A vida
não obedece a planos. Então, pra quê fazer planos? Que a minha sina me mantenha
andarilho, vivendo metamorfoses contínuas.
Ando
sem paciência para me sentir lapidado por qualquer ferramenta afiada, oriunda
de qualquer ourives. Quero o meu estado bruto, que como fruto maduro e viscoso,
é acolhido e comido sem bestagens, a boca toda lambuzada. De pecado se lambuza
a minha alma, sombra andaluz sem cheiro e sem curvas que acaba me seduzindo.
Mergulho
em lagos profundos cheios de olhos estranhos para me estranhar num corpo que se
pretende livre. Quero poder respirar, e sem pirar, aspirar o intenso perfume em
minhas narinas dilatadas. Preciso me perder para me jogar em jorro puro de
te(n)são definida. Que me acolha e me recolha o puro lago de águas plácidas.
Enquanto
o sino da catedral bate, reflito o amor cuja crença me desacredita. Vejo o
instante da dor e a dor do instante, sangria que escorre no rito. Subo o monte com
uma vela acesa, para rever toda uma vida afetada. Almejo cuidar das minhas
tardes e manhãs, enquanto a vigília na noite e da madrugada me atiçam a
imaginação e escondem o meu sono. Já não quero viver a metade da metade, pois
detestaria reviver o meu refém reprimido.
De
asas abertas, como anjo ou demônio, lanço-me ao abismo sem caminho do carinho.
Talvez, devotar os meus afetos bem vivos sem expor a dor da existência. Nem
sempre insisto, às vezes resisto. Gosto do simples do dia.
Não
quero o amor de Romeu,
tampouco
a paixão de Julieta.
Ela
morreu de amor.
Ele a
seguiu, cegueta. Minha constatação é racional, pois a morte é e sempre será a
minha conselheira.
Não
nutro apelos quanto ao mal, quero o toque real e sensível de qualquer maneira,
aquela que me auxilie a encontrar os fragmentos da minha solidão insólita.
Vivi
em Paris os momentos de uma brisa fria, melancólica. Sozinho, vivência
desértica e cheia de luz. Já não falo de paixão ou amor, minha homeostase
é eclética. Às vezes, sinto-me em horror de bicho. Emboto-me, bem desconstruído
num fatídico caminho de pedras pontiagudas. Disfarço, afugento o labor moído e rabisco
o meu velho pergaminho de papiro. Aproximo-me de pessoas que me encantam para
rebuscar as explosões de vida, das inteligências pensantes e pulsantes que
emanam das íris dos que tem gosto de vinho licoroso na boca. Meus olhares fazem
figa. Querem os belos momentos vividos em outros tempos. Perdi os lamentos e
não choro lágrimas.
Há
linhas na palma de minha mão e elas não querem dizer coisa alguma. Ainda desejo
viver pra cuidar dos meus sintomas. Tomo o cuidado para não esconder os meus
monstros grandes, fortes e cafonas. Ainda ouço o meu pai me dizer que um homem
tem que arcar com as suas calças. Isso ecoa em minha mente diuturnamente.
À
noite, a poeira se faz valsa ou, quiçá, pó ardente, talco aderente. O único
repouso que eu encontro está na expressão: eu não sei! Apego-me a tais palavras
de real confronto como se fossem um bálsamo para um guerreiro ferido. Recluso
em minha lida, sigo questionando os meus medos. Não sei onde estão.
Alguns
cavalos empurram a minha viga enquanto me vingo de mim mesmo. Não tenho
certezas do futuro. Não posso mentir sobre isso. Amor se faz num monturo. Não
crio expectativas e todas as minhas certezas se foram para um saco todo fodido.
Nem fé eu tenho mais. Um cadinho de teimosia. Rasgo as páginas do livro lido e
sem dinheiro no bolso, caminho sem perspectivas, tentando me sentir um áulico
com decente dignidade.
Já
remei tanto na vida, mas acho que morrer na praia é pura maldade. Talvez, eu
tenha desmaiado ou morrido. Desiludido, sabe? Disfarçar as minhas agonias e
sofrer é meu marco temporal.
E por
favor, não me digam do meu potencial e nem que sou um cara legal. Flutuo ao
vento, nem sei pra onde vou. Não dou conta de mim, tampouco de ninguém que me
frustre. Na reta final, tristezas num tempo real.
Ainda
respiro, almejando escrever um livro bem ácido, daqueles que escorrem num
abismo. O rosto está plácido, mas o corpo está aplacado pelas bobagens de
alguém que, para a sociedade em geral, não deu certo.