A vida exige de cada um de nós certa atitude para enfrentar os
desafios complexos do dia-a-dia, pois cada um deles possui sua constituição
inusitada. Diante das múltiplas afrontas, acabamos por desenvolver certo temor
e cedemos espaços para a angústia e a possibilidade do desespero. Em momentos
tais como este, o pensar humano se refugia na atitude de se dar um salto no
escuro ou tentar fugir das realidades que confrontam a existência.
Uma gama de pessoas entende que este confronto somente pode
ocorrer por intermédio da esperança. Em geral, o que se convencionou se chamar
de esperança é uma espécie de mola precursora para aqueles que vivem com vigor
a experiência da existência. Para outros, ela é a contínua respiração ofegante
por um novo tempo, um novo mundo. Mas será mesmo?
O antigo adágio popular expressa: “a esperança é a última que
morre”. A inspiração desta frase remonta a antiguidade e a mitologia grega. O
titã Prometeu havia roubado o fogo do Olimpo para partilhá-lo aos seres
humanos. Ao mesmo tempo, trancafiou em uma caixa todos os males do mundo,
inclusive a esperança. Recebeu de Zeus o castigo de ser preso em uma pedra para
ter o seu fígado devorado por um abutre durante o dia. O órgão se recuperaria
durante a noite e o castigo eterno se repetiria. Além disso, Zeus cria Pandora,
uma mulher linda que se casa com Epimeteu, irmão de Prometeu. Na terra, Pandora
encontrou a caixa de Prometeu e a abriu, liberando todos os males e os sofrimentos
à humanidade, inclusive a esperança – Elpis. Mas por que a esperança também
fora aprisionada nesta caixa? Ela possui uma conotação maligna?
Para os gregos, a esperança era filha da mentira e, portanto, era
considerada má por afastar os seres humanos dos ideais da verdade que não
poderia ser ignorada. Decerto, se uma determinada expectativa quanto ao futuro
paralisa uma determinada pessoa, a esperança se torna extremamente negativa. O
filósofo Nietzsche, seguindo esta linha, afirma que a esperança é o pior dos
males, pois se refere a confiar em um futuro incerto.
De fato, o futuro é incerto. Felizmente ou infelizmente, não temos
como controlar as coisas que acontecem em nosso cotidiano. Existem muitas situações
que fogem ao controle das mãos ou das mínimas organizações de vida. Quando as
pessoas se deparam com as suas respectivas complexidades existenciais,
sentem-se atormentadas e, em muitos casos, se angustiam em pensamentos mil, até
perderem o sono. Entretanto, é preciso considerar que apesar de todas as
complicações da vida, cada pessoa em sua subjetividade pode se esmerar em fazer
diferente a sua própria realidade de vida.
Um caminho pertinente é o de se respeitar o tempo presente como as
crianças o respeitam. É preciso aceitar o desafio de olhar o tempo presente sem
a necessidade de se buscar respostas quanto ao futuro. É preciso que os olhos
brilhem dentro do espectro de espontaneidade tão comum ao mundo das crianças.
Ora, as crianças não se gastam pensando no futuro. A esperança nas crianças se
traduz na possibilidade de vivenciar as experiências lúdicas sem a mínima
preocupação quanto ao que vai acontecer amanhã. É desnecessário nutrir altas expectativas
quanto ao tempo vindouro e, tampouco, tornar o que se concebe como esperança como
algo desnecessário. Aliás, mais do que esperar, é necessário esperançar,
todavia sem aquela ansiedade para se alcançar um determinado objetivo. Deve-se,
sim, esperançar no cotidiano, vivendo o que dá para se viver, como se quer
viver.
Viver sem muita expectativa quanto ao futuro não significa se
tornar pessimista, mas saborear o tempo presente de forma mais perceptiva. Acho
que, aqui, vale um antigo conselho que eu recebi do meu pai: “Filho! Coloque as
suas barbas de molho”. E olha que eu nem tenho barba. Descobri que essa
expressão está ligada a um provérbio espanhol que diz: “Quando vir as barbas do
seu vizinho pegar fogo, ponha as suas de molho”. Aliás, descobri também que na
antiguidade e na Idade Média, a barba simbolizava honra e poder. Se cortada,
representava uma grande humilhação. Independente de comentários aleatórios,
certo é que essa expressão tem a ver com desconfiar daquilo que se apresenta
diante do olhar. Acho mais prudente essa postura a ser surpreendido por alguma
novidade que possa ocasionar algum desconforto. Ora, não temo coisa alguma que
me desafie na vida, a não ser a hipocrisia dos que sorriem pela frente e
ameaçam pelas costas. Por isso, prefiro colocar as barbas de molho, mesmo sem
tê-las, como já disse. Ademais, minha alma é povoada por uma série de
sentimentos difusos que se deslocam com facilidade nos meus jogos mentais e me
dão a sensação de múltiplas transitoriedades. O poeta Raulzito declarou a
necessidade de se tornar uma metamorfose ambulante, a ter sempre a velha
opinião formada sobre tudo. Corroboro com a intuição do poeta e me sinto
igualmente em completa e complexa transformação. Talvez decorra daqui essa
minha dúvida inquietante frente à esperança. Por isso, prefiro a teimosia das
crianças em sua sanha pela vivência cotidiana. Sigo aqui, também, um princípio
de Gandhi: “Coisas que nos parecem impossíveis, só podem ser conseguidas com
uma teimosia pacífica”. Nos dicionários, teimosia se define por uma persistente
obstinação às próprias ideias, gostos etc. Eu sei que para muitas pessoas a
teimosia tem um aspecto completamente negativo, mas no arcabouço dessa reflexão,
abarca uma conotação positiva e extremamente propícia para esses tempos de
transitoriedades ou metamorfoses.
Por uma razão inerente a mim mesmo, somente consegui alcançar o
que alcancei por causa da minha teimosia em dado momento presente. Eu sei
também que pelo fato de me autodesignar um teimoso, acabo por ser considerado
um chato para muitos. Que se dane. Confirmo aquilo dito pelo mesmo poeta de
antes: “Não sei aonde vou chegar, mas estou no meu caminho”. Então,
independente do que se estabelecer frente aos meus olhos, vou continuar com
minha teimosia no presente, pois é a única forma de continuar sobrevivendo
diante do caos que se instala travestido em discursos informes.
Os dias muitas vezes são sombrios e nublados. Mesmo diante da
minha recatada esperança que se concretiza numa espécie de teimosia chata, faço
minhas as palavras de Darcy Ribeiro: “Na verdade, sou um homem feito muito mais
de dúvidas que de certezas, e estou sempre predisposto a ouvir argumentos e a
mudar de opinião. Tenho mudado muitas vezes na vida. Felizmente”.
E é
isso o que eu vou fazer em meu tempo presente, esperançando, mudando de
opinião, metamorfoseando-me sem muitas expectativas ilusórias quanto ao que
virá amanhã.