sábado, 18 de abril de 2020

É preciso ter bom humor (Décimo sexto texto)



“O bom humor é a única qualidade divina do homem”.
Arthur Schopenhauer

         Viver é uma aventura cheia de percalços. O tempo todo eu enfrento os dramas diversos que em nada favorecem as boas harmonizações do meu ser interior. Então, não dá para eu viver o cotidiano e suas (in)conclusões sem uma boa dose de bom humor e boas risadas. Aliás, coisa boa é a gente estar em uma roda de boa conversa, tendo um bom contador de prosas, causos e piadas.
         Eu gosto de conviver com gente bem-humorada. Logicamente, eu sei, que por causa das complexidades inerentes aos relacionamentos diversos que todos possuímos, é-nos impossível manter a potência do humor elevada em todo tempo. Tem horas que a pilha perde a carga, o que é absolutamente natural, pois, às vezes, sou surpreendido por situações geradas por outros que me fogem ao controle. Paciência. A surpresa faz parte do jogo no dia a dia e, mesmo quando tudo me parece fechado e sem definições, preciso surpreender a minha alma, olhando-me no espelho, trocando um sorriso com a minha imagem. Eu sei que isso, por si só, não resolve, mas já é um bom começo.
         Minha índole é daquelas onde o humor varia consideravelmente. Em alguns momentos, fico eufórico; em outros me deprimo a ponto de perder meu olhar num espaço vazio. De qualquer forma, em meio a minha rotina na montanha russa, eu sei que não posso deixar a alegria e o bom humor se esvaírem, deixando o cotidiano chato.
         Ao mesmo tempo, não sou daqueles que acham que a gente tem que ficar de boca aberta o dia todo, rindo como um boboca. Aliás, é muito esquisito quando me deparo com gente que fica rindo à toa, às vezes, sem nenhuma causa aparente.
         Pra não fugir muito da regra, o ideal mesmo é buscar a zona de equilíbrio, visando o bem estar da própria existência. E aqui não é abertura para autoajuda. Eu, particularmente, não gosto disso. Pra mim, em especial, o bom humor tem a ver com a forma como minha psique interior se resguarda quanto aos fenômenos que ocorrem no exterior. Assim, o bom humor nasce do bom equilíbrio emocional que é essencial à vida de qualquer pessoa.
         A necessidade de manifestação do bom humor se dá mediante às situações que confrontam o bem-estar pessoal ou social. Todas as vezes que somos agredidos em nossa vida comum, somos forçados à reação. O bom humor, nessa perspectiva é sempre a reação ante ao caótico e, não entendido. Em todos os momentos onde a vida pessoal é posta em xeque, o bom humor se estabelece como uma válvula de escape. E existem os humoristas profissionais que, muitas vezes, exageram em suas piadas, gerando diversos constrangimentos. Isso se dá por causa de uma linha tênue que separa o risível do não-risível. Com isso, chegamos à conclusão de que existem dois tipos de bom humor: o sensato e o ridículo. Ora, o primeiro refere-se ao bom humor que se manifesta de forma equilibrada e não agride pessoa alguma, ao contrário, só provoca o bem-estar e o riso, até mesmo a gargalhada que faz bem para a alma. Já o segundo, cria mal-estar aos ouvintes e aquele sentimento de constrangimento que acaba conflitando os sentimentos humanos. É o caso da piada mal posta num ambiente não preparado para ela.
         A cada dia, fica mais claro para mim que o bom humor é fundamental para o desencadeamento de emoções equilibradas no decorrer do dia. De fato, pessoas bem-humoradas conseguem transpor os maiores desafios do cotidiano sem perder a sensibilidade. Obviamente, existem muitas pessoas que são mestras na arte de celebrar o bom humor. Fazem piadas e contam causos sobre quase tudo. Existem aquelas que são chulas, e vivem em meio a gozações diversas, algumas delas espúrias. Há, entretanto, outras que possuem um humor refinado, favorecendo na dinâmica dos dias, o fluir das palavras e dos gestos pontuais geradores de contentamento.
         Portanto, para se levar a vida com bom humor, não é necessário ser irônico, preconceituoso e sátiro. Tudo bem que essas três dimensões estejam também presentes no cotidiano de todas as pessoas, mas o excesso delas leva ao constrangimento de outrem. O problema é quando ironia, preconceito e sátira interferem diretamente na dignidade da pessoa que é posta numa roda de conversa jocosa. Esse é o caminho para o cômico que acaba desconfigurando o humor. Conheço gente que gosta de fazer gozação com todo mundo, mas quando passa a ser o centro das piadas, fica aborrecida. Mas é assim mesmo! Rir dos outros é bem mais fácil do que rir de si mesma.
         Todavia, é preciso rir de si mesmo! É preciso fazer chacota com o próprio eu. É preciso encarar as dificuldades e vicissitudes da vida com certa dose de alegria, afinal de contas, somos todos imperfeitos! E quando rimos da nossa imperfeição, damos abertura para a aceitação, tão necessária a qualquer pessoa.
         Levar a vida com muita seriedade não é vigoroso para ninguém. O famoso comediante Charles Chaplin certa feita disse: “Através do humor vemos no que parece racional, o irracional; no que parece importante, o insignificante. Ele também desperta o nosso sentido de sobrevivência e preserva a nossa saúde mental!”
         O bom humor nos ajuda a vermos o mundo de outra maneira. Ora, não se trata aqui de repetir o “jogo do contente” realizado pela Pollyanna no famoso clássico publicado em 1913, escrito por Eleanor H. Porter, uma cristã presbiteriana. Basicamente, o livro trata as relações da menina Pollyanna, uma menina órfã de onze anos, com diversas pessoas mais velhas, especialmente com uma tia rica, com quem vai morar. Na sua nova casa, ensina a todos o “jogo do contente”, aprendido com seu pai, que consiste em sempre olhar o lado positivo de todas as coisas, mesmo nas aparentemente desagradáveis.
         Para mim, em especial, bom humor não é jogo do contente. É atitude assumida diante das dificuldades e percalços que a vida nos apresenta. É uma forma de dizer: deu ruim, mas a gente vai dar um jeito de melhorar contando causos, piadas, chacotas e rindo das desgraças que nos ocorrem.
         Ao final das contas, a gente vai perceber que estamos cercados por um monte de bobagens, as mais diversas. O bom humor nos leva a fazer a seguinte pergunta: o que realmente importa para ser contente? Não nos assustemos se chegarmos conjuntamente á conclusão de que bom humor é estar de bem com a vida e com as pessoas, de preferência, numa roda de boa conversa, comida, bebidas, violão e cantorias...

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