sábado, 11 de abril de 2020

Persistindo Dignamente (Décimo segundo texto)

        
“Não queremos perder, nem deveríamos perder: saúde, pessoas, posição, dignidade ou confiança. Mas perder e ganhar faz parte do nosso processo de humanização”.
Lya Luft

         Não sou daqueles que desistem fácil das lutas diárias e dos obstáculos impostos por gente impiedosa. Resisto firmemente enquanto ainda vejo sentido para um pleito qualquer. Entretanto, acho uma grande bobagem ficar brigando por um espaço num lugar onde não se é bem quisto. Se eu tiver que permanecer num lugar para manter minha posição social, pelo menos, que seja com dignidade. Caso contrário, é melhor abortar tudo.
         Tem gente que tem mais “coragem” e permanece em sua posição, se vangloriando de sua postura de fidelidade. Eu não! Mesmo que eu tenha direitos, prefiro abrir mão para abraçar a amiga dignidade, pois melhor do que viver, é viver com dignidade estampada na face. Detestaria ter meu rosto ruborizado, envergonhado por não ter tido a ousadia de romper com o que estava me fazendo mal.
         Para mim, em especial, dignidade tem a ver com a honra, com a decência e a honestidade que precisam ser resguardadas por quem se entende humano. Está ligada também a ideia de integridade, principalmente no campo da moral. Não aquela moralidade apegada a questiúnculas que nada constroem, mas aquela que busca continuamente o sentido da vida.
         Nessa busca pela dignidade e pelo sentido, luto contra a letargia que insiste em amainar todas as minhas ações. Novamente, ínsito em dizer: embora eu perceba os ventos contrários, não penso em desistir de lutar, seja ela qual for. Desisto, somente, das lutas que já foram perdidas e me atenho, sem nenhum ressentimento, a começar do zero. Saio correndo, sem rumo e sem direção, na direção de uma praia deserta. Quero a brisa gelada da liberdade para não me aprisionar nas caladas das noites emocionais. Preciso levitar a minha vida, mesmo sem saber como. Tal qual uma jangada sem vela, ao sabor de vento nenhum, no meio do oceano bravio, veleja a minha alma no tempo e no espaço, desejando recomeçar, sem desistir jamais. Não há sequer uma bússola. Perco minhas referências e fico ao léu, ao sabor das correntes marítimas.
         Nesse arfar pela dignidade, choca-me o comportamento das pessoas que insistem nos conflitos sem sentido, que nada acrescentam ao ser interior. Não quero a aproximação das pessoas que supervalorizam suas próprias vivências, numa prática egóica, desmerecendo todas as demais. Quero distância de gente que se aproveita dos níveis de intimidade para usar e abusar da boa vontade alheia. Não quero mais ficar exposto no chão da intimidade, pois se trata de chão frágil e volátil que distorce o diálogo evidenciado num foro íntimo.
         Fico inquieto com a dúbia interpretação decorrente das minhas falas e ações, principalmente quando sou mal compreendido. O pior é quando tais interpretações ganham a alcunha de fatos, mesmo tendo sido sugeridas num campo de conversas informais. Angustia-me não poder me defender. Como o leite derramado, a ação a ser efetivada é, tão somente, pegar o balde, o rodo e espraiar o pano no chão, com a finalidade de operar a limpeza, se possível. Doutra forma, somente o tempo poderá elaborar a cicatriz. Mas sempre é bom recolher-se ao profundo da alma com o propósito de avaliar e recomeçar com outros princípios. Nunca é tarde para um recomeço digno!
         Nesse ponto, cabe uma leve observação. É que existem duas dimensões de valoração da dignidade. Uma é interna. A outra é externa. A interna tem a ver com a atitude que a pessoa mesmo assume em sua dinâmica de vida. Tem um pouco a ver com a autoestima.  Lembro-me, por exemplo, quando num tempo de agonia, me vi envolto nos seguintes versos:
Sim! Eu vou! Vou porque preciso ir.
Vou porque me sinto mais livre assim.
Vou porque meu voo é dos pássaros
Que nunca experimentaram a gaiola.
Voo pra tornar distante
Os que almejam desestabilizar o canto do encanto.
Sim, vou num voo pra qualquer canto.
        
         Vou, porque quero a dignidade, aquela dos pássaros livres. Talvez eu tenha encontrado inspiração no famoso verso de Mário Quintana: “Todos estes que aí estão atravancando o meu caminho, eles passarão, eu passarinho”.
         Passarinhando, desenho em círculos e retas minha rota no céu acinzentado pelas nuvens carregadas que anunciam a chegada da chuva. É o ciclo em sua coordenada composição, ensinando que nada é estático, tudo é recomeço. A vida se reinventa todos os dias. Eu, sendo bom aprendiz, recomeço com a dignidade que me é devida. Poder efêmero e múltiplas utopias demarcam os meus novos princípios e valores, sem estabelecer uma zona limítrofe. Vivo o que quero viver e como desejo viver.
         Jogo-me na vida, pois há muito a ganhar sem nada a perder. E dialeticamente, há muito a perder sem nada a ganhar. Nos ganhos e perdas, nas perdas e ganhos, pelo menos, pelo mais, faço valer a pena minha frágil existência de porcelana.
         Sei que a minha vida é extremamente frágil e qualquer movimento mais agudo pode me levar ao fenecimento. Todos os dias sou posto à prova, diante da morte. Aliás, a morte é a grande sombra que se projeta sobre o iluminado viver de todos os meus dias. Não tenho medo da morte. Ela é minha companheira inevitável e a qualquer momento ela baterá à minha porta. Então, se a vida precisa ser reinventada, precisa, ao mesmo tempo, ser considerada dentro de um prisma equilibrado e digno.
         Portanto, eu resolvo viver a minha vida como ela é, como um ser-aí no tempo e no espaço, esbanjando simplicidade e o máximo de autenticidade que me for possível. Sei que, por assumir uma postura assim, serei rotulado e criticado. Respeitando os pontos de vistas contrários, acabo rindo em meu íntimo destes que ficam aficionados aos seus sisteminhas de fazer dó. Quero fazer valer a pena a minha vida, deixando as coisas acontecerem ao sabor do vento, sem mais confiar naquelas pessoas que arrotam com empáfia e arrogância o seu poderzinho de merreca. Bem-aventurados os que se recolhem às suas frágeis existências de porcelana. Da minha parte, por exemplo, Já atravessei alguns mares com marés. Já percorri alguns desertos sem oásis. Já subi algumas montanhas e vi os abismos. Quando quis o sol, veio a chuva! Quando quis a chuva, veio a névoa! Quando veio a névoa, resolvi calar. E me recolhi num canto qualquer, para plantar meu jardim de sentidos. Agora entendo melhor o Rubem Alves.

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