Por mais que todos nós lutemos contra a estrutura de pensamento
maniqueísta que divide o mundo entre o bem e o mal, tornando a multiplicidade
de argumentações extremamente empobrecidas, sempre nos debateremos com essa
tônica em discussões e falácias no cotidiano. Invariavelmente, buscamos separar
ovelhas de bodes e assim, quem sabe, estabelecermos diferenças em relação a si
e ao outro.
Entretanto, agir dessa forma somente provoca mais cisões e
separações. De alguma forma, torna-se fundamental compreender que não há uma
luta entre o bem e o mal, mas sim, uma luta entre princípios, pois como bem
sabemos, pessoas pensam diferente de outras pessoas e, igualmente, pensam
diferente em relação a quase todos os temas inerentes à vida. Nesta premissa
reside a riqueza da diversidade.
Numa modernidade como a nossa, quem sabe líquida, para usar aqui a
expressão de Zygmunt Bauman, fechamentos de ideias absolutas não cabem. Embora
seja evidente o fato de que muitos agrupamentos sociais procurem determinar
zelosamente seus limites, o campo das ágoras, a arena destinada à
discussão ou o diálogo entre os diferentes, continua a ser o terreno fértil
onde as possibilidades mais criativas em prol do bem-estar comum entre as
gentes pode se afirmar. Em minha percepção, as boas resoluções relacionais
podem favorecer uma melhor harmonização dos sentimentos, quando possível.
Ora, todos somos sínteses de contradições. Pessoa alguma pode
ab-rogar para si o direito de ser pura ou isenta de paradoxos. Pessoa assim não
existe e todos nós sabemos disso. Então, como sínteses de contradições, cada
ser pendula entre as paixões e as razões e, muitas vezes, se perdem em ambas.
Por isso, não concordo com as argumentações que polarizam as pessoas, quando é mais
sensato polarizar as ideias. Pessoas não precisam ser julgadas, mas as suas
ideias sim. Claro que as ideias e as posturas têm a ver com as pessoas.
Entretanto, existem momentos em que as paixões falam mais alto e as pessoas
passam a se ferir com palavras e com comportamentos. Quando um conflito chega
neste estágio, não há vencedores. Todos perdem, infelizmente.
Há momentos em que o golpe de sabedoria requer o aquietar do
coração e a contínua luta contra as hostes das ideias equivocadas, sem a perda da
ternura pelas pessoas. Eu ainda acredito que por intermédio dos atos cuidadosos
para com uma pessoa, é possível fazer a diferença na vida, mesmo quando
necessário se recolher à caverna com o intuito buscar a sanidade dos
sentimentos. Sempre é preciso aliviar as tensões e estender os braços em
direção ao outro, mesmo o outro que pensa de forma diametralmente oposta.
Na época da ditadura militar, poucos ingentes determinavam como deveria
ser a vida da maioria. É horrível ter a vida determinada por tartarugas que
estão em cima das árvores. Eu, particularmente, não tenho nenhum problema em
cumprir determinações, desde que elas sejam promulgadas por quem se constitui
legal e legitimamente. Doutra forma, acesso o meu modo “desobediência civil” e
ignoro os processos e as tartarugas.
Com essas premissas em mente, eu resolvi aplicar em minha vida
dinâmica algumas desistências pertinentes que me oportunizam viver mais consciente
de minhas próprias balizas pessoais. Seguem-se:
1. Desisto de querer controlar tudo em minha vida ou na vida de qualquer pessoa,
a fim de respeitar, mais detidamente, os movimentos e as experiências, os
ciclos dos ventos e das águas sem apressar qualquer deles;
2. Desisto de viver a minha vida na linha da mediocridade para ser
mais ativo nos relacionamentos com as pessoas abertas aos diálogos e bons
debates;
3. Desisto de achar que pessoas e problemas conspiram contra o que
sou ou deixo de ser, o que faço ou deixo de fazer. O fundamental é sempre ligar
o famoso botão do “foda-se”;
4. Desisto de viver uma vida importunada com o jeito de ser do
outro, para me gastar com as disputas que realmente importam no tecido social;
5. Desisto de jogar a culpa no outro, para assumir o fato de que a
responsabilidade pela minha vida é tão somente minha;
6. Desisto de cargos, posições sociais ou mesmo de me afirmar em
um pretenso status quo, para assumir
a minha postura, pois o mais importante é viver como dá, como posso. Enquanto
aguentar, vou mantendo o meu carro velho em ordem;
7. Desisto de criticar as pessoas para estabelecer uma
autocrítica;
8. Desisto de abraçar meu egocentrismo, para ser mais ego-transcendental
e, assim, viver de forma mais espontânea a minha jornada existencial;
9. Desisto de viver o amor na superfície, para aprofundá-lo em
suas dinâmicas com a finalidade de experimentá-lo como genuíno néctar em meu
coração;
10. Desisto, enfim, de desistir de viver a minha vida sem o sabor da
amargura, para destilar em meu peito a alegria e a autenticidade de ser quem eu
sou.
Assim, diante das lutas estruturais dos famigerados pensamentos empobrecidos,
anteriormente denunciados, afirmo uma vez mais a fulcral consciência para se fugir
dos contrassensos com vias a investir em relações leves e divertidas. Nada de
tensões bobas e infundadas. O respeito à diversidade é fundamental, mas viver
de boa, sem pesos e compromissos bestas é ainda mais. Importa desistir do que
não vale à pena.