sexta-feira, 1 de setembro de 2023

DIA 37 - A vida que a gente leva - Das abstrações à concretude

 



A sabedoria milenar sempre se debruçou frente à existência humana para dissecar o sentido de ser no mundo. Os antiquíssimos registros arqueológicos nos revelam elementos substanciais que corroboram com a nossa incipiente afirmação. Com o advento da abertura das bibliotecas em mosteiros e a invenção da imprensa em fins do século XV, obras copiadas e recopiadas dos clássicos gregos se espraiaram pelo contexto Ocidental desembocando na Renascença, onde filósofos, artistas e poetas entenderam que o ser humano poderia ser compreendido ou se autocompreender na metáfora do tempo, num canto qualquer chamado espaço.

Tempo e espaço são grandes aliados dos seres preocupados com a dimensão da existência, propriamente dita. Nestas duas dimensões, inexistentes para todos os demais seres dos distintos reinos, somente o ser humano se ocupa da tarefa de celebrar os múltiplos períodos de investimento físico, emocional e transcendental, evidenciando os elementos cruciais das vivências que ressignificam a vida de cada um no tempo presente.

Ao pensar sobre a ressignificação da existência a partir das vivências, busco provocar um universo de sentimentos no “aqui e agora”, entendendo que neste presente – que é o nosso presente –, condensamos os anos passados e projetamos no campo hipotético da esperança, o futuro que nunca será, pois já é.

É no presente que enfrentamos os desafios diversos e nos esmeramos em múltiplas atividades, abraçando o que deu pra abraçar, fazendo o que deu pra fazer, mesmo quando a crença em nós mesmos não foi possível, devido a diversas contingências do cotidiano.

Neste processo, nos entrechocamos com pessoas diversas que partilham ou não, com a gente, um bocado de pão. Isso fica muito bem ilustrado na expressão musical do cantor Renato Russo quando poetizou:

Mas é claro que o sol vai voltar amanhã, mais uma vez, eu sei. Escuridão já vi pior, de endoidecer gente sã. Espera que o sol já vem. Tem gente que está do mesmo lado que você, mas deveria estar do lado de lá. Tem gente que machuca os outros. Tem gente que não sabe amar. Tem gente enganando a gente, veja a nossa vida como está. Mas eu sei que um dia a gente aprende, se você quiser alguém em quem confiar. Confie em si mesmo. Quem acredita sempre alcança. Nunca deixe que lhe digam que não vale a pena acreditar no sonho que se tem Ou que seus planos nunca vão dar certo, ou que você nunca vai ser alguém. Tem gente que machuca os outros, tem gente que não sabe amar. Mas eu sei que um dia a gente aprende se você quiser alguém em quem confiar

Confie em si mesmo. Quem acredita sempre alcança”.

 

Essa canção indica a importância da presença de boas pessoas ao nosso lado, embora uma grande gama ao nosso redor seja de gente que não sabe amar. Ao mesmo tempo, enfatiza a crença de que cada pessoa deve acreditar em si, pois dessa maneira alcança o que se espera. Ora, não se trata de um preciosismo em relação à individualidade pessoal, marcado pelo sabor da vitória, mas de entender que é relevante e prazeroso chegar ao cume de um propósito determinado.

 

Diante dessas nossas observações, algumas eivadas de certo teor filosófico, preciso ser um pouco mais pragmático, mesmo porque em minha concepção, é fundamental transformarmos os nossos universalismos abstratos em perspectivas mais concretas. A passagem dos discursos para as práticas se estabelece como eixo fundamental para o desenvolvimento de uma vida mais equilibrada na jornada existencial. Portanto, serei ousado em apresentar algumas considerações pontuais que visam apontar parâmetros para a transição do abstrato para o concreto.

Em primeiro lugar, é fundamental que se acredite no aprofundamento das questões que realmente importam na vida que, por sua vez, não é estática. Aliás, ela é sempre um movimento em contínuas revoluções. Jamais atingiremos determinado patamar em nossa vivência, mesmo porque qualquer pessoa que se sinta no cume do monte, está principiando para si, a ruína. Achar que já se sabe ou se conquistou tudo é arruinar-se rapidamente.

Em segundo lugar, acho que todas as pessoas que vivem no mundo precisam estabelecer uma boa composição entre a vontade de ser o melhor e a humildade. Ora, não podemos nos furtar ao exercício da ambição. Claro que não devemos ser tomados de ambição, mas um pouco dela é essencial para nos tirar do estágio de letargia. Ela não pode ser exagerada, pois daí se torna uma patologia social insustentável. O fato é que precisamos nos esforçar para sermos melhores naquilo que somos ou naquilo que fazemos, sem perder a humildade, tão cara à humanidade. Eu acredito que a boa combinação entre a vontade de ser o melhor e a humildade são fundamentos para o bem-estar de cada qual.

 

Em terceiro lugar, segue a admoestação quanto ao cuidado pessoal. Tudo o que fazemos na vida requer o cuidado do corpo e dos sentimentos. É sumamente importante remir o tempo e aproveitar cada instante como sendo o último. Nesse quadro específico, é preciso que cada um exija de si mesmo o cuidado na dimensão integral da vida. Se o corpo e os sentimentos se encontram na zona do equilíbrio, então, tudo o mais estará em ordem.

E finalmente volto à inquietante pergunta pelo sentido da vida. Afinal de contas, por que nos gastamos em tempos de transformação para almejarmos a dignidade ou algum reconhecimento? Ora, é prazeroso demais ganharmos o reconhecimento de algo ou de alguma coisa que fizemos, mas o principal reconhecimento é o que parte de nós mesmos. Em minha concepção, não existem possibilidades de mensurar os valores que se aglutinam num tempo de conquistas e perdas pessoais, mas é bom quando nos empenhamos em uma ação visando um determinado objetivo, alcançando o resultado dignamente. Em cada pequena conquista cotidiana, construímos o nosso eu e alçamos o sentido de nossa vida que, em suma, é a própria vida que vivenciamos.

DIA 71 - Olho e língua da minha amiga - Em memória de Iracy Costa Rampinelli

  Quando eu era criança, sempre me convidavam para as festas de aniversários. Eu, que nunca tive festas de aniversário, ficava deslumbrado c...