domingo, 29 de março de 2020

Pois tudo é efêmero. (Segundo texto)


“... E tudo que era efêmero se desfez. E ficaste só tu, que é eterno”.
Cecília Meireles

         As bolhas de sabão me ensinam sobre a efemeridade da vida. Tudo passa, e essa é a grande certeza que eu tenho. No exato momento em que escrevo estas linhas, contemplo o relógio em meu pulso e o seu ponteiro me lembra como rapidamente o presente vira passado.
         No âmbito dessa percepção, às vezes, me comparo a um alpinista, daqueles que escalam a montanha pelo puro prazer de subir, arriscando a vida na jornada. Ao alcançar o cume, finca a bandeira do seu país e contempla toda a linha do horizonte com os olhos marejados. Em meio a sentimentos difusos, que vão da angústia à felicidade, se pergunta: por que me gastei tanto para este momento tão efêmero? Assim, inquieto por ter chegado onde desejava, o alpinista, como menino extasiado e feliz, sente o corpo ferido ser beijado pelas correntes dos ventos gélidos e cortantes de um polo qualquer. Nesse instante de base e abismo, balbucia palavras de gratidão, exaltando a potência dos valentes.
         Deixo o alpinista em seu lugar, recobro a razão e, tal qual artista que busca no fundo da alma a inspiração para transpirar sobre a obra de arte, insisto em encontrar o solitário que mora em mim.
         Nesse instante surreal e igualmente efêmero, vejo os girassóis. Tanto os do quadro de Vincent Van Gogh, como os do meu solitário jardim, ainda não plantado. Todos são lindos e impressionantes. Eles estão nascendo. Ambos são frágeis e se desfazem rapidamente pelo poder químico ou pela química do poder. Eu os quero bem, perto de mim, pois suas cores me inspiram, além de perfumarem minhas lembranças mais remotas. Vejo os girassóis e quero regá-los com a água fresca que incha os caules. Que o sol venha favorecer o milagre da fotossíntese cuidando de sua efêmera beleza no período da primavera.
         Um girassol é só um girassol se for visto como um girassol. Por outras retinas, se torna um mundo. Tenho medo de que os girassóis deixem de sê-los. Não os quero como palha, talvez como sementes, pois nestas deposito as minhas esperanças mais remotas. Tenho medo de me perder na pura contemplação dos girassóis. É porque sei que eles passarão. Os girassóis passam, a vida é igualmente efêmera e eu me encanto com as coisas simples.
         Nesse fugaz instante de eternidade, reflito novamente no caminho a ser percorrido, valorizando o que vale a pena. Inconformado com o que me aflige a alma, continuo a abraçar a tensão de não saber para onde ir. Nesta trilha, quero que a vida aconteça e que eu deixe de esquentar a cabeça com tantas caraminholas. Quero curtir a vida e o que ela pode me dar, mesmo inquieto quanto ao que virá. Apego-me à frágil perspectiva da esperança, pois não me sobra muita coisa. Então, preciso esperar, esperar, esperar, embora não goste muito de esperar.
         Olho novamente o relógio pulsar no pulso e aguardo novas possibilidades. Sei que a vida oferece diversas aberturas, embora sem muitas opções. As oportunidades são limitadas e isso é um tanto cruel. Assim, quando chego à constatação de que não conseguirei alcançar o que sempre almejei, opto por continuar vivendo a aventura da vida no cotidiano, entendendo que Tudo Passa. Sobre isso poetizei:
Sei que a vida às vezes é barra
E as tensões se instalam no peito
O amor que escorre das mãos
As estrelas que caem no chão

Sempre existe uma porta aberta
E um ombro amigo, irmão.
Vá em frente, confie em si mesmo
E na prosa do Grande Autor
Nunca deixe seus sonhos de lado
Acredite na força do amor...
Sempre existe uma porta aberta
E um ombro amigo, irmão
Você pode crer, tudo passa!

         Encolhido em meus pensamentos, chego novamente à sensível conclusão de que tudo é passageiro e efêmero, como as bolhas de sabão. Elas estouraram. Talvez eu possa refazê-las soprando o canudo ainda imerso num recipiente qualquer. Quanto aos girassóis, eles estão murchos, mas eu ainda penso em replantá-los.

DIA 70 - As mariposas giram em torno das lamparinas acesas

Gosto quando os olhares e os sorrisos oriundos de pessoas diferentes compactuam os sentimentos mais profundos numa doce simbiose. Pode ser q...