terça-feira, 14 de abril de 2020

Quixotagens (Décimo terceiro texto)

        
“Concordo com D. Quixote: o meu repouso é a batalha”.
Pablo Picasso

         Nem sempre eu encontro um lugar de recôndito para a minha alma. Às vezes, o que penso ou sonho é inexistente. Continuo a luta utópica, aprendendo a brigar com as armas que possuo. Sei que não vale a pena lutar com as situações e contextos que não serão alterados. Nesse sentido, às vezes me comparo à Dom Quixote, o “cavaleiro da triste figura”.
         Muitas pessoas já ouviram falar desta narrativa fictícia, escrita por Miguel de Cervantes e editada no ano de 1605. Uma interessante obra literária, cuja trama apresenta os idealismos e alucinações de Alonso Quixano – um fidalgo decadente e o seu companheiro lavrador e fiel escudeiro Sancho Pança.
         Dom Quixote, influenciado pelos romances dos cavaleiros andantes, acaba perdendo a razão e sai de sua letargia em busca dos sonhos impossíveis, das conquistas irrealizáveis, das estrelas inalcançáveis, do amor platônico e da paz interior que proporciona o descanso da alma. No início de suas andanças, ele elege uma lavradora chamada Dulcinéia como sua musa, e por ela, entra em delírios e luta contra monstros imaginários e situações irreais. Em uma de suas lutas mais fabulosas, Dom Quixote enfrenta os moinhos de ventos, achando que eram monstros, os mais diversos. Montado em seu cavalo, o Roncinante, vai ao encontro dos monstros, desferindo golpes aleatórios e se ferindo em uma luta vã.
         Todos os idealistas e apaixonados pela vida possuem comportamentos quixotescos. A trajetória de Dom Quixote de La Mancha é uma espécie de espelho para as minhas atitudes igualmente quixotescas. Quando comparo o herói pouco usual de Cervantes com a minha lida diária e com as lutas amorfas e sem sentido que deflagro contra os sistemas ideológicos bem montados, chego a constatação que tudo é paixão inglória.
         Em muitos momentos da minha lida, imagino dragões ou monstros imaginários, quando na verdade, estão adiante de mim somente os moinhos de ventos. Assim, diante de problemas ou dificuldades aparentes, eu preciso ser resoluto, pois no fundo, no fundo, todo dragão é um moinho de vento. Eu tenho medo! Aliás, tenho muitos. O meu medo é o meu grande aliado e meu grande inimigo. Os monstros imaginários tentam me destroçar.
         Dentre os meus medos, um sobressai: o de não ser o que pretendo ser, melhor dizendo, o de não deixar claro o que sou e o que quero. Acho que isso tem a ver com a clareza que possuo em relação ao mundo em que vivo e o sentido que ele me dá. Eu acho que é muito triste para uma pessoa passar por essa vida tão efêmera sem dizer a que veio. Sinto-me angustiado toda vez que penso na impossibilidade de alcançar o topo de um morro qualquer com um megafone, com a única finalidade de dizer: eu estou aqui e eu sou isso! Sei que para muita gente, isso parece uma bobagem, mas para mim não! Não quero aparecer ou lançar holofotes sobre meu próprio ego. Não se trata de marketing pessoal, mas necessidade de marcar a minha trajetória existencial com um legado. Mas, e se isso não for possível? Bem, pelo menos fica evidente a minha intenção de fazê-lo vivamente.
         Os medos ainda atormentam todo o humano em mim, principalmente, nas caladas da madrugada. Quero exorcizá-lo, mas não sei como fazê-lo. Preciso combatê-lo com coragem e ousadia. Arregaço as mangas e enfrento os dramas que me atormentam. Não posso ficar acuado num canto qualquer. O mundo é um campo minado, mas eu não posso deixar de exercer ações expressivas para ressignificá-lo, mesmo que com quixotagens! Assim, vago pelas vielas e becos do cotidiano sobre o meu Roncinante imaginário, sentindo o vento da liberdade fazer um gostoso cafuné nos meus cabelos. Com dignidade, brado a todo mundo, e para quem quiser ouvir, o motivo de ter vindo a este mundo. Ao fazê-lo, inevitável recorrer à memória e recordar todos os projetos frustrados de uma lida.  Com Darcy Ribeiro, eu me expresso:

“Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são as minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”.

         Somando os fracassos, continuo minha labuta. Como um Dom Quixote, assento-me à mesa ainda para uma boa refeição e amistosa conversa com Sancho Pança.

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