sexta-feira, 2 de junho de 2023

DIA 23 - Em busca de si mesmo

 


O sentido da vida está intimamente conectado à consciência de si. Todos os dias, ao abrirmos os olhos, invariavelmente somos tomados pela pergunta: “Quem sou eu?” Obviamente, não é uma tarefa fácil enfrentar essa temática, pois ela exige um pouco de reflexão e exposição pessoal, especialmente das contradições que acompanham cada um de nós.

Todas as vezes que eu me deparo com a referida pergunta, deixo-me ser levado pela narrativa do Oráculo de Délfos. A narrativa, guardadas as devidas proporções históricas, convoca o ser em busca da sua consciência, no enfrentamento com os dilemas da vida e o significado de ser no mundo.

Em todos os períodos de nossa existência, nos deparamos com muitas dúvidas, anseios, expectativas e transformações. As memórias passadas e as inquietações quanto ao futuro também se fazem presentes, especialmente quanto ao caminho a se percorrer. Em todos eles, é fundamental que haja um bom conhecimento de si mesmo. Este conhecimento é o que possibilita a valorização dos sonhos e a projeção das realizações no presente, permitindo-se avaliar a historicidade e o protagonismo espontâneo.

A busca pelo conhecimento de si é milenar. Em todas as culturas mais arcaicas, a pergunta pelo significado e sentido de ser se evidenciaram. Um bom exemplo vem da mitologia grega e a sua reconhecida narrativa do Oráculo de Delfos, como segue:

Os gregos acreditavam que o famoso oráculo de Delfos era capaz de lhes dizer coisas sobre o seu destino. Em Delfos, o deus do oráculo era Apolo. Ele falava através de sua sacerdotisa, Pítia, que ficava sentada num banquinho colocado sobre uma fenda na terra. Dessa fenda subiam vapores inebriantes, que colocavam pítia numa espécie de transe. E isto era necessário para que ela se tornasse o meio pelo qual Apolo falava.

Quem vinha a Delfos primeiro fazia suas perguntas para os sacerdotes locais, que iam consultar Pítia. A sacerdotisa do oráculo lhes dava uma resposta, que era tão incompreensível ou tão ambígua que os sacerdotes tinham que ‘interpretá-la’ para os consulentes.

Dessa forma, os gregos podiam se valer da sabedoria de Apolo, que , para eles, era o deus que sabia de tudo, tanto do passado quanto do futuro.

Muitos chefes de Estado não ousavam entrar numa guerra ou tomar decisões importantes sem antes consultar o oráculo de Delfos. Dessa forma, os sacerdotes de Apolo eram quase como diplomatas ou conselheiros, que possuíam um profundo conhecimento do povo e do país.

No templo de Delfos havia uma famosa inscrição: conhece-te a ti mesmo! E ela ficava ali para lembrar aos homens que eles não passavam de meros mortais e que nenhum homem pode fugir de seu destino.

Entre os gregos contavam-se muitas histórias de pessoas que tinham sifo apanhadas por seus destinos. Ao longo do tempo, uma série de peças – as tragédias – foi escrita sobre essas “trágicas” personalidades. O exemplo mais conhecido é a história do rei Édipo, que, na tentativa de fugir do seu destino, acaba correndo ao seu encontro. (GAARDNER, Jostein. O Mundo de Sofia. Romance da história da filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 66 e 67).

 

A narrativa sugere-nos os dois movimentos cruciais que nos acompanham em nossa busca pessoal: o movimento interno que busca as nossas emoções e sentimentos e o movimento externo que tem a ver com as nossas relações comunitárias. Assim, conhecer-se a si mesmo coaduna a ideia de um conhecimento do todo social. O desafio de se conhecer a si mesmo requer, também, uma retrospectiva dos acontecimentos que ocorreram desde o nascimento, até o tempo presente. Muito do que se é hoje, decorre das múltiplas vivências experimentadas desde a primeira infância. Conjuntamente ao se repensar o si, aglutina-se a cultura e todas as suas variantes. O si se constitui com o outro, também.

Um exemplo do que estamos considerando encontramos no filme Sociedade dos Poetas Mortos (1989), dirigido por Peter Wier. A narrativa retrata o ano de 1959. Numa tradicional escola preparatória, a Academia Welton – conhecida pela rigidez da sua formação e os seus quatro princípios elementares: tradição, honra, disciplina e excelência, um ex-aluno se torna o novo professor de literatura. Seus métodos de incentivar os alunos a pensarem por si mesmos cria um choque com a ortodoxa direção do colégio, principalmente quando ele fala aos seus alunos sobre a "Sociedade dos Poetas Mortos". Nele, encontramos a inegável importância do ato de se olhar para dentro de si mesmo, valorizado pelo Senhor Keating – Robin Williams e seu contínuo questionamento quanto aos princípios castradores da possibilidade quanto a novos conhecimentos, baseado em um poema de Walt Whitman, intitulado Oh Capitão! Meu Capitão! Em suas letras:

Oh capitão, meu capitão! Nossa viagem de medo findou

O navio resistiu a todas as tormentas, o prêmio que perseguíamos foi ganho

O porto está próximo, ouço os sinos, as pessoas todas exultam

Enquanto os olhos seguem a firme quilha, o raivoso e audaz barco

Mas oh coração! coração! coração!

O as rutilantes gotas de sangue

No tombadilho onde jaz meu capitão

caído, frio e morto

Oh capitão, meu capitão

Oh capitão, meu capitão! Levante-se e ouça os sinos

Erga-se - para você a bandeira tremula - para você tocam os clarins

Por você buquês e coroas de flores com fitas - para você as costas estão lotadas

Para você que eles chamam, a massa oscilante, suas faces ansiosas se viram

Aqui capitão! querido pai!

Este braço sob sua cabeça!

É algum sonho que no tombadilho

Você jaz frio e morto.

Meu capitão não responde, seus lábios estão pálidos e quietos

Meu pai não sente meu braço, ele não tem pulso nem vontade

O navio está ancorado são e salvo, sua viagem finda e encerrada

De uma horrível travessia o vitorioso barco vem com esse objeto ganho

Exulta, oh praia, e toquem, Oh sinos!

Mas eu com passos desolados

Ando pelo tombadilho onde jaz meu capitão

Caído, frio e morto.

 

Mediante o brado ao capitão em sua nau livre, a arte, a poesia e a liberdade, Keating convida os rapazes em suas aulas a refletirem por si mesmos, escrevendo poemas sobre si mesmos e os seus respectivos sentimentos, para fazê-los viver a dimensão do “CARPE DIEM” – Colha o dia, viva o momento. Trata-se da busca pelo conhecimento de si, suas possibilidades, qualidades e defeitos, mediante a utópica manifestação dos sonhos e das fantasias que não podem ser desprezados. Dessa forma, buscando o interior de si mesmo, o ser alcança as maiores noções da sua subjetividade, das singularidades e das potencialidades que constituem o ser.

No filme, estes ideais apresentados foram oprimidos e o resultado foi trágico, inclusive com o suicídio de um jovem, vivente em seus novos ideais.

Enfim, no Oráculo e no filme, manifesta-se o eterno conflito entre os nossos desejos libertários e as nossas inquietações automatizadas reais e cotidianas; entre a nossa sanha por liberdade e os aprisionamentos provocados pelo alheio. Em nosso busca pelo nosso eu, sempre sobrarão os ostracismos da sociedade. A subversão, o bom humor e a poesia sempre se constituirão em um bom caminho para o contentamento pessoal e subjetivo. Carpe diem...    

 

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