quinta-feira, 13 de maio de 2010

Quero viver dias que ainda não vivi

Recentemente apareceram alguns fios de cabelo branco. Eles não foram vistos por mim, mas por um amigo. Ele não somente os reparou, mas também enfatizou sua homérica gozação: “Tá ficando velho, hem?
Não vou negar, dentro de alguns dias completarei 40 anos de idade. Acho que estou chegando quase no meio de toda a minha trajetória nesse planeta que gira sem parar pelo universo afora. Tenho uma expectativa silenciosa de viver até os 82 anos. Deixou de ser silenciosa.
Não vou negar também que a idéia de ficar velho não me assusta. Eu até estou gostando. É claro que limites já vão se impondo sobre a demanda dos dias, mas eu continuo driblando o cansaço e os dramas de saúde, ou da falta dela. De qualquer modo, não tenho medo da palavra velho. Até gosto.
E nesse afã por minha velhice, para não perder o costume, fico ansioso pelos dias que ainda não vivi. Essa minha ansiedade tem sido salutar, diferente das anteriores que me deixavam triste. E ela está desembocando na organização de uma festa num canto qualquer em cima da terra e debaixo do céu, regada ao saudosismo de uma infância que não volta mais, aos brinquedos e brincadeiras registrados na memória, a muita conversa fiada, quem sabe um vinho de excelente sabor, cheirosa boa comida e música da melhor qualidade. Usarei nessa festa uma camisa do Flamengo, um short preto e um chinelo desgastado pelo tempo. Deixei, propositalmente, o último ingrediente dessa festa para um destaque especial: os amigos e amigas. A festa somente será assim, tão profundamente festa, com eles, com elas...
E aí, depois da festa, vou querer viver os dias que ainda não vivi. A vida é curta e constato isso, de forma evidente, quando olho pra trás. Ontem era menino, hoje sou quarentão. Tenho cabelos brancos e não quero escondê-los.
Ora, não sou bobo e sei que não poderei viver todos os dias que ainda não vivi. Mas podem ter certeza de que vou me esforçar pra ser
mais
em muitas coisas e
menos
em outras não tão poucas. É que, por uma razão bastante singular, apesar de todas as peças que a vida tem me pregado, eu ainda continuo amando-a. Não a deixo por nada. Ela é bela. Mas quero que ela continue a me desafiar ao novo, sempre de novo.
Não, não pensem que perdi o juízo e vou me debandar por aí, fazendo o que der na telha.
Quero fazer tudo o que faço e tudo o que puder fazer de formas sempre novas. Sabe aquelas coisas de se desejar amar sempre a mesma mulher que nunca será a mesma, pois o que ela foi ontem virou novo ser hoje e se tornará outra amanhã? Pois é, não há trivialidades nem cotidianidades quando se tem sempre e de novo, novas simplicidades. Quando se pode ver o que diante dos olhos está com outras imagens, com outros focos, com outras luzes.
Quero dizer mais sim´s do que não´s. Acho que assim, e somente assim poderei viver os dias que ainda não vivi, e deixar as coisas acontecerem.
Ouso citar a Adélia Prado no seu singelo pensamento por título: Tempo

A mim que desde a infância venho vindo
como se o meu destino
fosse o exato destino de uma estrela
apelam incríveis coisas:
pintar as unhas, descobrir a nuca,
piscar os olhos, beber.
Tomo o nome de Deus num vão.
Descobri que a seu tempo
vão me chorar e esquecer.
Vinte anos mais vinte é o que tenho,
mulher ocidental que se fosse homem
amaria chamar-se Eliud Jonathan.
Neste exato momento do dia vinte de julho
de mil novecentos e setenta e seis,
o céu é bruma, está frio, estou feia,
acabo de receber um beijo pelo correio.
Quarenta anos: não quero faca nem queijo. Quero a fome.

Sou um homem ocidental, latino-americano e que se fosse mulher amaria chamar-me Reticências.
E no dia 14 de agosto de 2010, além do céu, do frio, da estética, do beijo de qualquer jeito, vou querer faca, queijo, goiabada cascão e fome, como a Adélia.

DIA 70 - As mariposas giram em torno das lamparinas acesas

Gosto quando os olhares e os sorrisos oriundos de pessoas diferentes compactuam os sentimentos mais profundos numa doce simbiose. Pode ser q...