terça-feira, 28 de maio de 2024

DIA 73 - Separações acontecem e a vida segue como dá...

 

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Quando penso sobre o processo que envolve as separações conjugais, constato que muito do possível sofrimento que acomete o casal não se restringe ao que ocorre na intimidade, mas aos envolvimentos relacionais e pessoais – familiares e amigos – que, por conta da experiência de cada qual, acabam exercendo certa pressão sobre as pessoas que decidiram pelo rompimento do contrato. Ora, é preciso afirmar que as separações fazem parte da vida das pessoas em geral e dos casais, em particular.

Num passado não tão longínquo, as pessoas se casavam por entenderem que este era o processo comum da vivência social. Casavam-se, tinham filhos e conduziam o cotidiano como dava. Ademais, era o caminho possível para se fazer sexo sem condenações familiares ou de forma segura, afinal de contas, uma jovem ficar grávida era, muitas vezes, considerada uma tragédia familiar. Sei de casos que jovens meninas foram expulsas de suas próprias casas, pelo simples fato de terem engravidado. Em geral, essas jovens meninas eram abandonadas pelos seus paqueras ou namorados, como se a culpa da gravidez fosse só delas. Quando se casavam, os rapazes o faziam contrariados e nunca se engajavam na relação. Tornavam a vida da mulher um inferno. Acresce-se às minhas considerações, também, o medo que rondava a juventude quanto à contaminação do vírus da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – AIDS e outras infecções sexuais. O casamento era percebido como o melhor preservativo.

Não vou entrar em argumentações alusivas aos períodos anteriores, especialmente em como se davam as relações ou os combinados conjugais, mas indico a obra Novas Formas de Amar, escrito por Regina Navarro Lins, para maiores conhecimentos sobre as temáticas dos conflitos e possibilidades relacionais, bem como as falácias decorrentes do amor romântico.

De qualquer forma, em minha percepção particular, na atualidade, as pessoas se casam por se gostarem, se amarem ou por acordarem um projeto de vida que pode ser finalizado, mediante um processo sensato ou não. Isso já estava previsto na frase da filósofa francesa Simone de Beauvoir: “Não são as pessoas que são responsáveis pelo falhanço do casamento, é a própria instituição que é pervertida desde a origem”. De fato, o casamento é algo que acontece sem que se tenha certeza de como vai ficar, pois não existe nenhum elemento que garanta a sua estruturação permanente. Nenhum mapa da felicidade. A dinamicidade da vida exige novas movimentações. Como todas as dimensões da vida, o casamento também é passível de mudanças. As pessoas casadas estão expostas a mudanças. Num primeiro momento, aquela paixão avassaladora conjugada aos desejos subjetivos. Num segundo momento, as cobranças e as tentativas frustradas quanto a querer mudar o outro. No terceiro momento, a ignorância e as discussões insensatas. Num quarto momento, o desprezo e a falta de interesse. No quinto, a necessidade de sair da agonia a fim de abraçar a alegria da liberdade, da autonomia e da dignidade de se ser quem se é.

Eu sou daqueles que acredito que o amor nunca acaba, mas que adquire novas formas de conexão com o outro, o que é legítimo. Acho que todas as pessoas envolvidas em um terreno social devem entender que no movimento dos corpos na vida, as coisas esquentam e esfriam, como nos lembra Guimarães Rosa. Se entendemos que a vida tem as suas mutações, quem poderia ter o direito de cobrar do outro qualquer tipo de crítica quanto ao encerramento de uma relação conjugal ou mudança do tônus do amor?

Em minha concepção, cabe às pessoas próximas o acolhimento aos sentimentos que estão confusos na cabeça dos que estão se separando. As razões íntimas pertencem aos envolvidos, tão somente. Para mim, os sentimentos precisam ser acolhidos, em especial a espontaneidade do casal quanto a ruptura relacional. Uma relação conjugal não pode ser mantida a qualquer custo. Eu, que sempre aprofundei diversas dinâmicas relacionais em reflexões, escritos e palestras sobre a família sempre fui muito consciente dos encontros e desencontros que se estabelecem nas relações em geral. De minha parte, nunca expus um casamento ou uma família feliz e realizada. Sei das complexidades que me envolvem e as que envolvem os que comigo convivem. Sei também da exposição de cada um às mutações contínuas.

Quando os vínculos se desencaixam, é fundamental que o casal tome a decisão pelo bem-estar de ambos e dos agregados, quando houver. Eu acho que não deve vigorar a ideia de insistir num percurso de infelicidade, aquela que agoniza o dia e martiriza o ser na calada da noite.

Quando o amor apresenta outra faceta na relação, pessoa alguma precisa se rastejar para que, de alguma maneira, a vida conjugal e familiar se mantenha. Se o amor mudou de formas, está tudo bem e a vida precisa seguir. Quanto ao que as outras pessoas vão comentar, acho pertinente que não seja dado palco a elas, pois, como já afirmei, quem tem o direito de apontar o dedo para o que o outro está decidindo para si?

Enfim, não sei se um casal pode viver feliz e apaixonado por toda a vida. Eu acho que não. Acho que a felicidade e a paixão são momentos efêmeros, como um orgasmo. Nos movimentos e mutações da vida, todos os dias são necessários ajustes finos. E quando não houver mais possibilidades de ajustes, quando a rosca espanar, as dinâmicas existenciais continuarão da mesma forma. Como se diz na gíria cotidiana: vida que segue.

DIA 73 - Separações acontecem e a vida segue como dá...

  1. Quando penso sobre o processo que envolve as separações conjugais, constato que muito do possível sofrimento que acomete o casal não ...