terça-feira, 2 de janeiro de 2024

DIA 56 - Poesia e existência...

 


A flora da água do lago é encrespada pelo mavioso vento de um dia quente de verão. Peixinhos que não podem ser vistos nadam e lutam pelas suas parcas sobrevivências, enquanto saboreiam musgos e outros pequenos seres das profundidades. Tudo parece calmo, como se o confronto da água, da terra, do fogo e do ar, tampouco os conflitos entre os seres miúdos, nunca tivessem existido.

Nas margens do lago, a moldura do mato selvagem sem domador ou jardineiro que dê jeito. Libélulas pairam e disparam sem que os olhos possam acompanhar os seus movimentos enquanto pequenas abelhinhas colhem mililitros de néctar para abastecerem seus celeiros de cera.

As árvores robustas próximas à margem são entrecortadas pelos raios do sol brilhante, enquanto as maritacas, menos agitadas à tarde, aguardam o novo frescor de uma nova manhã. Daquela casa, exala-se um som romântico, uma música francesa, uma que diz que não há espaço para o arrependimento de coisa alguma – Je ne regrette rien.

Os olhos entreabertos encontram o brilho interior onde o mundo possui tonalidades pulsantes e rubras. O coração bate enquanto o pulso sinaliza a vivacidade da corrente sanguínea. Nele uma frase que ecoa diuturnamente: Hic et Nunc – Aqui e Agora. Nas múltiplas vivências de minha persona em metamorfoses, o cérebro brilha e os neurotransmissores se agitam em frenesi. Tudo está iluminado dentro da caixola das percepções, lembrando a Via Láctea, lugar maior da minha habitação. Lugar maior que nem imagino como é. Moro no desconhecido e me imagino como um alguém.

Ao alcance das mãos, toda a beleza dos seres que se querem bem, do amor que acontece em atos genuínos e afetos cristalinos. Não há risos, mas comoção intensa. Os olhos banhados se tornam mais brilhantes e as íris douram. De perto e de longe, gotas autênticas de mel, mas a colmeia das abelhas Jataí fica lá no alto do morro, onde o mato é denso. O néctar foi colhido e acolhido vivamente. O castelo de cera está garantido.

Enquanto percorro a trilha aberta, em meio ao capim gordura e as árvores crescentes com caules ainda possíveis de serem envergados, sou visitado irremediavelmente pelos mosquitos que não vejo, mas se refestelam em minhas pernas, em minha pele morena. Uma Joaninha, daquelas vermelhinhas, gorduchinhas e brilhantes, pousa em minha mão direita, encantando a minha retina. Minhas percepções se alteram ainda mais quando quedo o meu olhar para a revoada de pica-paus amarelos. O encanto redobra e revisito as minhas memórias mais pueris, de quando eu assistia um determinado seriado infantil.

A flora do lago agora espelha o céu. Confundo os dois mundos e me perco em minha eternidade. Ela dura quase um segundo, assim como a minha felicidade. Quero que este bem-estar permaneça. Detestaria dar lugar a qualquer tipo de angústia ou ansiedade que não sejam as existenciais. Sei que um dia vou fenecer, mas, por enquanto, quero abraçar o mundo que me abraça para afetar meus afetos e desafetos com minha sensibilidade feminina.

E viva a existência… 

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