A
sabedoria milenar sempre se debruçou frente à existência humana para dissecar o
sentido de ser no mundo. Os antiquíssimos registros arqueológicos nos revelam
elementos substanciais que corroboram com a nossa incipiente afirmação. Com o
advento da abertura das bibliotecas em mosteiros e a invenção da imprensa em
fins do século XV, obras copiadas e recopiadas dos clássicos gregos se espraiaram
pelo contexto Ocidental desembocando na Renascença, onde filósofos, artistas e
poetas entenderam que o ser humano poderia ser compreendido ou se autocompreender
na metáfora do tempo, num canto qualquer chamado espaço.
Tempo
e espaço são grandes aliados dos seres preocupados com a dimensão da
existência, propriamente dita. Nestas duas dimensões, inexistentes para todos
os demais seres dos distintos reinos, somente o ser humano se ocupa da tarefa
de celebrar os múltiplos períodos de investimento físico, emocional e transcendental,
evidenciando os elementos cruciais das vivências que ressignificam a vida de
cada um no tempo presente.
Ao
pensar sobre a ressignificação da existência a partir das vivências, busco
provocar um universo de sentimentos no “aqui e agora”, entendendo que neste
presente – que é o nosso presente –, condensamos os anos passados e projetamos
no campo hipotético da esperança, o futuro que nunca será, pois já é.
É no
presente que enfrentamos os desafios diversos e nos esmeramos em múltiplas
atividades, abraçando o que deu pra abraçar, fazendo o que deu pra fazer, mesmo
quando a crença em nós mesmos não foi possível, devido a diversas contingências
do cotidiano.
Neste
processo, nos entrechocamos com pessoas diversas que partilham ou não, com a
gente, um bocado de pão. Isso fica muito bem ilustrado na expressão musical do
cantor Renato Russo quando poetizou:
“Mas é claro que o sol vai voltar amanhã,
mais uma vez, eu sei. Escuridão já vi pior, de endoidecer gente sã. Espera que
o sol já vem. Tem gente que está do mesmo lado que você, mas deveria estar do
lado de lá. Tem gente que machuca os outros. Tem gente que não sabe amar. Tem
gente enganando a gente, veja a nossa vida como está. Mas eu sei que um dia a
gente aprende, se você quiser alguém em quem confiar. Confie em si mesmo. Quem
acredita sempre alcança. Nunca deixe que lhe digam que não vale a pena
acreditar no sonho que se tem Ou que seus planos nunca vão dar certo, ou que
você nunca vai ser alguém. Tem gente que machuca os outros, tem gente que não
sabe amar. Mas eu sei que um dia a gente aprende se você quiser alguém em quem
confiar
Confie em si mesmo. Quem
acredita sempre alcança”.
Essa
canção indica a importância da presença de boas pessoas ao nosso lado, embora uma
grande gama ao nosso redor seja de gente que não sabe amar. Ao mesmo tempo, enfatiza
a crença de que cada pessoa deve acreditar em si, pois dessa maneira alcança o que
se espera. Ora, não se trata de um preciosismo em relação à individualidade
pessoal, marcado pelo sabor da vitória, mas de entender que é relevante e
prazeroso chegar ao cume de um propósito determinado.
Diante
dessas nossas observações, algumas eivadas de certo teor filosófico, preciso
ser um pouco mais pragmático, mesmo porque em minha concepção, é fundamental transformarmos
os nossos universalismos abstratos em perspectivas mais concretas. A passagem
dos discursos para as práticas se estabelece como eixo fundamental para o desenvolvimento
de uma vida mais equilibrada na jornada existencial. Portanto, serei ousado em
apresentar algumas considerações pontuais que visam apontar parâmetros para a
transição do abstrato para o concreto.
Em
primeiro lugar, é fundamental que se acredite no aprofundamento das questões que
realmente importam na vida que, por sua vez, não é estática. Aliás, ela é sempre
um movimento em contínuas revoluções. Jamais atingiremos determinado patamar em
nossa vivência, mesmo porque qualquer pessoa que se sinta no cume do monte,
está principiando para si, a ruína. Achar que já se sabe ou se conquistou tudo
é arruinar-se rapidamente.
Em
segundo lugar, acho que todas as pessoas que vivem no mundo precisam
estabelecer uma boa composição entre a vontade de ser o melhor e a humildade.
Ora, não podemos nos furtar ao exercício da ambição. Claro que não devemos ser
tomados de ambição, mas um pouco dela é essencial para nos tirar do estágio de
letargia. Ela não pode ser exagerada, pois daí se torna uma patologia social
insustentável. O fato é que precisamos nos esforçar para sermos melhores
naquilo que somos ou naquilo que fazemos, sem perder a humildade, tão cara à
humanidade. Eu acredito que a boa combinação entre a vontade de ser o melhor e
a humildade são fundamentos para o bem-estar de cada qual.
Em terceiro
lugar, segue a admoestação quanto ao cuidado pessoal. Tudo o que fazemos na
vida requer o cuidado do corpo e dos sentimentos. É sumamente importante remir
o tempo e aproveitar cada instante como sendo o último. Nesse quadro
específico, é preciso que cada um exija de si mesmo o cuidado na dimensão
integral da vida. Se o corpo e os sentimentos se encontram na zona do
equilíbrio, então, tudo o mais estará em ordem.
E
finalmente volto à inquietante pergunta pelo sentido da vida. Afinal de contas,
por que nos gastamos em tempos de transformação para almejarmos a dignidade ou algum
reconhecimento? Ora, é prazeroso demais ganharmos o reconhecimento de algo ou
de alguma coisa que fizemos, mas o principal reconhecimento é o que parte de
nós mesmos. Em minha concepção, não existem possibilidades de mensurar os
valores que se aglutinam num tempo de conquistas e perdas pessoais, mas é bom
quando nos empenhamos em uma ação visando um determinado objetivo, alcançando o
resultado dignamente. Em cada pequena conquista cotidiana, construímos o nosso
eu e alçamos o sentido de nossa vida que, em suma, é a própria vida que
vivenciamos.