quarta-feira, 15 de abril de 2020

As amizades que fazem a diferença (Décimo quarto texto)



“A amizade não se busca, não se sonha, não se deseja; Ela exerce-se (é uma virtude)”.
Simone Weill

         O poeta Milton Nascimento afirmou certa feita que “amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito, dentro do coração”. Já, outro, o Renato Teixeira, canta pelas paragens das rotas sertanejas que “amizade sincera é grande remédio, um abrigo no mundo”. Cá, no meu canto, sinto as profundas emoções e inspirações que subjazem a essas canções. Fica claro para mim que o desenvolvimento de uma boa amizade é coisa pra lá de boa.
         Por isso, quero continuamente a boa vivência junto aos amigos e as amigas. Quero me assentar frente a uma mesa farta e nutrir minha alma das conversas eivadas de besteiras, as mais diversas. Quero o absurdo da harmonia que favorece o bem-estar em meio ao caos social. Que ninguém compactue das ideias alheias, pois pensar diferente é fundamental. Sejam evidenciadas as contradições, toda a subjetividade e os desejos mais internalizados. Cada um tem a sua vida e os seus problemas, mas a gente se ajunta numa mesa para afogar as mágoas. Na companhia dos amigos e das amigas, não há lugares para o efêmero e o passageiro, pois tudo é efêmero e passageiro...
         No entorno da mesa, importam as pessoas que não querem saber de disputas ou questiúnculas. Somente resiste ali naquele momento de eternidade a boa conversa, misturada a risos e gargalhadas. De fato, não há nada mais prazeroso do que sentar-se à roda com alguns petiscos e bom vinho para celebrar histórias e rir com amigos e amigas. Se tiver um violão e uma música bem cantada, tudo fica quase perfeito! Nesse tempo onde as prosas e as poesias enchem o ar, permanece a vontade intensa de abraçar as pessoas, cuidando delas de uma forma carinhosa e sofisticada. Eis o grande legado oriundo dos momentos marcantes da trajetória comunitária, afinal de contas, a única coisa que prevalecerá em nossa fugaz jornada de vida são as amizades que constituímos.
         Entretanto, quando me deparo com as más resoluções relacionais, principalmente quando pessoas insanas querem se dar bem em cima das outras, fico boquiaberto. Num processo, onde muita gente se veste de insanidade, buscando a frugalidade do sucesso e do status – duas grandes bobagens que se constituem em vazios herméticos – não consigo reconhecer uma pitada de humanidade. Não conheço pessoa alguma em minha jornada de vida que, tendo tido êxito em algum momento de sua parca existência, e que se lança numa busca desenfreada por sucesso e status, alcance o êxito com dignidade. Ao contrário, vejo que a busca pelo glamour requer um alto grau de comprometimento e exigência, transformando pessoas alheias em coisas e objetos. Conheço, igualmente, os exemplos de pessoas que tendo galgado um terreno de grandes possibilidades na vida, acabaram se perdendo na avenida da bancarrota. Triste fim para aqueles que acharam que, por intermédio do sucesso e do status, poderiam ser reconhecidos. Não emito um juízo de valor fechado em relação aos que acham que estão dando o tombo no outro. Todavia, sei que o que se planta, se colhe. De minha parte, quero plantar boas amizades, fugindo de toda e qualquer possibilidade de ser visitado por algum tormento insano nas caladas da madrugada.
         Não quero gastar o meu tempo com as más resoluções relacionais. Vou é investir meu curto tempo de vida na espetacular aventura de conhecer os universos que se encontram nas consciências humanas – suas neuroses e até as suas psicoses.
         Vou apertar as mãos e beijar as faces de todas quantas pessoas eu quiser. Deixar-me ser absorvido pela retina dos olhos que me observarem. Não tenho medo da exposição. Sou o que sou e ninguém tem nada com isso. Se eu não puder viver a minha vida diante dos amigos e das amigas como ela deve ser vivida, quem a viverá, então? Apego-me a essa frágil esperança de viver a vida como ela se me apresenta, pois me sinto uma flor sendo causticada pelo calor do sol. Embora viceja, ficará ressequida e morrerá. Precisa ser bela, enquanto puder sê-lo.
         Assim, vou vivendo a vida curtindo cada momento como se fosse o último. Quero que, no entorno da mesa de celebração, cada amigo e amiga se torne companhia serena em minha caminhada. Desejo compartir o pão cotidiano e oferecer nas palmas das minhas mãos a água fresca a ser sorvida por quem está sedento. Que os sentimentos e gestos sejam estampados na sua mais intensa comensalidade.
         E se advierem as críticas quanto ao meu jeito e comportamento, não me importarei, afinal de contas, não sou perfeito, nem nunca desejei sê-lo. Sou, tão somente, uma síntese de contradições e conheço profundamente todos os meus defeitos, até os mais complexos. Posso até contá-los a você, se me permitir!
         Lembrei-me do Rubem Alves que, quando arguido em um congresso sobre seus posicionamentos quanto ao Jaime Wright, respondeu: “O Jim era meu amigo!” Encerrou a conversa, pois o mestre sabia que o bom da vida, ainda, é encontrar gente amiga que entende o outro e não o avalia por meros atos ou palavras. No fundo, para os amigos, no sentido mais estrito do termo, os defeitos não existem. São irrelevantes.
         Na minha transição, rumo a um lugar qualquer, fica claro a necessidade de romper com a solidão. Preciso da amizade sempre viva, próxima a mim, dando-me sentido e abraçando-me nos momentos de desorganização existencial. Tudo tem que ser regado a muita simplicidade e pé-no-chão. Vou exercer a minha amizade...

DIA 71 - Olho e língua da minha amiga - Em memória de Iracy Costa Rampinelli

  Quando eu era criança, sempre me convidavam para as festas de aniversários. Eu, que nunca tive festas de aniversário, ficava deslumbrado c...