segunda-feira, 30 de março de 2020

No Deserto (Terceiro texto)


“O que dá beleza ao deserto é que esconde um poço de água em qualquer parte”.
Antoine de Saint-Exupéry
        
         Nem sempre é possível fazer bolhas de sabão! Nem sempre é possível plantar e contemplar os girassóis. Em diversos momentos da minha jornada existencial, as bolhas, os jardins e as obras de arte são, tão somente, vestígios na memória – objetos oníricos. O que tenho à frente dos sentidos é o deserto que um dia foi mar. Habito esse lugar inóspito, árido e sem muitas possibilidades de sobrevivência. Durante o dia, sou escaldado pelo sol, pois exposto a temperaturas que chegam a cinquenta graus centígrados. À noite, o frio intenso me congela a alma. Chuvas? Não as vejo, e a vegetação é parca. A plenificação de minha vida nesse instante-estágio é praticamente impossível. Adapto-me, sobrevivendo numa adversidade.
         Minha alma, ou o que entendo dela, sem muitas opções, se aninha a esse deserto inóspito e emocional, oscilando entre Eros e Tánatos. Nesse não-lugar, evoco os mais estranhos monstros imaginários e a luta insana ocorre na minha inconsistente inconsciência.
         Sinto-me um afortunado, todavia, entendo que uma vida para ser vivida vividamente não pode prescindir o deserto. Meu crescimento, se é que posso falar de algum crescimento nesse estágio, passa pelo sofrimento insano e sem sentido das imagens misturadas numa cripta hodierna em algum lugar desse poço chamado ser.
         Neste deserto, aprendo a viver com pouco. Não carrego bagagens desnecessárias, pois sou um sempre ativo peregrino. Não quero desgastar-me com excesso de peso e esmorecer. Sabiamente, hoje sei que, para viver no deserto emocional, menos é mais! Hoje sei, também, que, menos peso garante mais possibilidade de sobrevida, mesmo porque pisar a areia fofa com peso adicional cansa ainda mais as pernas.
         Busco um oásis. Armo a minha pequena tenda visionária para aliviar o corpo exposto há tempos às intempéries. Quero descobrir as submersas poças de água. Sob a sombra e no sorver do pequeno filete de água encontro a significação e o sentido de toda a vida. Preciso de pouco para viver. Passo a dar valor ao que de fato vale a pena. Só isso me importa.
         Descanso sobre o chão arenoso. Chão, este, que denota a minha origem e o meu final. Vim do pó. Ao pó voltarei. Chão, este, que é a referência de um espaço, onde a vida é percebida em sua rudeza. Fecho os olhos e narro meus cotidianos, tentando recriar o melhor entendimento de minha identidade pessoal. Sei que todas as minhas histórias e sagas foram construídas no chão do deserto. Minha alma se sente apequenada.
         O deserto me colocou frente a uma inquietação limite. Tenho uma súbita consciência da presença da morte e a consequente ausência da vida. Tudo fica muito claro. Preciso sair da letargia e fazer escolhas possíveis e inusitadas para ajudar a minha alma angustiada a sair das areias movediças. Sinto-me e poetizo:
Sinto-me equivocado
Vivendo num mundo equivocado
Dotado de pessoas que me ajudam a ampliar meus equívocos!

Sinto-me errado
Vivendo num mundo errado
Dotado de pessoas que me ajudam a ampliar meus erros!

Sinto-me deslocado
Vivendo num mundo deslocado
Dotado de pessoas que me ajudam a ampliar meus deslocamentos!

Sinto-me confuso
Vivendo num mundo confuso
Dotado de pessoas que me ajudam a ampliar minhas confusões!

Sinto-me perplexo
Vivendo num mundo perplexo
Dotado de pessoas que me ajudam a ampliar minhas perplexidades!

Sinto-me angustiado
Vivendo num mundo angustiado
Dotado de pessoas que me ajudam a ampliar minhas angústias!

Sinto-me atormentado
Vivendo num mundo atormentado
Dotado de pessoas que me ajudam a ampliar meus tormentos!

Sinto-me, enfim, sem sentido
Vivendo num mundo sem sentido
Dotado de pessoas que me ajudam a ampliar minha momentânea ausência de sentido...

         Ainda estou no deserto. A tempestade de areia atinge a minha tenda, deteriorando todos os meus parcos pertences. Tudo se esvai e nada permanece soerguido. Sobra-me o corpo ferido pelo contato com as rajadas de vento e areia. Sofro as dores, choro a lágrima e me perco em meio aos dilemas e as dúvidas. As referências se foram. As histórias e sagas não fazem mais sentido. Tudo é desencanto e a alma estremece. Sob o monte de areia arfo o ar tão necessário à vida. Estabelece-se em mim a agonia.

domingo, 29 de março de 2020

Pois tudo é efêmero. (Segundo texto)


“... E tudo que era efêmero se desfez. E ficaste só tu, que é eterno”.
Cecília Meireles

         As bolhas de sabão me ensinam sobre a efemeridade da vida. Tudo passa, e essa é a grande certeza que eu tenho. No exato momento em que escrevo estas linhas, contemplo o relógio em meu pulso e o seu ponteiro me lembra como rapidamente o presente vira passado.
         No âmbito dessa percepção, às vezes, me comparo a um alpinista, daqueles que escalam a montanha pelo puro prazer de subir, arriscando a vida na jornada. Ao alcançar o cume, finca a bandeira do seu país e contempla toda a linha do horizonte com os olhos marejados. Em meio a sentimentos difusos, que vão da angústia à felicidade, se pergunta: por que me gastei tanto para este momento tão efêmero? Assim, inquieto por ter chegado onde desejava, o alpinista, como menino extasiado e feliz, sente o corpo ferido ser beijado pelas correntes dos ventos gélidos e cortantes de um polo qualquer. Nesse instante de base e abismo, balbucia palavras de gratidão, exaltando a potência dos valentes.
         Deixo o alpinista em seu lugar, recobro a razão e, tal qual artista que busca no fundo da alma a inspiração para transpirar sobre a obra de arte, insisto em encontrar o solitário que mora em mim.
         Nesse instante surreal e igualmente efêmero, vejo os girassóis. Tanto os do quadro de Vincent Van Gogh, como os do meu solitário jardim, ainda não plantado. Todos são lindos e impressionantes. Eles estão nascendo. Ambos são frágeis e se desfazem rapidamente pelo poder químico ou pela química do poder. Eu os quero bem, perto de mim, pois suas cores me inspiram, além de perfumarem minhas lembranças mais remotas. Vejo os girassóis e quero regá-los com a água fresca que incha os caules. Que o sol venha favorecer o milagre da fotossíntese cuidando de sua efêmera beleza no período da primavera.
         Um girassol é só um girassol se for visto como um girassol. Por outras retinas, se torna um mundo. Tenho medo de que os girassóis deixem de sê-los. Não os quero como palha, talvez como sementes, pois nestas deposito as minhas esperanças mais remotas. Tenho medo de me perder na pura contemplação dos girassóis. É porque sei que eles passarão. Os girassóis passam, a vida é igualmente efêmera e eu me encanto com as coisas simples.
         Nesse fugaz instante de eternidade, reflito novamente no caminho a ser percorrido, valorizando o que vale a pena. Inconformado com o que me aflige a alma, continuo a abraçar a tensão de não saber para onde ir. Nesta trilha, quero que a vida aconteça e que eu deixe de esquentar a cabeça com tantas caraminholas. Quero curtir a vida e o que ela pode me dar, mesmo inquieto quanto ao que virá. Apego-me à frágil perspectiva da esperança, pois não me sobra muita coisa. Então, preciso esperar, esperar, esperar, embora não goste muito de esperar.
         Olho novamente o relógio pulsar no pulso e aguardo novas possibilidades. Sei que a vida oferece diversas aberturas, embora sem muitas opções. As oportunidades são limitadas e isso é um tanto cruel. Assim, quando chego à constatação de que não conseguirei alcançar o que sempre almejei, opto por continuar vivendo a aventura da vida no cotidiano, entendendo que Tudo Passa. Sobre isso poetizei:
Sei que a vida às vezes é barra
E as tensões se instalam no peito
O amor que escorre das mãos
As estrelas que caem no chão

Sempre existe uma porta aberta
E um ombro amigo, irmão.
Vá em frente, confie em si mesmo
E na prosa do Grande Autor
Nunca deixe seus sonhos de lado
Acredite na força do amor...
Sempre existe uma porta aberta
E um ombro amigo, irmão
Você pode crer, tudo passa!

         Encolhido em meus pensamentos, chego novamente à sensível conclusão de que tudo é passageiro e efêmero, como as bolhas de sabão. Elas estouraram. Talvez eu possa refazê-las soprando o canudo ainda imerso num recipiente qualquer. Quanto aos girassóis, eles estão murchos, mas eu ainda penso em replantá-los.

sábado, 28 de março de 2020

Pra início de Conversa... (Primeiro Texto)



“Há um único recanto do universo que podemos ter certeza de melhorar: o nosso próprio eu”.
Aldous Huxley

         “Deu ruim! Mas vai melhorar...” é uma singular tempestade de ideias e sentimentos oriundos de uma mudança radical que resolvi empreender em minha vida, depois de trinta anos envolvido numa esfera de atividades e ações. Urdido pela vontade de mudar o rumo da prosa e um vestígio de esperança, lancei-me a outro caminho de percurso incerto. Assim, tateando formas no escuro, com muito temor e tremor, busquei com o olhar perdido a referência da luz em algum lugar.
         O caminho incerto era na verdade o início de uma trilha a ser aberta no meio da mata densa e perigosa. Nessa trilha, onde se misturavam excitações, sentimentos e contentamentos, me encontrei com pessoas, as mais diversas, que viviam a mesma experiência que a minha. Não perguntei se elas queriam ir comigo. Respeitando seus posicionamentos pessoais, continuei a minha jornada de incertezas, convicto de que cada passo valeria à pena.
         Pergunto-me, hoje, onde quero chegar? Não sei e nem sei se quero especular uma resposta, pois sigo a entonação poética do Zeca Pagodinho: “deixo a vida me levar”, mesmo porque quando tento controlar as demandas de cada dia, eu me frustro. Então, deixo as coisas acontecerem e vivo cada dia como dá, afinal de contas, a vida é “como uma onda no mar”, aonde tudo vem e vai, acontecendo... Já diria o Lulu Santos. Portanto, não vou especular em relação à coisa alguma, pois tenho mais perguntas do que respostas, e as respostas me sugerem mais perguntas.
         Mesmo assim, preciso confessar: eu gosto deste jogo entre perguntas e respostas. Eu gosto de coisas novas, mesmo que elas me tragam problemas. Conheço gente que tem medo do novo, mas eu sou atilado. Gosto da excitação decorrente da expectativa de que alguma coisa vai aparecer do nada. Foi o que aconteceu comigo, por exemplo, num dia especial em que eu fazia uma caminhada e vagava em meio a pensamentos difusos. Eu o vi:
Pousou em uma árvore cujos galhos estavam sem folhas.
Parecia brincar, parecia sorrir.
Nunca o tinha visto antes ali, mas se mostrou a mim, proximamente.
Os raios de sol da manhã o iluminaram.
Suas penas brilharam e seu bico suntuoso, em tons e semitons alaranjados me deu uma percepção única da singularidade da beleza – uma teofania.
Olhei ao meu redor para tentar partilhar o que só a mim estava sendo revelado, mas em vão.
O mundo oblíquo das pessoas deixa passar o inusitado que transborda em gestos graciosos.
Sim, eu o vi!
Um tucano, que foi para mim mais que uma ave.

         Assim como esse tucano apareceu para mim, inusitadamente, vou continuamente sendo visitado e tocado pelo instante de eternidade que torna a vida humana menos monótona. Eis o evento da gratuidade que modifica o cotidiano e dá novos ares à existência. Ao pensar na gratuidade, escrevi recentemente Vida Ávida:

Amar é viver de forma viva e ávida!
Amo viver porque viver é amar...
Intensamente, com angústia ardente
Tal qual a nau perdida no mar.

Enquanto amo, vivo e sonho,
Pois melhor que viver, é viver e sonhar.
E mesmo quando a vida não acede
Teimoso, insisto até naufragar.

Náufrago, solitário sob o sol e o vento
Deixo as ondas me banharem a alma
Sibila o voo da gaivota azul
Que me encanta gerando-me a calma

A vida é ávida, gente!
E é sempre bom que assim seja...
Ela é graça que nem sempre tem graça,
Mas dá sentido ao que a busca, almeja.


         É assim que se compila este pequeno livro. De eventos fortuitos da gratuidade e da generosidade da natureza, na alma inquieta de alguém que vive de utopias e quixotagens.
         Espero, sinceramente, que todos(as) visualizem seus íntimos sentimentos, e que joguem fora todo peso inútil. Ao final das contas, é sempre bom dizer: Vale à pena!

Tantas coisas mudaram!
Tantas coisas se passaram!
Tantas coisas se refizeram!
O tempo não volta mais,
A não ser por intermédio da memória.

O que desejo para o novo ciclo vindouro?
Que as coisas mudem!
Que as coisas passem!
Que as coisas se refaçam...
Afinal, tudo vale à pena.

quarta-feira, 3 de julho de 2019


O “Repensando o Sagrado: Rubem Alves e a Teologia da Libertação” acontecerá nos dias 27, 28 e 29 de Agosto de 2019, no Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Chamada aberta para comunicações nos Grupos de Trabalho: 1. Religião e Arte; 2. Religião e Educação; 3. Religião e Política; 4. Teorias da Religião; até dia 15 de julho de 2019.

Mais informações sobre inscrições e comunicações no site:
E nas redes sociais:

O evento visa a discussão acerca da contribuição da teoria da religião de Rubem Alves. Desde a publicação de sua tese doutoral, em 1969, nos EUA, com o título "For a theology of human hope", Rubem Alves escreveu diversos estudos sobre religião e teologia. Em textos como "A gestação do Futuro" (1972), "O enigma da religião" (1975), "Variações sobre a vida e a morte" (1982), "O suspiro dos oprimidos" (1984) e "O poeta, o guerreiro, o profeta" (1990), entre outros, Rubem Alves constrói uma complexa teoria da religião, discutindo com autores clássicos das humanidades como Feuerbach, Marx, Freud, Nietzsche e Wittgenstein, e com a teologia que vem da tradição de Schleiermacher, Kierkegaard, Otto, Tillich e Bonhoeffer. Para o autor, manifesta-se na religião algo de essencialmente humano, ligado à esfera da imaginação, do corpo, do lúdico e criativo. Na religião, concretiza-se ao mesmo tempo uma aposta audaciosa e a negação do mundo como está dado: "o mundo como é não deveria ser; o mundo como deveria ser ainda não é". A religião, nesse sentido, é a "presença de uma ausência". Rubem Alves e Richard Shaull, seu professor, são, nesse contexto, considerados os principais representantes protestantes da Teologia da Libertação. Rubem Alves é ainda hoje, todavia, mais conhecido do público geral por seus escritos sobre educação. Por isso, a segunda edição de "Repensando o sagrado", evento organizado pelo Núcleo de Estudos em Protestantismos e Teologias (NEPROTES), do PPG em Ciência da Religião da UFJF, bem como pelo GPCOR do PPGCR da UFS, quer aproveitar o cinquentenário de publicação da tese doutoral de Rubem Alves para promover a discussão acerca de suas ideias e repensar suas contribuições para a epistemologia da ciência da religião. Os textos apresentados serão publicados e divulgados via ebook. Além disso, o evento abrigará a fundação da Sociedade Internacional Rubem Alves, SIRA, associação acadêmica voltada à interpretação e ampliação do legado intelectual de Alves.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Cuba Abandona o Programa Mais Médicos no Brasil

O Mais Médicos foi lançado em 2013, no governo Dilma Rousseff, para sanar o déficit de médicos no país, estimado pelo Ministério da Saúde em 54 mil profissionais. Além de estimular a ida de médicos brasileiros para cidades do interior, o programa pretendia importar profissionais para atenderem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em regiões onde havia carência. O projeto estabeleceu a criação de mais de 11 mil vagas em faculdades de medicina e alterações curriculares, além da abertura de 10 mil postos para médicos nas periferias de grandes cidades e no interior.
Após as primeiras notícias de que o governo pretendia trazer médicos estrangeiros para atuar no país, protestos foram organizados pela categoria. A dispensa da revalidação do diploma era uma das principais críticas. Os médicos alegavam ainda que não havia carência de profissionais, porém, faltava infraestrutura, condições de trabalho e plano de carreira para estimular a atuação no interior. Os primeiros cubanos desembarcaram no país em agosto de 2013.
Inicialmente, era permitida a permanência máxima de três anos no programa dos profissionais inscritos. Em abril de 2016, Dilma anunciou uma nova etapa do Mais Médicos, que possibilitou aos médicos a prorrogação de seus contratos por mais três anos. A mudança beneficiaria 71% dos profissionais do programa que precisariam ser substituídos até o final daquele ano.
O projeto se baseava num modelo de cooperação assinado entre Brasil, Cuba e Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Pela parceria, o pagamento dos profissionais é realizado ao governo cubano, que transfere parte do valor aos médicos. Atualmente, eles recebem quase 3 mil reais. A bolsa paga por Brasília aos outros profissionais do programa é de cerca de 11,8 mil reais.
Os médicos do programa recebem ainda uma ajuda de custo para moradia e despesas básicas, pagas pela prefeitura, e os cubanos, uma passagem anual de ida e volta para Cuba, prevista no contrato assinado com Havana.
Quando foi lançado, em 2013, o programa foi alvo de duras críticas da associações da categoria, que refutavam o argumento do governo sobre a falta de médicos no país. Para eles, a carência de mínimas condições de trabalho era o que evitava a ida de profissionais para o interior.
Além das críticas em relação à cooperação assinada com Cuba, a atuação de médicos estrangeiros sem a revalidação do diploma, como estabeleceu o decreto do programa, e a não exigência de conhecimentos elevados do idioma eram vistos como um problema.
Fonte: Carta Capital

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Noveauté (Novidade)

 

E o que há, depois daquela curva?

Talvez, a dúvida quanto ao que virá!

Mas coisa alguma pode impedir

Que os passos sejam trocados

E que as trocas sejam passadas de mãos em mãos.

Quem sabe assim, espraiar as poesias e plantar girassóis.

A vida exige novos sentidos e ressignificações.

Seja você uma doce melodia, daquelas que não saem da boca admirada.

O mundo em mudanças abraça as suas mudanças

Simbioses de quem vive a curiosidade na vida.

É preciso escrever novas histórias nas folhas em branco.

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

CURA GAY? AH! ME POUPE!


Todo o conflito que envolve a decisão do juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, da 14ª. Vara do Distrito Federal, que autorizou os tratamentos alternativos – pseudoterapias de reversão sexual – para pessoas que se sentem desconfortáveis quanto à sua orientação ou organização da vida sexual, está diretamente ligado ao infindável debate entre a ciência e a religião.
De fato, ao avaliar as falas de ambos os lados – os que defendem e os que acusam a referida decisão – deparo-me, inevitavelmente, com os posicionamentos efetivos de quem adota um princípio ou outro, ou seja: ciência e religião. Neste sucinto texto, manifesto-me com certa autoridade sobre o assunto em pauta atual, pois sou teólogo e acadêmico de psicologia. Sei de onde falo e sei também os limites de minha fala.
Para mim, de forma particular, ciência e religião são duas esferas de linguagens que até podem dialogar entre si, mas não podem se confundir uma na outra. Por isso é de estranhar a ação de um(a) psicólogo(a), que efetua suas práticas na esfera científica, utilizar meios religiosos em terapias. Psicologia não tem a ver com a religião, mas com a ciência, em suma.  
Por esse motivo incipiente, considero que a decisão do referido juiz não foi coerente e tampouco salutar. Foi, no mínimo, esdrúxula.
Todavia, o que agora chegou a público não foi decisão aleatória. O juiz não acordou do nada, sob o sol da manhã, e decidiu sobre isso. Ele deliberou sobre uma ação judicial promulgada pela psicóloga e missionária Rozangela Alves Justino, que teve seu registro cassado pelo Conselho Federal de Psicologia, em 2009. A cassação se deu porque a psicóloga oferecia práticas pseudoterapêuticas que prometiam a cura da homossexualidade, tanto masculina como feminina. Na ação movida, a referida psicóloga, que também é evangélica, pleiteava a suspensão dessa regra e a retratação do CRP.
Em 2009, quando teve seu registro cassado, Rozangela chegou a dizer que as pessoas que têm atração pelo mesmo sexo agem assim "porque foram abusadas na infância e na adolescência e sentiram prazer nisso". Admitiu a sua experiência religiosa e afirmou que Deus a usa para ajudar pessoas que são homossexuais.
Foi em 2007, que uma ONG de defesa dos direitos de homossexuais, sediada em Nova Iguaçu, entrou com uma representação no CRP do Rio de Janeiro pedindo a cassação do registro profissional da psicóloga. O conselho decidiu por uma censura pública. A psicóloga recorreu, então, ao Conselho Federal de Psicologia, que manteve a punição. Todavia, em 31 de julho de 2009, o CFP decidiu aplicar uma censura pública como punição à psicóloga Rozangela Alves Justino. Segundo essa autarquia: “Ela infringiu o Código de Ética da Psicologia e uma resolução do conselho, de 1999, segundo a qual a “homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão”. A censura foi divulgada nos órgãos de comunicação e no Diário Oficial da União.
Visto que a psicóloga perdeu suas possibilidades de recursos administrativos, resolveu recorrer na justiça.
Em que pese o fato de que a psicóloga e missionária julgar sua ação coerente, considerando a homossexualidade como um distúrbio, seus princípios revelam, tão somente, um posicionamento pessoal coligado á lógica da religião. É bom lembrar que Rozangela trabalha desde 2016 no gabinete do deputado federal Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), que por sua vez é apadrinhado pelo Malafaia. Obviamente, e essa é uma opinião unilateral, sua vinculação religiosa, que ao que parece foi inicialmente de vertente presbiteriana, ganhou outros contornos em seu convívio com a bancada evangélica.

Se as associações livres e as ONG’s que defendem a causa LGBT comemoraram aquela decisão de 2009, hoje a sombra que se projetou sobre o cenário brasileiro foi bem acinzentada. Não foram poucos os que, em protesto, acusaram o magistrado de ser homofóbico. Ora, Carvalho não chegou a defender explicitamente a cura gay e nem derrubou a resolução do CFP, entretanto, foi contraditório ao determinar que o conselho altere a interpretação de suas normas de forma a não impedir os profissionais "de promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re)orientação sexual, garantindo-lhes, assim, a plena liberdade científica acerca da matéria, sem qualquer censura ou necessidade de licença prévia".
Entretanto, na Resolução 001/99 do CFP, está assim registrado: "os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados". Ademais, a mesma resolução requer que os profissionais de psicologia contribuam "para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas".
Diante da decisão judicial, o CFP expressou que vai recorrer da decisão e argumenta que "o que está em jogo é o enfraquecimento da Resolução 001/99 pela disputa de sua interpretação, já que até agora outras tentativas de sustar a norma, inclusive por meio de lei federal, não obtiveram sucesso". Ademais, o órgão ainda expressa: "O judiciário se equivoca ao desconsiderar a diretriz ética que embasa a resolução, que é reconhecer como legítimas as orientações sexuais não heteronormativas, sem as criminalizar ou patologizar".
Ora, o parecer do CFP visa estabelecer o limite das práticas terapêuticas, restringindo-as, tão somente, ao campo da ciência e não da religião. Se alguém precisa de religião, pode procurar uma igreja, um centro espírita, um terreiro ou qualquer outro tipo de espaço alternativo. Todavia, no terreno da ciência, como é o caso da psicologia, a conversa tem que se organizar em outro nível. A portinhola que se abriu com a decisão judicial pode dar margem à aplicação de uma série de técnicas duvidosas que nada tem a ver com a psicologia.
Talvez, alguns poderão argüir que este é um problema simples de ser resolvido, mas não é. Tratar a homossexualidade como doença ou como distúrbio é desrespeitar a pessoa humana em sua integridade. Aliás, se pensarmos bem, os conflitos decorrentes de um(a) homossexual são conflitos exógenos, ao invés de endógenos. Interiormente, a pessoa é bem resolvida com a sua sexualidade, mas para garantir aceitação em determinado nicho familiar ou social, acaba vivenciando os conflitos.
A Organização Mundial de Saúde – OMS, deixou de classificar a homossexualidade como doença em 1973. Em 1990, retirou a homossexualidade do quadro de doenças mentais, declarando que: “A homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão”. Na mesma linha, seis anos antes, a Associação Brasileira de Psiquiatria aprovou a seguinte resolução: “Considerando que a homossexualidade não implica prejuízo do raciocínio, estabilidade e confiabilidade ou aptidões sociais e vocacionais, opõem-se a toda discriminação e preconceito contra os homossexuais de ambos os sexos”.
Portanto, é cruel para qualquer pessoa julgar que a homossexualidade seja uma doença. Ela precisa ser encarada como uma expressão do amor de um corpo para outro corpo. Jamais como perversão.
A ciência ainda não possui uma posição conclusiva sobre os mistérios da homossexualidade. Os fatores podem ser hormonais, genéticos, congênitos ou resultados de vivências traumáticas durante a infância. Como se percebe, há um espectro de ampla complexidade que precisa de muita atenção, respeito e cuidado. Aliás, Sigmund Freud, o pai da psicanálise, expressou certa feita: “Se vamos nos indagar sobre as causas da homossexualidade, é igualmente pertinente nos indagarmos sobre quais são as causas da heterossexualidade”. O que quer dizer que o interesse de um homem para com uma mulher e vice-versa, precisa de esclarecimentos também. No fundo, é muita pretensão querer mudar o outro, se não damos contas de mudar a nós mesmos.
Enquanto escrevia este texto, me chegou o relato de um amigo, o Thales Vilela, que vivenciou uma experiência traumática, quando submetido a essas pseudoterapias. Transcrevo seu relato, que muito evidencia meu ponto de vista:


 “Pra quem ainda não entendeu os efeitos da decisão judicial que autoriza a ‘cura gay’, tá aí: Quando eu era mais novo, por volta dos meus 16/17 anos, eu me entendi como homossexual e, voluntariamente, procurei ajuda para a reorientaração da minha sexualidade (“cura gay”), pois eu queria muito me tornar heterossexual. Como eu fui criado em um lar cristão evangélico, eu e meus pais buscamos ajuda dentro da Igreja que frequentavamos, onde conseguiram uma psicóloga cristã disposta a me ajudar.
Fiz terapia por anos. As consultas ocorriam no interior de igrejas dentro e fora de BH, as vezes com mais de um profissional ao mesmo tempo, e podiam durar por horas, sempre semanalmente ou quinzenalmente.
Eu era orientado a vigiar constantemente meu comportamento, pensamento, e devia anotar minhas lutas e vitorias todos os dias em um diário que tenho até hoje. Me disseram que orações e jejuns eram essenciais para o meu fortalecimento espiritual, e que isso eventualmente traria a cura da minha condição pecaminosa, o que dependia do meu esforço e da vontade divina.
Sempre que eu falhava na minha vigilância um intenso sentimento de culpa tomava conta de mim, e as lágrimas eram frequentes e inevitáveis, sendo o meu único refúgio a promessa de que aquilo iria acabar um dia quando eu ficasse curado.
Após um bom tempo de terapia percebi que alguma coisa não estava certa, que apesar do meu esforço eu não estava melhorando da minha doença, e que eu estava reprimindo algo que parecia ser natural, me deixando muito infeliz.
Percebi que mesmo se eu conseguisse me tornar hetero, eu não seria feliz daquele jeito, e foi a partir desse ponto que eu comecei a pensar: Será que a minha condição de homossexual é tão ruim quanto viver essa vida de sacrifício e repressão para sempre?
Me dei conta de como aquele processo de terapia intensa estava me traumatizando além do que eu podia suportar, e assim decidi parar com a terapia e me aceitar, o que foi bem difícil e doloroso.
Hoje eu superei muitos dos meus traumas, alguns persistem e ainda trazem consequências, mas sei de muitas pessoas que passaram pelo mesmo processo que eu e sofrem bastante com isso.
Foi na tentativa de reduzir histórias como a minha que desde 1999 o Conselho Federal de Psicologia (CRP), por meio da Resolução 001/1999, proibiu o estudo e a prática da terapia no sentido da reorientação homossexual. Tal decisão tomou diversos estudos como base, desde aqueles que apontam a origem genética da homoafetividade, até aqueles que demonstram a ineficácia quase absoluta de terapias nesse sentido, o que demonstra a ausência de benefícios diante de tal tratamento.
Porém, uma recente decisão da 14ª Vara do Distrito Federal suspendeu os efeitos da referida Resolução do CRP, na qual o magistrado afirma que a Resolução limita a liberdade científica brasileira ao impedir o estudo de tal forma de terapia.
Tal decisão é extremamente preocupante, pois vai contra a maioria dos estudos sobre o tema e contra decisão fundamentada do CRP, órgão especializado e competente para decidir sobre a relevância ou não de estudo e aplicação de determinadas formas de terapia.
Não há nenhum ponto positivo na referida decisão, há apenas um triste retrocesso histórico, que se volta à patologização da homoafetividade. Faça um exercício de empatia aí, e tenta entender o nosso lado. Não é necessário tratamento para aquilo que não precisa ser tratado”.

O relato de Thales evidencia a complexidade em se tratar a questão da homossexualidade. Em qualquer situação, é preciso bom senso e atitudes de respeito e responsabilidade. Decisões unilaterais da justiça não resolvem o pleito. Fundamental mesmo é tratar cada situação com o mínimo de responsabilidade.

Enfim, espero que este texto contribua para a melhor responsabilização de toda a sociedade para com as pessoas, independente de suas escolhas pessoais. Afinal de contas, quem pode se livrar de um juízo efetivo, diante de um auto-exame? Pessoa alguma tem o direito de julgar a outra por causa de suas vivências. Para mim, em especial, pessoas religiosas precisam se ater ao religioso. Esferas científicas precisam ser preservadas como tais. Como teólogo, não desprezo o religioso, mas não compreendo a utilização da simbologia religiosa para resolver questões que precisam de tempo para serem entendidas ou compreendidas. Se preciso de um conserto para o meu carro, não vou a um determinado movimento religioso. Procuro um mecânico. Por esse motivo, a decisão judicial provoca agonia em quem a recebe e dá margem a múltiplas aventuras religiosas, em sua grande maioria, sem sentido. Portanto, sejamos sensatos. Cada coisa em seu lugar, pois como diria o grande filósofo Tim Maia: “Uma coisa é um coisa, e outra coisa é outra coisa”!

quinta-feira, 11 de maio de 2017

CARTA A UM PAI E A UMA MÃE

(Em memória de Rafael Grosso de Oliveira Fernandes, por ocasião do seu passamento - 09.05.2017)

O que dizer quando não se tem o que dizer?
Com essa pergunta em mente, resolvi escrever a vocês (nós) que perderam um filho querido e amado de uma forma absurda. Mas, absurda é a vida e suas fatalidades. Absurda é a existência que insiste em ser quando não há possibilidades para ser. Absurda é a finalização da existência, num último ato chamado convencionalmente de morte.
Ela é a presença mais viva e insistente que visita o cotidiano de todos os seres vivos. Julgamo-nos especiais dentro do cosmos e, talvez por esse motivo, compreendamos a morte com mais tragicidade e angústia, embora ela esteja se manifestando de forma avassaladora em todos os outros seres vivos, igualmente.
De fato, coisas acontecem com os seres vivos sem as mínimas explicações. Mas, também, pra quê explicações se as coisas já aconteceram? Quisera eu ser uma pedra inanimada. Diante do fatídico momento em que o facão amolado ceifa o caule, fazendo jorrar a seiva vermelha, a garganta resseca, a lágrima é vertida e a saudade - vontade de estar perto, se longe, e mais perto se perto, como nos diria o saudoso Vinícius de Moraes - é violentada pelo acaso, pelo infortúnio, pelo que pessoa alguma espera.
O cotidiano se rompe, desfazendo tudo o que é concreto. O perfume das flores, fincadas na água de um jarro, dá lugar a um odor incompreensível. O belo deixa o palco abrindo as cortinas para o horrendo. Todas as cores ficam opacas e sem brilho. Faltam luzes e os pássaros cessam seus cantos. Tudo fica desinteressante. mesmo o sorriso da criança não provoca o encantamento. O sopro da vida é tão passageiro quanto fugaz e as ondas da ressaca inundam o arquipélago do contentamento.
Tudo se esvai, como águas nas conchas das mãos. Mesmo o grito por Deus e por sua benevolência se mistura a um outro grito dantes ecoado: "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?" A fé não tem lugar e a vontade do Soberano é posta em xeque. Ele entende. Mais do que isso, Ele compreende e não julga. Sofre também a dor da perda - queixa muito natural para quem experimentou e experimenta a agonia abissal da morte prematura. Os por quês continuam a insistir pelas respostas. Elas se recusam a sair dos claustros profundos das cavernas pluviais. Instaura-se um vazio cheio de palavras silenciadas que jamais serão pronunciadas, pois no fundo de toda alma aterrada pelo infortúnio, não há o que dizer.
Por isso, querido pai e querida mãe, recolho-me em silêncio para sentir o que vocês estão sentindo, embora a dor lancinante não seja, nem de perto, por mim sentida. Não há canções, poesias e preces suficientes que possam ajudar nessa hora.
É hora de abraçar quem fica e chorar as dores das dores...
É hora de olhar a lua cheia. Ela brilha entre nuvens densas e turvas. Havemos de recorrer a um vestígio de esperança...

DIA 73 - Separações acontecem e a vida segue como dá...

  1. Quando penso sobre o processo que envolve as separações conjugais, constato que muito do possível sofrimento que acomete o casal não ...