“A
amizade não se busca, não se sonha, não se deseja; Ela exerce-se (é uma
virtude)”.
Simone
Weill
O poeta Milton Nascimento afirmou certa
feita que “amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito, dentro do
coração”. Já, outro, o Renato Teixeira, canta pelas paragens das rotas
sertanejas que “amizade sincera é grande remédio, um abrigo no mundo”. Cá, no
meu canto, sinto as profundas emoções e inspirações que subjazem a essas
canções. Fica claro para mim que o desenvolvimento de uma boa amizade é coisa
pra lá de boa.
Por isso, quero continuamente a boa vivência
junto aos amigos e as amigas. Quero me assentar frente a uma mesa farta e
nutrir minha alma das conversas eivadas de besteiras, as mais diversas. Quero o
absurdo da harmonia que favorece o bem-estar em meio ao caos social. Que
ninguém compactue das ideias alheias, pois pensar diferente é fundamental.
Sejam evidenciadas as contradições, toda a subjetividade e os desejos mais
internalizados. Cada um tem a sua vida e os seus problemas, mas a gente se ajunta
numa mesa para afogar as mágoas. Na companhia dos amigos e das amigas, não há lugares
para o efêmero e o passageiro, pois tudo é efêmero e passageiro...
No entorno da mesa, importam as pessoas
que não querem saber de disputas ou questiúnculas. Somente resiste ali naquele
momento de eternidade a boa conversa, misturada a risos e gargalhadas. De fato,
não há nada mais prazeroso do que sentar-se à roda com alguns petiscos e bom
vinho para celebrar histórias e rir com amigos e amigas. Se tiver um violão e
uma música bem cantada, tudo fica quase perfeito! Nesse tempo onde as prosas e
as poesias enchem o ar, permanece a vontade intensa de abraçar as pessoas,
cuidando delas de uma forma carinhosa e sofisticada. Eis o grande legado oriundo
dos momentos marcantes da trajetória comunitária, afinal de contas, a única
coisa que prevalecerá em nossa fugaz jornada de vida são as amizades que
constituímos.
Entretanto, quando me deparo com as más
resoluções relacionais, principalmente quando pessoas insanas querem se dar bem
em cima das outras, fico boquiaberto. Num processo, onde muita gente se veste
de insanidade, buscando a frugalidade do sucesso e do status – duas grandes bobagens
que se constituem em vazios herméticos – não consigo reconhecer uma pitada de
humanidade. Não conheço pessoa alguma em minha jornada de vida que, tendo tido
êxito em algum momento de sua parca existência, e que se lança numa busca
desenfreada por sucesso e status, alcance o êxito com dignidade. Ao contrário,
vejo que a busca pelo glamour requer um alto grau de comprometimento e
exigência, transformando pessoas alheias em coisas e objetos. Conheço, igualmente,
os exemplos de pessoas que tendo galgado um terreno de grandes possibilidades
na vida, acabaram se perdendo na avenida da bancarrota. Triste fim para aqueles
que acharam que, por intermédio do sucesso e do status, poderiam ser
reconhecidos. Não emito um juízo de valor fechado em relação aos que acham que
estão dando o tombo no outro. Todavia, sei que o que se planta, se colhe. De
minha parte, quero plantar boas amizades, fugindo de toda e qualquer
possibilidade de ser visitado por algum tormento insano nas caladas da
madrugada.
Não quero gastar o meu tempo com as más
resoluções relacionais. Vou é investir meu curto tempo de vida na espetacular
aventura de conhecer os universos que se encontram nas consciências humanas –
suas neuroses e até as suas psicoses.
Vou apertar as mãos e beijar as faces
de todas quantas pessoas eu quiser. Deixar-me ser absorvido pela retina dos
olhos que me observarem. Não tenho medo da exposição. Sou o que sou e ninguém
tem nada com isso. Se eu não puder viver a minha vida diante dos amigos e das
amigas como ela deve ser vivida, quem a viverá, então? Apego-me a essa frágil
esperança de viver a vida como ela se me apresenta, pois me sinto uma flor
sendo causticada pelo calor do sol. Embora viceja, ficará ressequida e morrerá.
Precisa ser bela, enquanto puder sê-lo.
Assim, vou vivendo a vida curtindo cada
momento como se fosse o último. Quero que, no entorno da mesa de celebração,
cada amigo e amiga se torne companhia serena em minha caminhada. Desejo
compartir o pão cotidiano e oferecer nas palmas das minhas mãos a água fresca a
ser sorvida por quem está sedento. Que os sentimentos e gestos sejam estampados
na sua mais intensa comensalidade.
E se advierem as críticas quanto ao meu
jeito e comportamento, não me importarei, afinal de contas, não sou perfeito,
nem nunca desejei sê-lo. Sou, tão somente, uma síntese de contradições e
conheço profundamente todos os meus defeitos, até os mais complexos. Posso até
contá-los a você, se me permitir!
Lembrei-me do Rubem Alves que, quando
arguido em um congresso sobre seus posicionamentos quanto ao Jaime Wright,
respondeu: “O Jim era meu amigo!” Encerrou a conversa, pois o mestre sabia que
o bom da vida, ainda, é encontrar gente amiga que entende o outro e não o
avalia por meros atos ou palavras. No fundo, para os amigos, no sentido mais
estrito do termo, os defeitos não existem. São irrelevantes.
Na minha transição, rumo a um lugar
qualquer, fica claro a necessidade de romper com a solidão. Preciso da amizade
sempre viva, próxima a mim, dando-me sentido e abraçando-me nos momentos de
desorganização existencial. Tudo tem que ser regado a muita simplicidade e
pé-no-chão. Vou exercer a minha amizade...