quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

DIA 57 - Fugindo dos maniqueísmos, desistindo do que não vale à pena...

 


Por mais que todos nós lutemos contra a estrutura de pensamento maniqueísta que divide o mundo entre o bem e o mal, tornando a multiplicidade de argumentações extremamente empobrecidas, sempre nos debateremos com essa tônica em discussões e falácias no cotidiano. Invariavelmente, buscamos separar ovelhas de bodes e assim, quem sabe, estabelecermos diferenças em relação a si e ao outro.

Entretanto, agir dessa forma somente provoca mais cisões e separações. De alguma forma, torna-se fundamental compreender que não há uma luta entre o bem e o mal, mas sim, uma luta entre princípios, pois como bem sabemos, pessoas pensam diferente de outras pessoas e, igualmente, pensam diferente em relação a quase todos os temas inerentes à vida. Nesta premissa reside a riqueza da diversidade.

Numa modernidade como a nossa, quem sabe líquida, para usar aqui a expressão de Zygmunt Bauman, fechamentos de ideias absolutas não cabem. Embora seja evidente o fato de que muitos agrupamentos sociais procurem determinar zelosamente seus limites, o campo das ágoras, a arena destinada à discussão ou o diálogo entre os diferentes, continua a ser o terreno fértil onde as possibilidades mais criativas em prol do bem-estar comum entre as gentes pode se afirmar. Em minha percepção, as boas resoluções relacionais podem favorecer uma melhor harmonização dos sentimentos, quando possível.

Ora, todos somos sínteses de contradições. Pessoa alguma pode ab-rogar para si o direito de ser pura ou isenta de paradoxos. Pessoa assim não existe e todos nós sabemos disso. Então, como sínteses de contradições, cada ser pendula entre as paixões e as razões e, muitas vezes, se perdem em ambas. Por isso, não concordo com as argumentações que polarizam as pessoas, quando é mais sensato polarizar as ideias. Pessoas não precisam ser julgadas, mas as suas ideias sim. Claro que as ideias e as posturas têm a ver com as pessoas. Entretanto, existem momentos em que as paixões falam mais alto e as pessoas passam a se ferir com palavras e com comportamentos. Quando um conflito chega neste estágio, não há vencedores. Todos perdem, infelizmente.

Há momentos em que o golpe de sabedoria requer o aquietar do coração e a contínua luta contra as hostes das ideias equivocadas, sem a perda da ternura pelas pessoas. Eu ainda acredito que por intermédio dos atos cuidadosos para com uma pessoa, é possível fazer a diferença na vida, mesmo quando necessário se recolher à caverna com o intuito buscar a sanidade dos sentimentos. Sempre é preciso aliviar as tensões e estender os braços em direção ao outro, mesmo o outro que pensa de forma diametralmente oposta.

Na época da ditadura militar, poucos ingentes determinavam como deveria ser a vida da maioria. É horrível ter a vida determinada por tartarugas que estão em cima das árvores. Eu, particularmente, não tenho nenhum problema em cumprir determinações, desde que elas sejam promulgadas por quem se constitui legal e legitimamente. Doutra forma, acesso o meu modo “desobediência civil” e ignoro os processos e as tartarugas.

Com essas premissas em mente, eu resolvi aplicar em minha vida dinâmica algumas desistências pertinentes que me oportunizam viver mais consciente de minhas próprias balizas pessoais. Seguem-se:


1. Desisto de querer controlar tudo em minha vida ou na vida de qualquer pessoa, a fim de respeitar, mais detidamente, os movimentos e as experiências, os ciclos dos ventos e das águas sem apressar qualquer deles;

2. Desisto de viver a minha vida na linha da mediocridade para ser mais ativo nos relacionamentos com as pessoas abertas aos diálogos e bons debates;

3. Desisto de achar que pessoas e problemas conspiram contra o que sou ou deixo de ser, o que faço ou deixo de fazer. O fundamental é sempre ligar o famoso botão do “foda-se”;

4. Desisto de viver uma vida importunada com o jeito de ser do outro, para me gastar com as disputas que realmente importam no tecido social;

5. Desisto de jogar a culpa no outro, para assumir o fato de que a responsabilidade pela minha vida é tão somente minha;

6. Desisto de cargos, posições sociais ou mesmo de me afirmar em um pretenso status quo, para assumir a minha postura, pois o mais importante é viver como dá, como posso. Enquanto aguentar, vou mantendo o meu carro velho em ordem;

7. Desisto de criticar as pessoas para estabelecer uma autocrítica;

8. Desisto de abraçar meu egocentrismo, para ser mais ego-transcendental e, assim, viver de forma mais espontânea a minha jornada existencial;

9. Desisto de viver o amor na superfície, para aprofundá-lo em suas dinâmicas com a finalidade de experimentá-lo como genuíno néctar em meu coração;

10. Desisto, enfim, de desistir de viver a minha vida sem o sabor da amargura, para destilar em meu peito a alegria e a autenticidade de ser quem eu sou.

Assim, diante das lutas estruturais dos famigerados pensamentos empobrecidos, anteriormente denunciados, afirmo uma vez mais a fulcral consciência para se fugir dos contrassensos com vias a investir em relações leves e divertidas. Nada de tensões bobas e infundadas. O respeito à diversidade é fundamental, mas viver de boa, sem pesos e compromissos bestas é ainda mais. Importa desistir do que não vale à pena.

 

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