quinta-feira, 9 de abril de 2020

Saboreando a Angústia (Décimo primeiro texto)


“Não ser o que realmente se é, e não se sabe o que realmente se é, só se sabe que não está sendo. E então vem o desamparo de se estar vivo. Estou falando de angústia mesmo, do mal. Porque alguma angústia faz parte: o que é vivo, por ser vivo, se contrai”.
Clarice Lispector

         Afronta-me a angústia. Sinto o meu coração em taquicardias descompassadas. Sei que há normalidade nisso, pois se trata da somatização de diversos sentimentos que se misturam no interior de minha humanidade. Lembro-me novamente de Kierkegaard – um dos filósofos que estabeleceu como ponto fundamental da perspectiva das transições necessárias à vida humana o conceito de angústia.
         Além de me impulsionar a um novo estágio na vivência habitual, a angústia me acompanha no confronto com uma nova realidade, especialmente a que está na contramão do que eu penso ou do que quero. Um paradoxo se estabelece em minha frágil consciência. Se para o referido filósofo dinamarquês a angústia faz parte da natureza humana, jogando o ser humano num precipício de possibilidades e impulsionando-o a saltar no escuro, tornando-o responsável pela sua própria existência, para mim é a genuína síntese de contradições emocionais.
         Mesmo assim, continuo meus recomeços e minhas transições, tentando satisfazer a minha pergunta pelo sentido da vida. E não é isso o que todas as pessoas procuram? De minha parte, busco, além disso, o que está intimamente ligado ao conceito de viver inquietamente de boa.
         A flor da angústia nasce no chão da fragilidade, adubado pela solidão dos profundos pensamentos, mesmo em contato com diversas pessoas. Ela cresce assombrosamente quando a vontade de se cultivar amizades no campo da sinceridade, humildade e cumplicidade se vê abatida por alguma vontade de poder.
         Ora, não há coisa alguma errada em se buscar o poder, pois o mesmo é inerente ao ser humano e as suas relações em geral. O problema mais específico reside nas atitudes desenfreadas, inescrupulosas e desrespeitosas, tantas vezes evidenciadas nos pequenos nichos sociais, onde gente quer se impor sobre gente. Pessoa alguma se sente bem quando se vê usada pelo outro que almeja, tão somente, seus próprios interesses alheios.
         Quando me percebi envolvido numa teia maldita como esta, fiquei estressado e doente. Minhas emoções ficaram estáticas e eu não conseguia transgredir a ordem que estava sendo imposta sobre mim. Aconselharam-me a calma, mas eu queria a agressão. Não me conformava com aquela situação e sofria, pois não encontrava formas adequadas para o estabelecimento de minha frágil zona de sentidos. Por isso, precisei ir para além da forma, subvertendo o que estava à minha frente. Sei que muitas pessoas possuem certo asco à palavra subversão, mas ela tem a ver com uma lógica básica e muito simples: se não dá de um jeito, dá-se outro. E com isso em mente, subverti num Poema do Amor Livre:
Vivo pelo mundo, estampando sentimentos
Quero-os sempre vivos, como pipa em meio aos ventos
Ao sabor da liberdade, pra voar nos pensamentos
Acolher os sonhos lindos dos amantes sem intentos
E romper com a tragédia
De viver sem um sentido
Abraçando só lamentos
Hei de ver em seu sorriso
Teu semblante revestido
De um amor em mil momentos

         Aqui e ali, principalmente nessa órbita relacional de transições, onde o amor se estabelece em mil momentos, o que vale para mim é o estabelecimento de um possível equilíbrio, quem sabe uma homeostase. Preciso me sentir, nem que seja emocionalmente, à beira de um lago translúcido onde o espelho d’água reflita as rugas que se estamparam em meu rosto. Quem sabe, encher as conchas de minhas mãos com o líquido límpido espraiando-o em todo o meu rosto. Depois, levantar os olhos e contemplar a outra margem. Sentir o cheio das ramagens em flor e o sibilar dos inúmeros pássaros selvagens.
         Sinto-me convidado a mergulhar no lago, mas tenho medo. Profundidades escondem segredos que podem machucar, e eu, cansado de tantas machucaduras preciso curar meu interior e adquirir uma mínima boa consciência. Por enquanto, fico com minha angústia, sendo provocado por uma boa dose de razão que visa, ao final das contas, ajudar-me nas minhas vivas transições e recomeços que se tornam extremamente necessárias e urgentes para mim. Já? Agora? Quem sabe!

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