“Não
queremos perder, nem deveríamos perder: saúde, pessoas, posição, dignidade ou
confiança. Mas perder e ganhar faz parte do nosso processo de humanização”.
Lya Luft
Não sou daqueles que desistem fácil das
lutas diárias e dos obstáculos impostos por gente impiedosa. Resisto firmemente
enquanto ainda vejo sentido para um pleito qualquer. Entretanto, acho uma
grande bobagem ficar brigando por um espaço num lugar onde não se é bem quisto.
Se eu tiver que permanecer num lugar para manter minha posição social, pelo
menos, que seja com dignidade. Caso contrário, é melhor abortar tudo.
Tem gente que tem mais “coragem” e
permanece em sua posição, se vangloriando de sua postura de fidelidade. Eu não!
Mesmo que eu tenha direitos, prefiro abrir mão para abraçar a amiga dignidade,
pois melhor do que viver, é viver com dignidade estampada na face. Detestaria
ter meu rosto ruborizado, envergonhado por não ter tido a ousadia de romper com
o que estava me fazendo mal.
Para mim, em especial, dignidade tem a
ver com a honra, com a decência e a honestidade que precisam ser resguardadas
por quem se entende humano. Está ligada também a ideia de integridade,
principalmente no campo da moral. Não aquela moralidade apegada a questiúnculas
que nada constroem, mas aquela que busca continuamente o sentido da vida.
Nessa busca pela dignidade e pelo
sentido, luto contra a letargia que insiste em amainar todas as minhas ações. Novamente,
ínsito em dizer: embora eu perceba os ventos contrários, não penso em desistir
de lutar, seja ela qual for. Desisto, somente, das lutas que já foram perdidas
e me atenho, sem nenhum ressentimento, a começar do zero. Saio correndo, sem
rumo e sem direção, na direção de uma praia deserta. Quero a brisa gelada da
liberdade para não me aprisionar nas caladas das noites emocionais. Preciso levitar
a minha vida, mesmo sem saber como. Tal qual uma jangada sem vela, ao sabor de
vento nenhum, no meio do oceano bravio, veleja a minha alma no tempo e no
espaço, desejando recomeçar, sem desistir jamais. Não há sequer uma bússola.
Perco minhas referências e fico ao léu, ao sabor das correntes marítimas.
Nesse arfar pela dignidade, choca-me o
comportamento das pessoas que insistem nos conflitos sem sentido, que nada
acrescentam ao ser interior. Não quero a aproximação das pessoas que supervalorizam
suas próprias vivências, numa prática egóica, desmerecendo todas as demais. Quero
distância de gente que se aproveita dos níveis de intimidade para usar e abusar
da boa vontade alheia. Não quero mais ficar exposto no chão da intimidade, pois
se trata de chão frágil e volátil que distorce o diálogo evidenciado num foro
íntimo.
Fico inquieto com a dúbia interpretação
decorrente das minhas falas e ações, principalmente quando sou mal compreendido.
O pior é quando tais interpretações ganham a alcunha de fatos, mesmo tendo sido
sugeridas num campo de conversas informais. Angustia-me não poder me defender. Como
o leite derramado, a ação a ser efetivada é, tão somente, pegar o balde, o rodo
e espraiar o pano no chão, com a finalidade de operar a limpeza, se possível.
Doutra forma, somente o tempo poderá elaborar a cicatriz. Mas sempre é bom
recolher-se ao profundo da alma com o propósito de avaliar e recomeçar com
outros princípios. Nunca é tarde para um recomeço digno!
Nesse ponto, cabe uma leve observação.
É que existem duas dimensões de valoração da dignidade. Uma é interna. A outra
é externa. A interna tem a ver com a atitude que a pessoa mesmo assume em sua
dinâmica de vida. Tem um pouco a ver com a autoestima. Lembro-me, por
exemplo, quando num tempo de agonia, me vi envolto nos seguintes versos:
Sim! Eu
vou! Vou porque preciso ir.
Vou
porque me sinto mais livre assim.
Vou
porque meu voo é dos pássaros
Que nunca
experimentaram a gaiola.
Voo pra
tornar distante
Os que
almejam desestabilizar o canto do encanto.
Sim, vou
num voo pra qualquer canto.
Vou, porque quero a dignidade, aquela
dos pássaros livres. Talvez eu tenha encontrado inspiração no famoso verso de
Mário Quintana: “Todos estes que aí estão atravancando o meu caminho, eles
passarão, eu passarinho”.
Passarinhando, desenho em círculos e
retas minha rota no céu acinzentado pelas nuvens carregadas que anunciam a
chegada da chuva. É o ciclo em sua coordenada composição, ensinando que nada é
estático, tudo é recomeço. A vida se reinventa todos os dias. Eu, sendo bom
aprendiz, recomeço com a dignidade que me é devida. Poder efêmero e múltiplas utopias
demarcam os meus novos princípios e valores, sem estabelecer uma zona
limítrofe. Vivo o que quero viver e como desejo viver.
Jogo-me na vida, pois há muito a ganhar
sem nada a perder. E dialeticamente, há muito a perder sem nada a ganhar. Nos
ganhos e perdas, nas perdas e ganhos, pelo menos, pelo mais, faço valer a pena
minha frágil existência de porcelana.
Sei que a minha vida é extremamente
frágil e qualquer movimento mais agudo pode me levar ao fenecimento. Todos os
dias sou posto à prova, diante da morte. Aliás, a morte é a grande sombra que
se projeta sobre o iluminado viver de todos os meus dias. Não tenho medo da
morte. Ela é minha companheira inevitável e a qualquer momento ela baterá à
minha porta. Então, se a vida precisa ser reinventada, precisa, ao mesmo tempo,
ser considerada dentro de um prisma equilibrado e digno.
Portanto, eu resolvo viver a minha vida
como ela é, como um ser-aí no tempo e no espaço, esbanjando simplicidade e o
máximo de autenticidade que me for possível. Sei que, por assumir uma postura
assim, serei rotulado e criticado. Respeitando os pontos de vistas contrários,
acabo rindo em meu íntimo destes que ficam aficionados aos seus sisteminhas de
fazer dó. Quero fazer valer a pena a minha vida, deixando as coisas acontecerem
ao sabor do vento, sem mais confiar naquelas pessoas que arrotam com empáfia e
arrogância o seu poderzinho de merreca. Bem-aventurados os que se recolhem às
suas frágeis existências de porcelana. Da minha parte, por exemplo, Já
atravessei alguns mares com marés. Já percorri alguns desertos sem oásis. Já
subi algumas montanhas e vi os abismos. Quando quis o sol, veio a chuva! Quando
quis a chuva, veio a névoa! Quando veio a névoa, resolvi calar. E me recolhi
num canto qualquer, para plantar meu jardim de sentidos. Agora entendo melhor o
Rubem Alves.
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