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Quando penso sobre
o processo que envolve as separações conjugais, constato que muito do possível
sofrimento que acomete o casal não se restringe ao que ocorre na intimidade,
mas aos envolvimentos relacionais e pessoais – familiares e amigos – que, por
conta da experiência de cada qual, acabam exercendo certa pressão sobre as
pessoas que decidiram pelo rompimento do contrato. Ora, é preciso afirmar que
as separações fazem parte da vida das pessoas em geral e dos casais, em
particular.
Num passado não tão
longínquo, as pessoas se casavam por entenderem que este era o processo comum
da vivência social. Casavam-se, tinham filhos e conduziam o cotidiano como
dava. Ademais, era o caminho possível para se fazer sexo sem condenações
familiares ou de forma segura, afinal de contas, uma jovem ficar grávida era, muitas
vezes, considerada uma tragédia familiar. Sei de casos que jovens meninas foram
expulsas de suas próprias casas, pelo simples fato de terem engravidado. Em
geral, essas jovens meninas eram abandonadas pelos seus paqueras ou namorados,
como se a culpa da gravidez fosse só delas. Quando se casavam, os rapazes o
faziam contrariados e nunca se engajavam na relação. Tornavam a vida da mulher
um inferno. Acresce-se às minhas considerações, também, o medo que rondava a
juventude quanto à contaminação do vírus da Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida – AIDS e outras infecções sexuais. O casamento era percebido como o
melhor preservativo.
Não vou entrar em
argumentações alusivas aos períodos anteriores, especialmente em como se davam
as relações ou os combinados conjugais, mas indico a obra Novas Formas de
Amar, escrito por Regina Navarro Lins, para maiores conhecimentos sobre as
temáticas dos conflitos e possibilidades relacionais, bem como as falácias decorrentes
do amor romântico.
De qualquer forma,
em minha percepção particular, na atualidade, as pessoas se casam por se
gostarem, se amarem ou por acordarem um projeto de vida que pode ser
finalizado, mediante um processo sensato ou não. Isso já estava previsto na
frase da filósofa francesa Simone de Beauvoir: “Não são as pessoas que são
responsáveis pelo falhanço do casamento, é a própria instituição que é
pervertida desde a origem”. De fato, o casamento é algo que acontece sem que se
tenha certeza de como vai ficar, pois não existe nenhum elemento que garanta a
sua estruturação permanente. Nenhum mapa da felicidade. A dinamicidade da vida
exige novas movimentações. Como todas as dimensões da vida, o casamento também
é passível de mudanças. As pessoas casadas estão expostas a mudanças. Num
primeiro momento, aquela paixão avassaladora conjugada aos desejos subjetivos.
Num segundo momento, as cobranças e as tentativas frustradas quanto a querer
mudar o outro. No terceiro momento, a ignorância e as discussões insensatas.
Num quarto momento, o desprezo e a falta de interesse. No quinto, a necessidade
de sair da agonia a fim de abraçar a alegria da liberdade, da autonomia e da
dignidade de se ser quem se é.
Eu sou daqueles que
acredito que o amor nunca acaba, mas que adquire novas formas de conexão com o
outro, o que é legítimo. Acho que todas as pessoas envolvidas em um terreno
social devem entender que no movimento dos corpos na vida, as coisas esquentam
e esfriam, como nos lembra Guimarães Rosa. Se entendemos que a vida tem as suas
mutações, quem poderia ter o direito de cobrar do outro qualquer tipo de
crítica quanto ao encerramento de uma relação conjugal ou mudança do tônus do amor?
Em minha concepção,
cabe às pessoas próximas o acolhimento aos sentimentos que estão confusos na
cabeça dos que estão se separando. As razões íntimas pertencem aos envolvidos,
tão somente. Para mim, os sentimentos precisam ser acolhidos, em especial a
espontaneidade do casal quanto a ruptura relacional. Uma relação conjugal não
pode ser mantida a qualquer custo. Eu, que sempre aprofundei diversas dinâmicas
relacionais em reflexões, escritos e palestras sobre a família sempre fui muito
consciente dos encontros e desencontros que se estabelecem nas relações em
geral. De minha parte, nunca expus um casamento ou uma família feliz e realizada.
Sei das complexidades que me envolvem e as que envolvem os que comigo convivem.
Sei também da exposição de cada um às mutações contínuas.
Quando os vínculos
se desencaixam, é fundamental que o casal tome a decisão pelo bem-estar de
ambos e dos agregados, quando houver. Eu acho que não deve vigorar a ideia de
insistir num percurso de infelicidade, aquela que agoniza o dia e martiriza o
ser na calada da noite.
Quando o amor
apresenta outra faceta na relação, pessoa alguma precisa se rastejar para que,
de alguma maneira, a vida conjugal e familiar se mantenha. Se o amor mudou de
formas, está tudo bem e a vida precisa seguir. Quanto ao que as outras pessoas
vão comentar, acho pertinente que não seja dado palco a elas, pois, como já
afirmei, quem tem o direito de apontar o dedo para o que o outro está decidindo
para si?
Enfim, não sei se
um casal pode viver feliz e apaixonado por toda a vida. Eu acho que não. Acho
que a felicidade e a paixão são momentos efêmeros, como um orgasmo. Nos
movimentos e mutações da vida, todos os dias são necessários ajustes finos. E
quando não houver mais possibilidades de ajustes, quando a rosca espanar, as dinâmicas
existenciais continuarão da mesma forma. Como se diz na gíria cotidiana: vida
que segue.