quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

SE É BOM, SE É MAL, SÓ O FUTURO DIRÁ...

Dentre os textos de Rubem Alves, há um que conta a história de um homem muito rico que ao morrer deixou suas terras para os seus filhos. Todos receberam terras férteis com exceção do mais novo, para quem sobrou um charco inútil para o plantio. Seus amigos se entristeceram e lamentaram a injustiça que lhe ocorrera. Mas ele só lhes disse uma coisa: “Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá”. No ano seguinte, uma seca terrível se abateu sobre a região e as terras de seus irmãos foram devastadas: as fontes secaram, os pastos ficaram esturricados e o gado morre. Mas, o charco do irmão mais novo se transformou em um oásis fértil e belo. Ele ficou rico e comprou um lindo cavalo. Seus amigos se alegraram e ele respondeu: “Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá”. No dia seguinte, o cavalo fugiu e foi grande a tristeza. Seus amigos se entristeceram e ele lhes disse: “Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá”. Passados alguns dias, o cavalo voltou trazendo consigo dez lindos cavalos selvagens. Seus amigos se alegraram e ele novamente lhes disse: “Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá”. No dia seguinte, seu filho montou um cavalo selvagem e caindo, quebrou a perna. Seus amigos se entristeceram e ele lhes disse: “Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá”. Passados poucos dias, os soldados do rei vieram para levar os jovens para a guerra. Todos os moços partiram menos o filho da perna quebrada. Seus amigos se alegraram e vieram festejar. O pai viu tudo e só disse uma coisa: “Se é bom ou se é mau, só o tempo dirá... ”.
Alves termina a sua história dessa forma: reticente... Essa história é um exemplo claro e explícito de que a vida possui regras e elementos circunstanciais (positivos e negativos) que mudam os rumos das relações e das atividades humanas. Entender esses elementos é desafiante, contradizê-los é néscio. Talvez, a personagem da história se apresente passivo, entretanto, a crônica revela que a vida possui em seu bojo uma dimensão pedagógica. Essa é a realidade da vida humana, balizada por regras que preexistem e que determinam naturalmente êxitos e fracassos. Não existe nada na vida que expresse o finalmente. Em outras palavras, significa dizer que a vida, entendida dentro dessa espontaneidade, apresenta um campo de entendimento vasto, ao que se conclui que é melhor viver a vida do que tentar entendê-la, pelo menos, cientificamente.

Moisés Coppe.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Sim à Emoção! Não ao Emocionalismo!

Nunca fui contrário à emoção que perpassa o corpo quando do contato com Deus na esfera da vida.
Nunca deixei de chorar ante as dificuldades de alguém que chorava.
Nunca deixei de rir ao perceber o lado cômico de muitas situações do cotidiano.
Nunca deixei de analisar no testemunho alvissareiro de uma ou outra pessoa o toque singular e gracioso de Deus.
Nunca deixei de expressar que a emoção é parte da nossa vida espiritual.
Mas, ao mesmo tempo, nunca deixei de manifestar-me contra o emocionalismo. E aqui cabe dizer que todo e qualquer emocionalismo é chantagem da alma contra a alma. É, em suma, manipulação diante do sagrado ou diante da vida.
Por isso, digo sim à emoção e não ao emocionalismo. E por razões muito óbvias. Declaro-as:
A emoção faz parte da vida humana. O emocionalismo é produzido por códigos e sistemas.
A emoção está aliada à razão. O emocionalismo ao inconsciente.
A emoção enquadra o ser humano, dando-lhe maturidade. O emocionalismo infantiliza espiritualmente.
A emoção dá dignidade à vida. O emocionalismo esvazia todo o sentido de viver.
A emoção me faz reagir diante das inquietações. O emocionalismo me condiciona a aceitá-las, muitas vezes, calado.
A emoção me dinamiza. O emocionalismo estatifica-me.
A emoção é própria de gente que vive a imanência. O emocionalismo pertence às pessoas dadas à transcendência.
A emoção me lança à esfera da adoração. O emocionalismo joga-me na idolatria.
A emoção lê a Bíblia e busca edificação. O emocionalismo dá a este livro o status de magnitude.
A emoção me faz melhor crente. O emocionalismo me faz "o crente".
A emoção me conquista para a unidade na diversidade. O emocionalismo me faz viver somente na desunião.
A emoção gera novos relacionamentos. O emocionalismo gera somente cumplicidades.
A emoção é capaz de me dar avivamento. O emocionalismo me lança a uma esfera puramente ativista.
A emoção crê nos milagres de Deus. O emocionalismo acredita nos passes de mágica.
A emoção gera frutos. O emocionalismo espinhos.
A emoção desloca-me à ação. O emocionalismo desloca-me da ação.
A emoção me faz enxergar o outro pobre. O emocionalismo vê o pobre como pecador.
A emoção é altruísta - pensa nos outros. O emocionalismo é egoísta - pensa somente em si.
A emoção louva e canta com os olhos abertos. O emocionalismo cante com os olhos fechados.
A emoção ora e se coloca ao lado de Deus para a ação missionária. O emocionalismo clama e espera Deus mover os céus.
A emoção centraliza a fé em Cristo. O emocionalismo centraliza o crer no homem ou na mulher de Deus.
A emoção vê coração. O emocionalismo vê aparência.
Deus nos livre da religião do emocionalismo e nos conserve na fé marcada pela emoção.
Moisés Coppe.

terça-feira, 21 de abril de 2009

O CHOQUE DAS DEFINIÇÕES



No artigo: “O Choque das Civilizações”, escrito e editado em uma revista que discute palestras externas intitulada: “Foreign Affair”, Samuel Huntington aponta que os conflitos políticos dar-se-ão de forma ideológica, dicotomizando civilizações ocidental e oriental. Segundo Edward Said (1935-2003), tal apontamento ressuscita a memória da Guerra Fria, logicamente, com nova roupagem. Mas a questão intrínseca na proposição de Huntington é de que há uma cultura e civilização superior à outra. No caso, Huntington evidencia que o ocidente, idealizado pelos EUA precisa ressaltar as diferenças presentes no Islã; apoiar os países que são simpáticos ao ocidente e promover conflitos entre países, que mesmo sendo islamitas, possuem suas diferenças.
Ora, Huntington qualifica sua tese na concepção nós e eles. Tal postura etnocentrista desconsiderava a pluralidade e diversidade presente neste “planeta cada vez mais apertado”. Percebe-se nitidamente, na citação: “As fronteiras do Islã são sangrentas, como também o são suas entranhas”, que Huntington faz questão de esboçar preconceituosamente o perfil do Islã – violento, sangrento, bojudo. E se assim o faz, é porque considera sua própria civilização o oposto, a saber, um exemplo a ser seguido por todas as demais civilizações, principalmente orientais.
Entretanto, Edward Said se opõe a toda a argumentação de Huntington. Segundo Said, o que pode dar direito a esta ou aquela civilização de estabelecer valores, princípios, modos de condutas, cultura, religião ou estilos sociais?
Ora, Said aponta que toda construção histórica é evidenciada por alguém com um objetivo claro. Tais relatos e narrativas estruturam tradições dando desfechos apoteóticos aos heróis e demonizando o inimigo. Ironicamente, Said critica Huntington por entendê-lo poético e emocional. Tal argumentação fica evidente na citação acima descrita.
Said evidencia também que Huntington, com sua tese, não coopera para o encontro entre as civilizações, mas ao contrário, incita e fomenta o conflito. O problema não tange a refletir sobre mônadas culturais, mas perceber que a compreensão de si passa necessariamente pela compreensão do outro. Trata-se, outrossim, de perceber que não existem blocos monolíticos, embora muitos ainda insistam em exaltá-los.
Aliás, Said evidencia que nos EUA, movimentos populares querem a mudança da história, e que a mesma inclua os escravos, criados e pobres imigrantes na oficialidade. E o que dizer do artigo: “Atenas negra”, citado por ele que revela uma Grécia diferente da concebida pelos livros de história e pelo ocidente – formada por negros, semitas e, posteriormente, setentrionais. É preciso ver com outros olhos as historiografias, pois todas as culturas e civilizações tomam parte naquilo que Clifford Geertz chamaria de “colagem”.
Por fim, Edward Said aponta que o posicionamento de Huntington é preconceituoso. Favorece a sua própria nação em detrimento das outras.
Citando Aimé Césaire (1913 – 2008) – poeta e político francês, ideólogo do conceito de negritude – Said assim finaliza seu artigo:

"Mas a obra do homem está apenas começando e resta ao homem conquistar toda a violência entrincheirada nos recessos de sua paixão.
E nenhuma raça possui o monopólio da beleza, da inteligência, da força, e há lugar para todos no encontro da vitória
".

Nosso desafio, portanto, é o de entender as diferenças culturais, aceitar o princípio de liberdade entre todos os povos, visando a harmonização do mundo.

Resumo do artigo de Said
de mesmo título.
Preparado por Moisés Coppe

quarta-feira, 25 de março de 2009

Ensinando com criatividade


O corvo estava morrendo de sede. Viu um vaso que tinha tão pouca água que o bico não alcançava. Tentou derrubar o vaso com as asas, mas era muito pesado. Tentou quebrar com o bico e as garras, mas era muito duro. O corvo, com medo de morrer de sede tão perto da água, teve uma idéia brilhante. Pegou umas pedrinhas e foi jogando dentro do vaso. A água subiu e ele pode beber”. Não há beco sem saída pra quem se esforça na lida.[1]


PARA INÍCIO DE CONVERSA

Ensinar e perseverar na atividade docente são sempre grandes desafios!
A bem da verdade, possuímos uma gama de experiências educacionais para todos os gostos e necessidades. Não é possível pensar em um único modelo que auxilie e oriente a formação e valoração da vida nas pessoas. A atividade docente não é um privilégio da Igreja, está também presente em outras estruturas sociais e afins sempre a serviço da humanidade.
Nossa tentativa será a de apontar pistas que servirão de diálogo para a formulação de um ensino criativo. Nossa intenção é justamente a de traçar uma discussão sobre a importância da criatividade no processo docente, ou melhor, como a criatividade pode contribuir na formulação de uma educação religiosa cristã mais expressiva.
A noção de corporeidade estará presente inicialmente em nossa reflexão, visto que não podemos entender criatividade na educação sem esta noção. Todo processo educacional deve passar pela experiência do corpo, pelos sentimentos, os desejos, o riso, o choro, a felicidade e a satisfação das necessidades básicas como comer, beber e vestir.


A CORPOREIDADE

Todo processo educacional salutar possui uma preocupação voltada à corporeidade. Isto significa dizer que tal processo preocupa-se com a valorização do ser humano e a provocação da vida em abundância.
Ao falarmos de vida em abundância, referimo-nos às reflexões de José Lima Júnior. O referido autor aponta-nos a capacidade transcendente do ser humano em superar as opressões vigentes em nosso mundo que transitam nos seguintes níveis:
a) O nível político: o fazer que privilegia - ao nível soma - o palpável;
b) O nível teológico: o crer que privilegia - ao nível pneuma - o provável;
c) O nível erótico: o sentir que privilegia - ao nível psiquê - o programável
.[2]
Claramente, José Lima revela a relevância da corporeidade em qualquer processo de transcendência da opressão no corpo humano.

É a saída da ingenuidade-postiça para a criticidade-própria; é a saída da individualidade ingênua para a sociedade crítica; é a saída da acomodação no natural-necessário para a transformação do contigente-histórico. Falar de transcendência do corpo oprimido, portanto, é o mesmo que falar de desejos, relações e mudanças deste corpo.[3]


A compreensão de ser humano a partir da noção de corpo é ilimitada. O corpo vivencia o riso e o choro, a dança e a saúde, o belo e o feio, o medo e a coragem, os sonhos e os pesadelos, a guerra e a paz, o prazer e o dever, o amigo e o inimigo.

Sobre este assunto, Rubem Alves expressa o seguinte:

Parece que esta é a marca característica do mundo dos homens: ele é duplo, rachado. Vivemos entre fatos e valores; as coisas tais como são, e as coisas tais como poderiam ser.[4]


O mundo do ser humano é duplo dentro de um mesmo corpo. Por isso, quando refletimos sobre o corpo, precisamos pensar de antemão na corporeidade que transcende a realidade orgânica e experimenta o desejado e o sonhado.

Talvez seja por isso que Rubem Alves expressa:

Cada corpo é o centro do mundo. Quaisquer que sejam as realidades que me atingem, nada sei sobre elas em si mesmas. Só as conheço como reverberações do meu corpo. Os limites do meu corpo denotam os limites do meu mundo.[5]


Os limites do meu corpo e os limites do meu mundo, portanto, não me deixam outra opção a não ser a de transcender na busca de meus mais saudáveis desejos. O corpo também possui limitações e torna-se fundamental respeitá-las. Os seres humanos, não conformados, buscam a transcendência, o sonho o desejo e utopia. Esta constatação revela outras vertentes do desafio do ensino. Rubem Alves ainda expressa:

O mundo é uma extensão do corpo. É vida: ar, alimento, amor, sexo, brinquedo, prazer, amizade, praia, céu azul, auroras, crepúsculos, dor, multidões, impotência, velhice, solidão, morte, lágrimas, silêncio. Não somos seres do conhecimento neutro, como queria Descartes. Somos seres do amor e do desejo.[6]

Este é o nosso mundo; esta é a nossa vida.
É a partir destes pressupostos que entendemos ser fundamental que educadores e educadoras nas comunidades de fé desenvolvam um diálogo entre o processo educacional e o corpo, buscando acima de tudo, dar significado imanente ao que muitas vezes é transcendente. Diante desta consideração, entendemos que torna-se importante fugir da dicotomia social e espiritual (muito empregada em nossas Igrejas). É necessário pensar no corpo integral, no corpo dos desejos e das utopias.
A Igreja é um corpo formado por muitos corpos (e muitos mundos), onde estão presentes as diversas manifestações de vida e de morte; onde encontramos o desafio de sonhar e desejar na nostalgia, a dimensão pedagógica-lúdica-ética do Reino de Deus.
O corpo em si é frágil. Os desejos do corpo, ao contrário, renovam-se constantemente, aflorando sentimentos de poder. Pode-se acabar com o corpo mutilando seus órgãos, mas não é possível mutilar os desejos e sentimentos. Para Rubem Alves, o corpo deve combinar desejo e possibilidade de poder avançar este desejo, Segundo ele:

É necessário crer que há um poder disponível, seja no poder do corpo, seja no poder de muitos corpos, de mãos dadas, seja no poder do Universo... E é assim que, sob a magia do desejo e o sentimento de poder, os corpos se levantam da letargia, para se exprimirem no trabalho, na dança, no amor, no brinquedo, na luta, nos altares...[7]

A educação religiosa cristã está marcada pela possibilidade de alcançar os objetos do desejo, ou seja, o reconhecimento humilde de que somos agentes proclamadores de vida numa atitude sinergista[8].
O ensino passa pelo corpo. A corporeidade é o elemento fundamental para o seu desenvolvimento. Na relevância da corporeidade, prenunciamos a ressurreição do corpo.
Arlindo C. Pimenta anota que


é provável que de início os seres humanos fossem ligados à natureza como hoje o são os animais. Inteiramente submetidos a ela, não tinham o menor traço de consciência desta submissão. Não tinham angústia. Não tinham conflito. A evolução levou o homem a uma ruptura com esse estado. Surgiu um novo ser, a partir daí, consciente da presença do mortífero em si, da falta, da separação da natureza, que ele tenta desesperadamente superar[9].

Pimenta ainda acrescenta que na busca deste reencontro, os seres humanos desenvolveram o que a Psicologia conhece como pulsão, ou seja, um aspecto bifronte do ser humano que expressa desejos psíquicos e orgânicos. Por isso, os seres humanos possuem prazer na satisfação das carências biológicas (fome, sede, tensão sexual).
O que estamos querendo dizer é justamente que, ao falar de ensino dentro de uma concepção criativa, temos a obrigatoriedade de refletir sobre o corpo: sentimentos, emoções, mundos; mesmo porque, um processo educacional que se apresenta criativamente entende o corpo como espaço para a valoração da vida e crescimento do conhecimento.
Estamos certos de que este tema é bastante complexo, justamente porque existem muitos elementos fundamentais e importantes que dialogam com a educação religiosa cristã. Nossa abordagem não está fechada dentro de uma verdade considerando-se única e absoluta; ao contrário, ela deve estar associada permanentemente com outros aspectos que definem e identificam a espécie humana.
Ademais, necessário nos é pensar que o processo educacional criativo não pode ser uma obrigação. Mas agora, reflitamos um pouco sobre o que vem a ser criatividade.

A CRIATIVIDADE NO ENSINO


Um processo de ensino que se desenvolve criativamente possui muito mais expressão do que um que nada possui de criativo. É claro que o papel pedagógico-criativo não será definido de forma regrada. Não podemos sistematizar nenhum processo de atividade educacional, pois ela acontece fundamentada na expontaneidade das relações. Mas o que podemos entender por criatividade? Passemos a este tópico.

Entendendo o termo criatividade

O termo criatividade nasceu nos EUA na época do segundo pós-guerra, no âmbito das ciências psicológicas, para designar a capacidade de reação da inteligência do indivíduo, diante de um problema totalmente inédito: se ele, em vez de se limitar a uma solução única (‘converger’) conseguir excogitar - descobrir, imaginar e elaborar - o máximo de soluções possíveis, poderemos falar de inteligência criativa[10].

Rapidamente, o termo passa a fazer parte do corpo da pedagogia como chave para um novo tipo de educação principalmente para as crianças, atingindo posteriormente os âmbitos mais numerosos da atividade humana.
A criatividade é, ao nosso ver, a possibilidade de descobrir diversos caminhos diferentes quando, ante a um primeiro olhar, encontramos uma ou nenhuma solução aparente.
A verdade é que o conceito de criatividade ficou muito difícil de ser definido com precisão. Parece-nos mais útil apresentar os principais tipos em que ela aparece:
a) Criatividade de expressão: atividade querida por si mesma, sem dar importância à habilidade, à originalidade, `a qualidade da obra ( exemplo: desenhos espontâneos de crianças);
b) Criatividade de produção: controle e canalização da atividade lúdica depois do progressivo aumento dos condicionamentos da técnica;
c) Criatividade de invenção: capacidade de captar a possibilidade de relações novas entre elementos até então dissociados;
d) Criatividade de inovação: modificação dos próprios fundamentos e postulados de determinado sistema;
e) Criatividade de emergência: a manifestação de uma norma ou de uma hipótese completamente novas, como no caso da arte abstrata.[11]

A criatividade é uma importante manifestação da vida e, torna-se viável a busca de um tipo de criatividade que está ao alcance dos(as) cristãos(as). É justamente a criatividade que se manifesta no culto, na celebração, no ensino nos grupos pequenos que se empenha em valorizar o encontro com os mistérios do Senhor[12].
A partir dessas breves considerações, passaremos a refletir especificamente na educação religiosa cristã e como esta pode se desenvolver criativamente.

SÓ SE APRENDE SER CRIATIVO CRIANDO


Atualmente, homens e mulheres que assumiram o ministério docente não se preocupam com processos significativamente criativos. O que geralmente acontece é que educadores e educadoras possuem uma criatividade estéril. Ademais, criar é virtude para o enriquecimento de determinado valor partilhado. A criatividade tem profundas e íntimas ligações com a obra de arte, que é artesanato: só se aprende fazer, fazendo. Só se aprende ser criativo criando. A criatividade nunca deixa de ser artística.
Então, o ensino que dialoga com a criatividade está relacionado com a vida e responsabiliza-se por esta. Nesta ótica, procuraremos refletir, de forma mais direta, sobre a realidade de nossas comunidades de fé.

ENSINO CRIATIVO COM AMOR E RESPONSABILIDADE


Todo processo docente parte das necessidades. Para descobrir as necessidades, faz-se necessário conhecer bem o grupo a partir das individualidades e não somente por uma análise institucional ou de classes. Isso se faz necessário justamente porque as “razões da cabeça não fazem as pessoas caminhar, o que impulsiona as pessoas é justamente as razões do coração[13]. Então é preciso afirmar que no que tange a falar de razões do coração, necessário nos é pensar que o ensino precisa acontecer com responsabilidade e mor. O (A) educador(a), antes de dizer qualquer coisa, de anunciar sua verdade, de viver uma vida de serviço e de bondade, precisa ser profundamente amado(a). “Depois que estes laços de amor e confiança forem estabelecidos, as palavras deslizam com muita facilidade[14]. Consideramos este um aspecto vital.
Portanto, afirmamos que um ensino que se esboça responsável, amoroso e criativo provocará excelentes resultados para a vivência do grupo.
Jesus, conforme percebido pelas comunidades de fé do primeiro século, desenvolveu um ministério pedagógico criativo. Isto é aferível, quando deciframos seus jogos parabólicos. Estes jogos nos levam a conclusões óbvias com significados tão simples e ao mesmo tempo tão profundos. Estes jogos parabólicos nos tornam crianças, pois as palavras de Jesus dialogam com as nossas experiências cotidianas revelando-nos a beleza da simplicidade da vida. É preciso resgatar a alegria de ensinar, principalmente porque não somos sujeitos que transformarão a realidade somente pela práxis, mas principalmente pela atuação gratuita de Deus.

CONCLUSÃO


Concluir nunca é satisfatório. Apesar de termos consciência da fragilidade de uma conclusão, acreditamos que conseguimos atingir o nosso objetivo, ou seja, o de resgatar a importância da criatividade na educação religiosa cristã. Entendemos que todos os projetos que envolvem a ação ministerial docente da Igreja estão marcados pela criatividade.
Afirmamos que, no contexto atual é impossível pensar em ensino sem pensar em criatividade. Professoras e professores, lideranças em geral são desafiadas(os) a acreditarem na possibilidade de que a Igreja precisa ser um espaço de cultivo da criatividade, e não somente isso, mas também, espaço para a brincadeira e para a expressão livre de nossos desejos e anseios. Se a Igreja juntamente com a ministério docente conseguir desenvolver uma nova proposta dinâmica, então teremos condições de tornar o ensino prenúncios do que chamamos Reino de Deus.


[1] BENNETT, William J. O Livro das Virtudes. Rio de Janeiro, Novas Fronteiras, 1995. Pg. 348.
[2] JÚNIOR, José Lima. Corpoética: cosquinhas filosóficas no umbigo da utopia. São Paulo, Paulinas, 1988, p.17.
[3] Id. Ibid., p. 26 - 27.
[4] ALVES, Rubem. Variações sobre a vida e a morte. São Paulo, Paulinas, 1982, p. 43.
[5] Id. Ibid., p. 37.
[6] Id. Ibid., p. 39.
[7] Id. Ibid., p. 199.
[8] O sinergismo evidencia que a salvação humana se dá de acordo com a colaboração da graça divina com a vontade humana.
[9] PIMENTA, Arlindo C. Sonhar, brincar, criar, interpretar. São Paulo, Ática, 1993. P. 23.
[10] SARTORE, Domenico & TRIACCA, Achille M. Dicionário de Liturgia. São Paulo, Paulinas, 1992. P. 256.
[11] Id. ibid., p. 256.
[12] Id. ibid., p. 268.
[13] Este artigo foi escrito no ano de 1981, quando o CEDI estáva iniciando o Programa de Acessoria à Pastoral Protestante. A época era de discussões. Muitas idéias , concepções de pastoral e perspectivas teológicas estavam sendo revistas na tentativa de encontrar os caminhos de atuação de uma pastoral popular para as igrejas evangélicas. Rubem Alves escreveu este texto no sentimento e no espírito das reflexões daquela época, no entanto ainda consideramos as suas reflexões plausíveis para o momento atual. Os comentários em itálico são todos retirados desta cartilha. P. 7.
[14] Id. ibid., p. 25.

DIA 70 - As mariposas giram em torno das lamparinas acesas

Gosto quando os olhares e os sorrisos oriundos de pessoas diferentes compactuam os sentimentos mais profundos numa doce simbiose. Pode ser q...