“Concordo
com D. Quixote: o meu repouso é a batalha”.
Pablo Picasso
Nem sempre eu encontro um lugar de
recôndito para a minha alma. Às vezes, o que penso ou sonho é inexistente.
Continuo a luta utópica, aprendendo a brigar com as armas que possuo. Sei que
não vale a pena lutar com as situações e contextos que não serão alterados.
Nesse sentido, às vezes me comparo à Dom Quixote, o “cavaleiro da triste
figura”.
Muitas pessoas já ouviram falar desta
narrativa fictícia, escrita por Miguel de Cervantes e editada no ano de 1605. Uma
interessante obra literária, cuja trama apresenta os idealismos e alucinações
de Alonso Quixano – um fidalgo decadente e o seu companheiro lavrador e fiel
escudeiro Sancho Pança.
Dom Quixote, influenciado pelos
romances dos cavaleiros andantes, acaba perdendo a razão e sai de sua letargia
em busca dos sonhos impossíveis, das conquistas irrealizáveis, das estrelas
inalcançáveis, do amor platônico e da paz interior que proporciona o descanso
da alma. No início de suas andanças, ele elege uma lavradora chamada Dulcinéia
como sua musa, e por ela, entra em delírios e luta contra monstros imaginários
e situações irreais. Em uma de suas lutas mais fabulosas, Dom Quixote enfrenta
os moinhos de ventos, achando que eram monstros, os mais diversos. Montado em
seu cavalo, o Roncinante, vai ao encontro dos monstros, desferindo golpes
aleatórios e se ferindo em uma luta vã.
Todos os idealistas e apaixonados pela
vida possuem comportamentos quixotescos. A trajetória de Dom Quixote de La
Mancha é uma espécie de espelho para as minhas atitudes igualmente quixotescas.
Quando comparo o herói pouco usual de Cervantes com a minha lida diária e com
as lutas amorfas e sem sentido que deflagro contra os sistemas ideológicos bem
montados, chego a constatação que tudo é paixão inglória.
Em muitos momentos da minha lida,
imagino dragões ou monstros imaginários, quando na verdade, estão adiante de
mim somente os moinhos de ventos. Assim, diante de problemas ou dificuldades
aparentes, eu preciso ser resoluto, pois no fundo, no fundo, todo dragão é um
moinho de vento. Eu tenho medo! Aliás, tenho muitos. O meu medo é o meu grande
aliado e meu grande inimigo. Os monstros imaginários tentam me destroçar.
Dentre os meus medos, um sobressai: o
de não ser o que pretendo ser, melhor dizendo, o de não deixar claro o que sou
e o que quero. Acho que isso tem a ver com a clareza que possuo em relação ao
mundo em que vivo e o sentido que ele me dá. Eu acho que é muito triste para
uma pessoa passar por essa vida tão efêmera sem dizer a que veio. Sinto-me
angustiado toda vez que penso na impossibilidade de alcançar o topo de um morro
qualquer com um megafone, com a única finalidade de dizer: eu estou aqui e eu
sou isso! Sei que para muita gente, isso parece uma bobagem, mas para mim não!
Não quero aparecer ou lançar holofotes sobre meu próprio ego. Não se trata de
marketing pessoal, mas necessidade de marcar a minha trajetória existencial com
um legado. Mas, e se isso não for possível? Bem, pelo menos fica evidente a
minha intenção de fazê-lo vivamente.
Os medos ainda atormentam todo o humano
em mim, principalmente, nas caladas da madrugada. Quero exorcizá-lo, mas não
sei como fazê-lo. Preciso combatê-lo com coragem e ousadia. Arregaço as mangas
e enfrento os dramas que me atormentam. Não posso ficar acuado num canto
qualquer. O mundo é um campo minado, mas eu não posso deixar de exercer ações
expressivas para ressignificá-lo, mesmo que com quixotagens! Assim, vago pelas
vielas e becos do cotidiano sobre o meu Roncinante imaginário, sentindo o vento
da liberdade fazer um gostoso cafuné nos meus cabelos. Com dignidade, brado a
todo mundo, e para quem quiser ouvir, o motivo de ter vindo a este mundo. Ao
fazê-lo, inevitável recorrer à memória e recordar todos os projetos frustrados
de uma lida. Com Darcy Ribeiro, eu me
expresso:
“Fracassei
em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não
consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade
séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e
fracassei. Mas os fracassos são as minhas vitórias. Eu detestaria estar no
lugar de quem me venceu”.