O sentido da vida está intimamente conectado à consciência de si. Todos os dias, ao abrirmos os olhos, invariavelmente somos tomados pela pergunta: “Quem sou eu?” Obviamente, não é uma tarefa fácil enfrentar essa temática, pois ela exige um pouco de reflexão e exposição pessoal, especialmente das contradições que acompanham cada um de nós.
Todas as vezes que eu me deparo com a
referida pergunta, deixo-me ser levado pela narrativa do Oráculo de Délfos. A narrativa,
guardadas as devidas proporções históricas, convoca o ser em busca da sua
consciência, no enfrentamento com os dilemas da vida e o significado de ser no
mundo.
Em todos os períodos de nossa
existência, nos deparamos com muitas dúvidas, anseios, expectativas e
transformações. As memórias passadas e as inquietações quanto ao futuro também
se fazem presentes, especialmente quanto ao caminho a se percorrer. Em todos
eles, é fundamental que haja um bom conhecimento de si mesmo. Este conhecimento
é o que possibilita a valorização dos sonhos e a projeção das realizações no
presente, permitindo-se avaliar a historicidade e o protagonismo espontâneo.
A busca pelo conhecimento de si é
milenar. Em todas as culturas mais arcaicas, a pergunta pelo significado e
sentido de ser se evidenciaram. Um bom exemplo vem da mitologia grega e a sua
reconhecida narrativa do Oráculo de Delfos, como segue:
Os gregos acreditavam
que o famoso oráculo de Delfos era capaz de lhes dizer coisas sobre o seu
destino. Em Delfos, o deus do oráculo era Apolo. Ele falava através de sua
sacerdotisa, Pítia, que ficava sentada num banquinho colocado sobre uma fenda
na terra. Dessa fenda subiam vapores inebriantes, que colocavam pítia numa
espécie de transe. E isto era necessário para que ela se tornasse o meio pelo
qual Apolo falava.
Quem vinha a Delfos
primeiro fazia suas perguntas para os sacerdotes locais, que iam consultar
Pítia. A sacerdotisa do oráculo lhes dava uma resposta, que era tão
incompreensível ou tão ambígua que os sacerdotes tinham que ‘interpretá-la’
para os consulentes.
Dessa forma, os
gregos podiam se valer da sabedoria de Apolo, que , para eles, era o deus que
sabia de tudo, tanto do passado quanto do futuro.
Muitos chefes de
Estado não ousavam entrar numa guerra ou tomar decisões importantes sem antes
consultar o oráculo de Delfos. Dessa forma, os sacerdotes de Apolo eram quase
como diplomatas ou conselheiros, que possuíam um profundo conhecimento do povo
e do país.
No templo de Delfos
havia uma famosa inscrição: conhece-te a ti mesmo! E ela ficava ali para
lembrar aos homens que eles não passavam de meros mortais e que nenhum homem
pode fugir de seu destino.
Entre os gregos
contavam-se muitas histórias de pessoas que tinham sifo apanhadas por seus
destinos. Ao longo do tempo, uma série de peças – as tragédias – foi escrita
sobre essas “trágicas” personalidades. O exemplo mais conhecido é a história do
rei Édipo, que, na tentativa de fugir do seu destino, acaba correndo ao seu
encontro. (GAARDNER, Jostein. O Mundo de Sofia. Romance da história da
filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 66 e 67).
A narrativa sugere-nos os dois
movimentos cruciais que nos acompanham em nossa busca pessoal: o movimento
interno que busca as nossas emoções e sentimentos e o movimento externo que tem
a ver com as nossas relações comunitárias. Assim, conhecer-se a si mesmo coaduna
a ideia de um conhecimento do todo social. O desafio de se conhecer a si mesmo
requer, também, uma retrospectiva dos acontecimentos que ocorreram desde o
nascimento, até o tempo presente. Muito do que se é hoje, decorre das múltiplas
vivências experimentadas desde a primeira infância. Conjuntamente ao se
repensar o si, aglutina-se a cultura e todas as suas variantes. O si se
constitui com o outro, também.
Um exemplo do que estamos considerando
encontramos no filme Sociedade dos Poetas Mortos (1989), dirigido por Peter
Wier. A narrativa retrata o ano de 1959. Numa tradicional escola preparatória,
a Academia Welton – conhecida pela rigidez da sua formação e os seus quatro princípios
elementares: tradição, honra, disciplina e excelência, um ex-aluno se torna o
novo professor de literatura. Seus métodos de incentivar os alunos a pensarem
por si mesmos cria um choque com a ortodoxa direção do colégio, principalmente
quando ele fala aos seus alunos sobre a "Sociedade dos Poetas
Mortos". Nele, encontramos a inegável importância do ato de se olhar para
dentro de si mesmo, valorizado pelo Senhor Keating – Robin Williams e seu
contínuo questionamento quanto aos princípios castradores da possibilidade
quanto a novos conhecimentos, baseado em um poema de Walt Whitman, intitulado Oh
Capitão! Meu Capitão! Em suas letras:
Oh capitão, meu capitão! Nossa viagem de medo findou
O navio resistiu a todas as tormentas, o prêmio que
perseguíamos foi ganho
O porto está próximo, ouço os sinos, as pessoas todas
exultam
Enquanto os olhos seguem a firme quilha, o raivoso e audaz
barco
Mas oh coração! coração! coração!
O as rutilantes gotas de sangue
No tombadilho onde jaz meu capitão
caído, frio e morto
Oh capitão, meu capitão
Oh capitão, meu capitão! Levante-se e ouça os sinos
Erga-se - para você a bandeira tremula - para você tocam os
clarins
Por você buquês e coroas de flores com fitas - para você as
costas estão lotadas
Para você que eles chamam, a massa oscilante, suas faces
ansiosas se viram
Aqui capitão! querido pai!
Este braço sob sua cabeça!
É algum sonho que no tombadilho
Você jaz frio e morto.
Meu capitão não responde, seus lábios estão pálidos e
quietos
Meu pai não sente meu braço, ele não tem pulso nem vontade
O navio está ancorado são e salvo, sua viagem finda e
encerrada
De uma horrível travessia o vitorioso barco vem com esse
objeto ganho
Exulta, oh praia, e toquem, Oh sinos!
Mas eu com passos desolados
Ando pelo tombadilho onde jaz meu capitão
Caído, frio e morto.
Mediante o brado ao capitão em sua nau
livre, a arte, a poesia e a liberdade, Keating convida os rapazes em suas aulas
a refletirem por si mesmos, escrevendo poemas sobre si mesmos e os seus
respectivos sentimentos, para fazê-los viver a dimensão do “CARPE DIEM” – Colha
o dia, viva o momento. Trata-se da busca pelo conhecimento de si, suas
possibilidades, qualidades e defeitos, mediante a utópica manifestação dos
sonhos e das fantasias que não podem ser desprezados. Dessa forma, buscando o
interior de si mesmo, o ser alcança as maiores noções da sua subjetividade, das
singularidades e das potencialidades que constituem o ser.
No filme, estes ideais apresentados
foram oprimidos e o resultado foi trágico, inclusive com o suicídio de um
jovem, vivente em seus novos ideais.
Enfim, no Oráculo e no filme,
manifesta-se o eterno conflito entre os nossos desejos libertários e as nossas inquietações
automatizadas reais e cotidianas; entre a nossa sanha por liberdade e os
aprisionamentos provocados pelo alheio. Em nosso busca pelo nosso eu, sempre
sobrarão os ostracismos da sociedade. A subversão, o bom humor e a poesia sempre
se constituirão em um bom caminho para o contentamento pessoal e subjetivo.
Carpe diem...