Em 2021,
quando estávamos vivendo a crise pandêmica da Covid-19, tive o privilégio de ser
contratado pela Escola Municipal Professor Renato Eloy de Andrade, para
ministrar a disciplina de Ensino Religioso para os adolescentes dos 6º ao 9º
anos. Para muitos, uma tarefa simples a ser exercida sem maiores esforços. Para
mim, um desafio cheio de possibilidades, afinal de contas, para quem havia
feito especialização, mestrado e doutorado na área de Ciência da Religião,
traduzir todos os prolegômenos das religiões para os adolescentes se
consistiria em uma nova experiência vivencial.
Eu
sei que a simples expressão Ensino Religioso sugere aspectos intrínsecos às
Igrejas e agremiações religiosas. Como pode uma escola sendo instituição laica,
marcada pela ideia de ensinar matemática, português, ciências, geografia e
história, dar-se ao luxo de proporcionar um estudo sobre as religiões? Como se
sabe, é notória a postura de se colocar esta disciplina em um segundo plano,
mas acho isso bastante oportuno. Nem tudo o que aparece na primeira prateleira possui
um maior valor. Todas as disciplinas provocam boas conduções aos valores presentes
na vida. De minha parte, afeito aos estudos e afoito pela partilha das
convivências religiosas, desejava ardentemente o contato com as experiências
múltiplas dos estudantes para um amplo e amistoso debate conjunto. Em vão. Com
a declaração da ONU quanto ao perigo da pandemia, formos orientados ao
afastamento social e às vivências remotas. Em nosso caso, na EMPREA,
construímos apostilas de trabalho para a continuidade do ensino junto aos
adolescentes.
Esmerei-me
na tarefa de escrever os textos com base nas orientações do MEC, do FONAPER e
das diretrizes educacionais sobre o Ensino Religioso, tal como apontadas pelo
estado de Minas Gerais. Escrevi, assim, oito textos, dois para cada bimestre,
considerando histórias, memórias, ritos e símbolos das religiões das matrizes
indígenas, africanas e europeias, dando valor a todas elas. Aproveitei para
sistematizar tais assuntos com as polêmicas mais atualizadas, propondo exemplos
simples e atividades reflexivas. Infelizmente, os retornos das apostilas
revelaram o pouco interesse dos adolescentes. Somente alguns respondiam ou
interagiam, mas eu entendia que tudo aquilo fazia parte de um processo novo que
requeria muitas adaptações e ajustes.
Quando
as aproximações começaram a se estabelecer, mediante a observação de dezenas de
protocolos como o uso de máscaras e álcool gel, demos início em meados de
setembro aos processos híbridos e encontros nas salas de aulas. Foi neste
período que tive contato com os professores e as professoras, bem como os
funcionários e adolescentes. Tudo era novo e estranho. Então, começaram a
surgir novas amizades. Primeiramente, com o Fernando, depois com a Cassandra, a
Raquel, o Daniel, o Emerson, o Eduardo, a Geruza, a Rosane, a Vera, a Andréa, o
Thiago, o Bruno, a Alice, a Jussara, entre outros. Depois, as aproximações fortuitas com os
adolescentes. Os estudantes do 6º ano eram pinga-fogo e se reuniam em uma sala
pequena com mais de 40 adolescentes que pularam do 3º ano para o 6º sem os
devidos processos de aprendizado, cognição e educação. Os adolescentes do 7º e
do 8º anos se encontravam bem desinteressados. Os do 9º ano eram poucos, especialmente
meninas, mas demonstravam uma ânsia por novas abordagens. Caminhamos em nosso
processo educacional como deu. Tudo ocorreu em conformidade.
No
último dia do ano, antes do período de recesso, com o SisLame – ferramenta
responsável pela gestão escolar – preenchido, fomos para o Rei do Lambari para
realizarmos uma hora feliz. Almoçamos, bebemos e jogamos conversa fora, não
necessariamente nessa ordem. Foi muito bom o tempo de convivência. Ao final, o
Emerson me presenteou com uma garrafa de cachaça da boa. Degustei-a,
posteriormente, em celebração à nova amizade.
As festividades
do final de ano aconteceram. Depois vieram as férias e, após estas, o início do
novo ciclo de estudos. Confesso que eu estava empolgado para montar diversos
projetos com os estudantes. A vontade de apresentar todos os pormenores das
religiões, conjugando-os aos elementos de cada cultura me davam certo vigor.
Todavia, uma coisa é o que se projeta na cabeça, outra, bem diferente, é a
realidade do chão vivencial escolar. As demandas pessoais que cada um dos
adolescentes trazia para a sala de aula entravam em ebulição nas convivências e
dificultavam as formas de convívio que envolve a relação entre o corpo docente
e o corpo discente. Acresce-se a essa percepção, a perspectivas dos elementos
desafiantes que compõem os processos educacionais na atualidade. É o caso, por
exemplo, da ebulição dos meios de comunicação e a facilidade que cada
adolescente possui em buscar o seu autoconhecimento na palma da mão, mediante
seus aparelhos Smartphone. Infelizmente, o modelo que ainda vigora é oriundo do
século XVIII, com sua lousa e giz à base de cal. Em um mundo altamente
tecnológico, a condição à qual o professor ou a professora se encontram é
arcaico. Mas não vamos problematizar o que já é bem problematizado.
O
que importa para mim, então? A gratidão e a certeza de que cumpri o meu papel
enquanto professor na EMPREA. Em nada perfeito, mas engajado dentro daquilo que
me foi possível oferecer continuamente aos adolescentes.
Desligo-me
da EMPREA por conta das leis administrativas que regem os processos
educacionais no estado de Minas Gerais. Eu as entendo e acolho pacificamente o entendimento
e as interpretações que se dão de forma muito sóbria. Para a resolução desse
problema, eu precisaria fazer uma licenciatura, pois tenho dois bacharelados,
mas confesso o meu cansaço para me formar em mais uma faculdade.
Sendo
assim, despeço-me desejando vivamente que os adolescentes da EMPREA não deixem
seus sonhos escorrerem entre as mãos. Eu sempre acreditei no potencial de cada um
deles, sabedor de que é através do conhecimento de mundo que podemos alçar
novas possibilidades em nossas vidas. A despeito da situação socioeconômica de
cada estudante, em seus respectivos nichos familiares, os corredores
educacionais são aqueles que podem gerar mais vida na vida, mudança de status quo, ou diversos encantamentos em
prol de uma formação mais efetiva nos campos do saber.
Os
processos educacionais são complexos e como nos disse Paulo Freire em seu livro
O Educador da Liberdade: “Eu sou um intelectual
que não tem medo de ser amoroso. Amo as gentes e amo o mundo. E é porque amo as
pessoas e amo o mundo que eu brigo para que a justiça social se implante antes
da caridade”. E foi com o amor aos colegas e estudantes que me senti um
fazedor da justiça social, tudo dentro das possibilidades que estavam em minhas
mãos.
Enfim, que o amor ao trabalho e à vida continue a nos motivar
em toda a demanda dos nossos dias. Esperancemos, pois é o que nos resta na lida
dos dias.
Afetuoso abraço a cada um amigo.