...

DIA 71 - Olho e língua da minha amiga - Em memória de Iracy Costa Rampinelli

  Quando eu era criança, sempre me convidavam para as festas de aniversários. Eu, que nunca tive festas de aniversário, ficava deslumbrado c...