sexta-feira, 1 de março de 2024

DIA 67 - Repensando os relacionamentos na trilha da amizade



Eu sempre gostei de acolher as pessoas em seus momentos difusos sem estabelecer qualquer tipo de preconceito ou julgamento prévio. Sempre gostei de abordar as questões mais íntimas da alma humana de uma maneira tal que as pessoas pudessem encontrar novas saídas ou possibilidades para as suas formas de existência neste mundo.

Nunca fui de considerar o certo e o errado em meus diálogos ou conversas alhures. Sempre entendi o elemento paradoxal que se encontra presente em cada um de nós, deslindando as nossas próprias contradições e sentimentos conturbados. Incluo-me nisso. De fato, nossa natureza humana é realmente contraditória e cheia de percalços ininteligíveis.

Porque assim faço, especialmente no acolhimento ao humano, muitas vezes sou interpretado equivocadamente pelas pessoas. O pior é quando usam os meus pensamentos e as minhas palavras de forma indevida e sem o meu consentimento. Fazendo assim, salvaguardam os seus e colocam o “meu” na reta para poderem se estabelecer mais tranquilamente com as suas consciências. Todavia, com este tipo de atitude, elas desferem um forte golpe na minha pessoa. Se tem um sentimento que tira de mim todas as minhas potencialidades e energias, ele se refere justamente à forma como relações bem construídas ao longo dos tempos são dispensadas rapidamente por conta de comentários ou posicionamentos bastante estranhos e sem o necessário diálogo. Sinto muito quando as relações não são tratadas de uma forma consistente e amorosa.

Infelizmente, as pessoas criam narrativas ou pensamentos esquisitos em relação ao que realmente sou e o que realmente penso para se salvaguardarem, não sei do quê?Sempre procurei deixar muito claro a quem quer que seja os passos dos meus pés. Sempre deixei aberto aos mais próximos as minhas perdas e desistências para defender a minha honra e a minha dignidade. Não tenho medo de desistir quando sou destratado  ou agredido de alguma maneira. Entretanto, isso desperta em mim um sentimento combativo e até animalesco . Eu sei desprezar as pessoas, mesmo sendo educado e elegante. Eu sei, ao mesmo tempo, ferir usando as palavras agressivamente, como se fossem adagas afiadas e pontiagudas. Tenho medo deste meu lado mais obscuro, contudo ele tem sido despertado paulatinamente por pessoas a quem confiei os meus pensamentos, as minhas ideias e até mesmo a minha intimidade.

Eu que sempre declarei meu caso de amor às pessoas e suas contradições me encontro em reconsiderações sobre tal tônica, especialmente porque não cabem em uma mão as pessoas as quais se pode confiar aquilo de mais precioso que existe em mim, no âmago dos sentimentos do outro que se expõe.

Eu que sempre vi a Psicologia como uma zona afeita a potencializar o ser humano nas suas capacidades vivenciais e os seus pormenores, passei a colocá-la em xeque. Entendo que o objetivo de uma psicoterapia é provocar as pessoas a saírem de suas vidas pacatas, embotadas e emboloradas, para assumirem uma melhor versão de si mesmas. Só que neste afã, as pessoas usam as palavras preferidas em um setting terapêutico - ambiente de extrema confiabilidade - para a sua própria satisfação e salvaguarda. Eu até entendo que é direito de todo mundo buscar o anteparo reflexivo para justificar as suas ações cotidianas, mas usar as palavras da intimidade, a fala profissional, para se justificarem não é de bom tom.  A autonomia e a dignidade de cada um deve ser estruturada em cima da vida assumida por cada qual e não sobre o embasamento de uma fala que só almeja querer o bem do outro

É muito ruim quando se é julgado sem ter direito à defesa ou à contraposição, sem ter direito a falar o que realmente precisa ser dito. É fácil condenar o outro sem lhe dar o direito ao contraditório. O desrespeito deve ser rechaçado e pessoa alguma precisa ser crucificada.

De minha parte, eu nunca me considerei melhor do que ninguém, tampouco superior a qualquer pessoa que eu conheça ou desconheça. Conheço as minhas debilidades e por conhecê-las, passo a respeitar a debilidade do outro, seus sentimentos e dificuldades quaisquer. No fundo, eu gostaria de ser medido com a mesma régua que meço as pessoas, mas é só uma utopia da minha parte. Eu gostaria, também, que a flâmula do respeito, essa dimensão tão vital para o enriquecimento das relações, fosse hasteada no alto de um monte qualquer.

Eu sei que todas as pessoas que possuem uma visão idealista da vida e até mesmo do ser humano desejam fazer coisas que tenham um significado maior. Eu, no auge dos meus 53 anos, abraço continuamente a oportunidade de ler e conhecer os distintos mundos que me cercam a fim de provocar mudanças em prol das potências, nem que seja no quintal de uma humanidade qualquer. Eu leio, estudo e pesquiso todos os dias para poder ter uma compreensão maior das contradições humanas, e descubro que o meu idealismo precisa ser jogado na lata de lixo, pois não serve pra coisa alguma, a não ser pra ser questionado pelas pessoas alheias.

Por enquanto, sigo a minha trilha trocando os meus passos com o intuito de salvaguardar o mínimo que ainda há ou que resiste, fazendo questão de me manter firme, mesmo diante das dificuldades relacionais que me afrontam.

Amanhã é um novo dia e eu vou me dar ao luxo de caminhar com os pés desnudos na areia branca da praia, para banhar-me de sal e de esperança. Vou me organizar em meus devaneios, nem que para isso, me recolha em uma rede bem bordada para conversar com a escuridão do meu silêncio e, assim, abrandar os meus sentimentos em meus novos caminhos.

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