“O que dá beleza ao
deserto é que esconde um poço de água em qualquer parte”.
Antoine de
Saint-Exupéry
Nem sempre é possível fazer bolhas de
sabão! Nem sempre é possível plantar e contemplar os girassóis. Em diversos
momentos da minha jornada existencial, as bolhas, os jardins e as obras de arte
são, tão somente, vestígios na memória – objetos oníricos. O que tenho à frente
dos sentidos é o deserto que um dia foi mar. Habito esse lugar inóspito, árido
e sem muitas possibilidades de sobrevivência. Durante o dia, sou escaldado pelo
sol, pois exposto a temperaturas que chegam a cinquenta graus centígrados. À
noite, o frio intenso me congela a alma. Chuvas? Não as vejo, e a vegetação é
parca. A plenificação de minha vida nesse instante-estágio é praticamente
impossível. Adapto-me, sobrevivendo numa adversidade.
Minha alma, ou o que entendo dela, sem muitas
opções, se aninha a esse deserto inóspito e emocional, oscilando entre Eros e Tánatos.
Nesse não-lugar, evoco os mais estranhos monstros imaginários e a luta insana
ocorre na minha inconsistente inconsciência.
Sinto-me um afortunado, todavia, entendo
que uma vida para ser vivida vividamente não pode prescindir o deserto. Meu crescimento,
se é que posso falar de algum crescimento nesse estágio, passa pelo sofrimento insano
e sem sentido das imagens misturadas numa cripta hodierna em algum lugar desse
poço chamado ser.
Neste deserto, aprendo a viver com
pouco. Não carrego bagagens desnecessárias, pois sou um sempre ativo peregrino.
Não quero desgastar-me com excesso de peso e esmorecer. Sabiamente, hoje sei
que, para viver no deserto emocional, menos é mais! Hoje sei, também, que, menos
peso garante mais possibilidade de sobrevida, mesmo porque pisar a areia fofa
com peso adicional cansa ainda mais as pernas.
Busco um oásis. Armo a minha pequena
tenda visionária para aliviar o corpo exposto há tempos às intempéries. Quero
descobrir as submersas poças de água. Sob a sombra e no sorver do pequeno
filete de água encontro a significação e o sentido de toda a vida. Preciso de
pouco para viver. Passo a dar valor ao que de fato vale a pena. Só isso me
importa.
Descanso sobre o chão arenoso. Chão,
este, que denota a minha origem e o meu final. Vim do pó. Ao pó voltarei. Chão,
este, que é a referência de um espaço, onde a vida é percebida em sua rudeza.
Fecho os olhos e narro meus cotidianos, tentando recriar o melhor entendimento
de minha identidade pessoal. Sei que todas as minhas histórias e sagas foram construídas
no chão do deserto. Minha alma se sente apequenada.
O deserto me colocou frente a uma
inquietação limite. Tenho uma súbita consciência da presença da morte e a
consequente ausência da vida. Tudo fica muito claro. Preciso sair da letargia e
fazer escolhas possíveis e inusitadas para ajudar a minha alma angustiada a
sair das areias movediças. Sinto-me e poetizo:
Sinto-me
equivocado
Vivendo
num mundo equivocado
Dotado de
pessoas que me ajudam a ampliar meus equívocos!
Sinto-me
errado
Vivendo
num mundo errado
Dotado de
pessoas que me ajudam a ampliar meus erros!
Sinto-me
deslocado
Vivendo
num mundo deslocado
Dotado de
pessoas que me ajudam a ampliar meus deslocamentos!
Sinto-me
confuso
Vivendo
num mundo confuso
Dotado de
pessoas que me ajudam a ampliar minhas confusões!
Sinto-me
perplexo
Vivendo
num mundo perplexo
Dotado de
pessoas que me ajudam a ampliar minhas perplexidades!
Sinto-me
angustiado
Vivendo
num mundo angustiado
Dotado de
pessoas que me ajudam a ampliar minhas angústias!
Sinto-me
atormentado
Vivendo
num mundo atormentado
Dotado de
pessoas que me ajudam a ampliar meus tormentos!
Sinto-me,
enfim, sem sentido
Vivendo
num mundo sem sentido
Dotado de
pessoas que me ajudam a ampliar minha momentânea ausência de sentido...