Há tempos
não escrevo coisa alguma sobre política. Desencanto? Talvez! Embora goste muito
da política clássica, reconhecendo nela os fundamentos essenciais para a vida
social e econômica de uma sociedade, certo é que no nível da política
estrutural orientada pelo Estado, chegamos a um patamar extremado de sandices e
bizarrices.
Estudo
política clássica desde 2004, de forma mais determinada. Gosto de Maquiavel e
Weber, sem desconsiderar Marx e Gramsci. De fato, estes pensadores trouxeram ao
terreno político, boas e importantes contribuições, revelando a política como
ela é. Assim, pessoa alguma, tendo amplo acesso a uma rede grandiosa de
informações sérias e pontuais, pode se afirmar enganada em relação aos
processos políticos que acontecem no mundo, em geral, e no Brasil, em
particular. Todos são eivados de ampla contradição. Aliás, o desenvolvimento da
atividade política é uma síntese de contradições.
Todavia,
acho que chegamos a um nível de contradição extremado. Com a derrubada do
governo Dilma e com a assunção do governo Temer – e é bom que se diga: são dois
governos completamente diferentes –, os sinais que se revelam no país são
assustadores. Celebra-se com veemência a possibilidade de avanço econômico. Líderes
políticos eleitos pelo povo vociferam a necessidade de se retomar o crescimento
econômico e estrutural do Brasil, o que aparentemente é muito bom, passando por
cima de tudo e de todos, sacrificando sistemas basilares como a educação, a
saúde, a assistência social e a cultura. O que está em jogo, no fundo, é a
famigerada busca pelo poder financeiro e a manutenção do status quo para pouquíssimos.
A votação do
texto da PEC 55, antiga PEC 241, na noite de terça-feira, dia 29.11.16, que
congela os gastos públicos por até 20 anos e pisa na Constituição de 1988, foi
aprovada em dois turnos pela Câmara dos Deputados e em um único turno pelo
Senado. Essa foi a prioridade do governo Temer, que procura revelar aos
cidadãos brasileiros uma ação simbólica para conter os gastos públicos. O
problema refere-se ao fato de que os gastos públicos estão diretamente ligados
às políticas sociais que visam, enfim, cuidar definitivamente do bem estar dos
mais empobrecidos na sociedade. De fato, a redução significativa dos
investimentos com a educação e a saúde é o grande senão da PEC 55, por um fator
emblemático: setores privados se estimularão amplamente, se aninhando aos
espaços públicos para produzir o simulacro. Sim! Todo esse esforço do
Legislativo visa, tão somente, promover ações e discursos que favorecerão um
grupo minoritário e economicamente dominante. Por exemplo, ouvimos falar, pela
boca pequena, da transformação do SUS em um plano de saúde popular. Assim, mais
uma vez, se pisará na Constituição Federal, que afirma o papel do Estado na
defesa dos direitos basilares dos cidadãos.
Os
favoráveis à PEC 55 dizem que as medidas são necessárias. Necessárias para
quem? Logicamente, aos que possuem interesses mercadológicos e que fazem
questão de manter as desigualdades evidenciadas em nome de um direito para
todos. Se o direito é para todas as pessoas, em um nível de igualdade, os
grupos empobrecidos, que são a maioria, ficam mais distantes das possibilidades
de melhoria das suas próprias vidas. O princípio que deve reger toda a lógica
sociopolítica é o de afirmar os direitos daqueles que menos possuem,
melhorando, por exemplo, a distribuição de renda. Todavia, o que ocorre é o
contrário. É uma luta inglória.
Ademais, e
talvez este seja o ponto mais crítico, a PEC 55 é uma interferência audaciosa à
Constituição. Em outras palavras, é um anúncio explícito de um Golpe de Estado.
Manifestam-se
contra esse golpe na Constituição, diversos segmentos da sociedade civil, como
por exemplo: a Campanha Nacional pelo
Direito à Educação, o Movimento Todos
pela Educação, o Instituto Alana,
o Movimento Interfóruns de Educação Infantil
do Brasil, a Rede Nacional Primeira
Infância e a União Nacional dos Dirigentes
Municipais de Educação.
Buscando uma
referência mais técnica e crítica, o Centro
de Referências em Educação Integral preparou cinco argumentos contrários à
PEC 55. São eles:
1. A PEC 55 fere a soberania e o voto
popular. Mesmo que um novo presidente seja eleito em 2018, somente poderá fazer
alguma revisão na proposta em 2027. Assim, um chefe do Executivo, legal e
legitimamente eleito, não terá a possibilidade de definir os limites e as ações
mais expressivas do seu governo, principalmente se quiser melhorar saúde e
educação;
2. Nenhum país do mundo definiu, por
lei, limite de gastos públicos: existem em outros países – Holanda, Dinamarca,
Finlândia e Suécia, por exemplo – acordos políticos para controle de gastos
públicos, mas nunca uma pauta de lei. Nenhum país impõe limites á Constituição
como se está fazendo aqui no Brasil. Ademais as experiências dos referidos
países definiram os gastos com percentuais acima da inflação, e não como
correção;
3. A PEC 55 vai aprofundar a
desigualdade e a justiça social: como já abordamos anteriormente;
4. Os gastos brasileiros com saúde,
educação e assistência social não estão fora de controle: portanto, trata-se de
uma falácia para justificar as ações do novo governo;
5. Ao invés de se mexer na saúde e
educação, torna-se urgente mexer na estrutura tributária: Os economistas são
unânimes em afirmar que o atual problema da economia reside na forma de
arrecadação e tributação e não nos gastos sociais. Assim, o Estado pode
arrecadar mais por intermédio de impostos. O problema é que os donos de capital
teriam que pagar mais impostos. Há um desiquilibrio tributário. Segundo o
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, os mais pobres pagam 32% de
impostos enquanto os mais ricos pagam apenas 21%.
As questões
que envolvem a PEC 55 estão longe de uma resolução, mesmo porque grande gama da
população está passiva frente a tudo o que está acontecendo no Congresso e
Senado. As manifestações estão acontecendo, mas não contam com o apoio maciço
dos que gostam de “bater panela”, sequer dos que não batem também. Um restrito
grupo de trabalhadores, sindicalistas, professores e alunos tem se manifestado
publicamente, sendo rechaçado pelo poder executivo, vitimados e violentados pela
polícia. Mas o problema principal não está sendo tratado. Segundo Marcus de
Aguiar Villas-Boas, doutor pela PUC-SP, em artigo na Carta Capital, os “defensores da PEC usam uma cortina de fumaça
para fugir do real problema, ao criticar quem infla o valor dos juros com os
valores da dívida rolados. A questão é que o País está pagando dívida, juros
altíssimos e contraindo nova dívida, o que não gera retorno. É um círculo
vicioso que provoca enorme aumento das despesas estatais. O déficit brasileiro
não estourou por conta das despesas primárias, que crescem regularmente desde
1997, apesar de que poderiam ser otimizadas: reduzir corrupção e má eficiência,
por exemplo, para gastar melhor”.
Dessa forma,
torna-se vital mudar o eixo da prosa para entender que a PEC 55 aponta um
problema irreal, para favorecer o enriquecimento dos que já estão com o bolso
cheio de dinheiro.
O fim dessa
história, mesmo para os cegos que não conseguem ver coisa alguma, é um só: o
aumento da desigualdade entre ricos e pobres. E para aqueles que acham que tais
medidas vão solucionar a crise, mero engano. O acirramento será cada dia maior,
pois o que se busca de fato é um Estado que se configure como Welfare State e dignifique os seus
cidadãos pobres, mesmo porque o hiato historicamente gerado inerente a
segregação social é fruto da acumulação de bens por parte de poucos. O mal
estar social se estabelece entre nós brasileiros e os tempos vindouros não
serão tão salutares. Se as vacas estavam vistosas no pasto, agora vão secar...
e morrer...