“Não ser
o que realmente se é, e não se sabe o que realmente se é, só se sabe que não
está sendo. E então vem o desamparo de se estar vivo. Estou falando de angústia
mesmo, do mal. Porque alguma angústia faz parte: o que é vivo, por ser vivo, se
contrai”.
Clarice
Lispector
Afronta-me a angústia. Sinto o meu coração
em taquicardias descompassadas. Sei que há normalidade nisso, pois se trata da somatização
de diversos sentimentos que se misturam no interior de minha humanidade.
Lembro-me novamente de Kierkegaard – um dos filósofos que estabeleceu como
ponto fundamental da perspectiva das transições necessárias à vida humana o
conceito de angústia.
Além de me impulsionar a um novo estágio
na vivência habitual, a angústia me acompanha no confronto com uma nova
realidade, especialmente a que está na contramão do que eu penso ou do que
quero. Um paradoxo se estabelece em minha frágil consciência. Se para o
referido filósofo dinamarquês a angústia faz parte da natureza humana, jogando
o ser humano num precipício de possibilidades e impulsionando-o a saltar no
escuro, tornando-o responsável pela sua própria existência, para mim é a
genuína síntese de contradições emocionais.
Mesmo assim, continuo meus recomeços e
minhas transições, tentando satisfazer a minha pergunta pelo sentido da vida. E
não é isso o que todas as pessoas procuram? De minha parte, busco, além disso,
o que está intimamente ligado ao conceito de viver inquietamente de boa.
A flor da angústia nasce no chão da
fragilidade, adubado pela solidão dos profundos pensamentos, mesmo em contato
com diversas pessoas. Ela cresce assombrosamente quando a vontade de se
cultivar amizades no campo da sinceridade, humildade e cumplicidade se vê
abatida por alguma vontade de poder.
Ora, não há coisa alguma errada em se
buscar o poder, pois o mesmo é inerente ao ser humano e as suas relações em
geral. O problema mais específico reside nas atitudes desenfreadas,
inescrupulosas e desrespeitosas, tantas vezes evidenciadas nos pequenos nichos
sociais, onde gente quer se impor sobre gente. Pessoa alguma se sente bem quando
se vê usada pelo outro que almeja, tão somente, seus próprios interesses
alheios.
Quando me percebi envolvido numa teia
maldita como esta, fiquei estressado e doente. Minhas emoções ficaram estáticas
e eu não conseguia transgredir a ordem que estava sendo imposta sobre mim.
Aconselharam-me a calma, mas eu queria a agressão. Não me conformava com aquela
situação e sofria, pois não encontrava formas adequadas para o estabelecimento
de minha frágil zona de sentidos. Por isso, precisei ir para além da forma,
subvertendo o que estava à minha frente. Sei que muitas pessoas possuem certo
asco à palavra subversão, mas ela tem a ver com uma lógica básica e muito
simples: se não dá de um jeito, dá-se outro. E com isso em mente, subverti num Poema
do Amor Livre:
Vivo pelo
mundo, estampando sentimentos
Quero-os
sempre vivos, como pipa em meio aos ventos
Ao sabor
da liberdade, pra voar nos pensamentos
Acolher
os sonhos lindos dos amantes sem intentos
E romper
com a tragédia
De viver sem
um sentido
Abraçando
só lamentos
Hei de
ver em seu sorriso
Teu
semblante revestido
De um
amor em mil momentos
Aqui e ali, principalmente nessa órbita
relacional de transições, onde o amor se estabelece em mil momentos, o que vale
para mim é o estabelecimento de um possível equilíbrio, quem sabe uma
homeostase. Preciso me sentir, nem que seja emocionalmente, à beira de um lago
translúcido onde o espelho d’água reflita as rugas que se estamparam em meu
rosto. Quem sabe, encher as conchas de minhas mãos com o líquido límpido
espraiando-o em todo o meu rosto. Depois, levantar os olhos e contemplar a
outra margem. Sentir o cheio das ramagens em flor e o sibilar dos inúmeros
pássaros selvagens.
Sinto-me convidado a mergulhar no lago,
mas tenho medo. Profundidades escondem segredos que podem machucar, e eu,
cansado de tantas machucaduras preciso curar meu interior e adquirir uma mínima
boa consciência. Por enquanto, fico com minha angústia, sendo provocado por uma
boa dose de razão que visa, ao final das contas, ajudar-me nas minhas vivas transições
e recomeços que se tornam extremamente necessárias e urgentes para mim. Já? Agora?
Quem sabe!