No
livro de John Powell, intitulado “Por que
tenho medo de lhe dizer quem sou?” (Belo Horizonte, Crescer, 1989), nos
deparamos com um desafio que se propõe a cada um de nós que tem a necessidade
de viver a vida da maneira mais honesta possível, sendo ouvidos e compreendidos
por uma escuta atenciosa. Embora nem todas as pessoas possuam a capacidade de
acolher simpaticamente e empaticamente o que cada um revela em sua essência, os
possíveis acolhimentos cotidianos são essenciais.
Especialmente,
nos processos psicoterápicos que se desenvolvem nos settings terapêuticos, cada cliente ou paciente é estimulado a
falar e viver com a mais extrema sinceridade, potencializando quem de fato é em
seu cotidiano. Isso favorece a ampliação das relações. Nas palavras de Paul
Tournier, que prefacia o livro de Powell: "Ninguém pode se desenvolver
livremente nesse mundo, nem encontrar uma vida plena, sem sentir-se
compreendido por uma pessoa, pelo menos...." (p. 5).
Ser
ou se sentir acolhido na psicoterapia é fundamental, principalmente na
sociedade atual que embaça a autenticidade inerente a cada ser. A tendência à
robotização e à automação força cada sujeito a se aplicar sobre as suas
respectivas máscaras, exercendo papéis teatrais que o afastam das suas mais
pertinentes espontaneidades. A implicação disso é que, em algum lugar, dentro
de cada ser, se esconde o sentido real do que se é de fato.
A
busca pelo ser real pode se consolidar por intermédio do caminho psicoterápico.
Para mim, em especial, a psicoterapia é o processo essencial que favorece a busca
de sentido do ser humano em seus contextos vivenciais, tanto subjetivos como
comunitários.
Hoje,
na condição de um psicoterapeuta, eu vivencio experiências extremamente
significativas no contexto da minha própria vida, mediante as minhas escutas
atenciosas e provocações diversas. É muito especial perceber os meus clientes
avançando em suas reflexões e em suas respectivas conquistas – procedimentos
fundamentais que levam cada pessoa a ter uma melhor visão de si mesma. Eu
acredito que este é um dos grandes fundamentos da psicoterapia: caminhar lado a
lado com a pessoa, possibilitando a essa pessoa a descoberta de suas
potencialidades e a oportunidade de se posicionar melhor em seu mundo de
vivências.
Eu
já estive do outro lado da psicoterapia, como uma pessoa que se disponibilizou
a ser cuidada no setting terapêutico.
Essa experiência me proporcionou aprofundadas visões do meu mundo de sentidos. Aliás,
existem duas experiências que eu considero fundamentais em minha dinâmica de
vida. A primeira delas se deu quando eu tive a oportunidade de estudar em Paris
na França em 2013, permanecendo lá por seis meses. Considero essa primeira
experiência um divisor de águas em minha vida. Tendo sido criado por uma
família que não cessou esforços para cuidar de mim, esta foi a primeira vez em
que eu tive uma responsabilidade plenificada sobre mim mesmo, preparando a
minha comida, lavando a minha roupa, arrumando o meu quarto e fazendo todas as
atividades corriqueiras, inerente a qualquer pessoa que mora sozinha. Ao mesmo
tempo, pratiquei o meu direito de ir e vir sem ter que dar satisfação a
qualquer pessoa na minha vida. Não que isso me incomode tanto, mas é uma
experiência singular possuir a mínima liberdade para ir aonde se desejar, beber
o quanto se quer e o que se quer, comer as besteiras mais exóticas sem
necessariamente ter que prestar algum tipo de relatório a pessoas próximas.
Viver como eu vivi na França me trouxe um frescor inenarrável.
A
segunda experiência igualmente marcante em minha vida se deu no processo
psicoterápico. Eu já havia voltado de Paris e já estava cursando a Psicologia.
Em meio aos meus encontros e desencontros, principalmente os desencontros e as
crises provocadas pela reflexão em torno da Psicologia, vivi na clínica
psicoterápica a busca de um conhecimento mais aprofundado de mim mesmo. Procurei
por psicólogos e por psicólogas, visando estabelecer o vínculo terapêutico.
Quando me encontrei com essa vinculação, pois sou daqueles que se acreditam na
vinculação terapêutica, eu me joguei completamente ao processo psicoterápico.
Para mim, a vinculação terapêutica corresponde a 80% do processo. Obviamente,
para que ela aconteça, faz-se necessária uma boa simbiose, ampla sintonia,
empatia e simpatia entre o psicoterapeuta e o seu cliente.
A minha psicóloga é psicanalista. Conduziu-me de forma firme, fortalecendo a transferência e possibilitando o meu encontro comigo mesmo de uma forma intensa e profunda. Eu tive múltiplos insights em seu consultório. Passei por experiências marcantes e me desconectei dos meus medos, anseios e culpas. A psicoterapia para mim foi libertadora. Ajudou-me a me perder o medo de dizer que eu realmente sou. E quanto às pessoas que me cobram determinadas posturas ou composturas, acho melhor elas tomarem cuidado, pois, para mim que perdi o medo, a língua afiada por ser ferina também. Se insistirem em fofocar, eu lhes responderei: “Está tudo bem, mas, me chamem para fofocar, também. Posso contar a vocês coisas horríveis sobre mim”. E como diria uma amiga minha: “Beijinhos de luz para vocês”!