sábado, 4 de abril de 2020

Buscando o que Vale a Pena (Oitavo texto)

        
“Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena”.
Fernando Pessoa

         Decidir por um recomeço não é simples. Requer ousadia e coragem, ou quem sabe, receio e covardia. A interpretação sobre o que ocorre com dada pessoa em dado momento de decisão é sempre alheia. Da minha parte, por que daria ouvidos a quem não me quer bem? Julguem-me a vontade e se deleitem com minhas parcas vitórias e múltiplas derrotas.
         Por causa de uma consciência clara sobre a minha finitude, resolvi investir meu restante de trajetória nas coisas que realmente valem a pena. Deste momento de decisão, em diante, encarei com hombridade a lenta e dramática via daqueles que almejam encontrar algum sentido na vida. Queria que a minha vida estivesse harmonizada aos meus pensamentos díspares, aos sonhos inconciliáveis com a realidade e com a extrema humildade dos que caminham descalços pela terra empoeirada.
         Nessa busca pelo que vale a pena, desisti, inicialmente, da pressa. Lembrei-me de Lenine e sua música poética, intitulada: Paciência.

Quando tudo pede um pouco mais de calma,
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma,
A vida não para.
Enquanto o tempo acelera e pede pressa.
Eu me recuso, perco o passo, vou na valsa
A vida é tão rara.
Enquanto todo mundo espera acura do mal
E a loucura finge que isso tudo é normal,
Eu finjo ter paciência.
E o mundo vai girando cada vez mais veloz.
A gente espera do mundo e o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência.
Será que é tempo que lhe falta pra perceber,
Será que temos esse tempo pra perder,
E quem quer saber? A vida é tão rara.
Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma,
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma,
Eu sei, a vida não para...

         Assim, com calma e com alma, não queria sair a galopes, tal qual uma criança em seu recreio escolar. Tampouco, queria grandes e suntuosas conquistas, pois para mim, os pequenos ganhos cotidianos são os sinais de outro mundo possível, o qual todos desejamos.
         Confesso não saber se alcançarei o que me propus a alcançar, mas o que importa? Já há prazer na busca, por si só. Gosto de pintar, e muitas vezes desisti de uma obra de arte, vindo a cobri-la com tinta branca a fim de recomeçar outra. Perco um desenho ou obra para conquistar outra. A busca iniciada pela vontade de beleza é tal qual a busca pela possibilidade de mudar o quadro mal pintado no museu insólito da minha alma. De fato, a busca, pela excitação, já vale a pena.
         Essa busca, tão urgente, vai, obviamente, levar ao equilíbrio desejado, tão necessário para o bom e harmônico entendimento na existência. E pergunto conscientemente: Cara ou Coroa?:

Cara ou Coroa? Coragem ou Covardia? Não importa! O que vale é ficar de bem com a consciência! No fundo, toda moeda possui três lados! A cara, a coroa e a interface.

         Com essa singela constatação, estabeleço uma aproximação ao movimento dialético presente no pensamento do filósofo alemão Georg W. F. Hegel. Nem tese, nem antítese, mas a síntese. Nem cara, nem coroa, mas a interface que conecta uma à outra, todavia autônoma. É o paradoxo funcionando na dinâmica das reflexões mais agudas de quem quer ficar de bem com a consciência.
         O bom da vida consiste em encontrar nas dinâmicas relacionais, a consciência sintética dos elementos que favorecem meu bem-estar. E não é justamente isso o que eu mais preciso? Luto continuamente pelo bem-estar inquieto. Luto porque alcançar o bem-estar exige enfrentar os altos e os baixos na lida diária.
         Quando me encontro nessas buscas e nesses enfrentamentos, recorro aos mestres das letras, homens e mulheres que muito me ensinam sobre o que não sei discorrer poeticamente. Gosto de Rubem Alves, de Adélia Prado e de Mário Quintana. Este último escreveu sobre a busca no campo da Esperança:
Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano vive uma louca chamada Esperança. E ela pensa que quando todas as sirenas, todas as buzinas, todos os reco-recos tocarem, atira-se. E – ó delicioso voo! Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada... Outra vez criança... E em torno dela indagará o povo: “ – Como é o teu nome, meninazinha de olhos verdes? E ela lhes dirá (É preciso dizer-lhes tudo de novo!) Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não se esqueçam: – o meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

         Não ando muito à vontade com a noção da esperança. Já esperei muito. Por quanto tempo ainda terei que esperar? E não é bem isso o que se precisa para que as coisas, de alguma forma, aconteçam sobre a vida? Foi Niezstche quem disse: “A esperança é o derradeiro mal; o pior dos males, porquanto prolonga o tormento”.
         A expectativa pelo que vai acontecer não pode dominar a minha vida, afinal de contas, não quero passar o resto dos meus dias esperando algo mais chegar enquanto o meu presente se esvai das mãos. Então, espero contra a esperança. Teimosamente, resolvo Agir no tempo presente, pois não sei o que poderá ocorrer amanhã.
                     
Ajo.
Ajo sempre.
Ajo e me modifico interiormente.
Ajo e transformo meus pensamentos e ideais.
Ajo e mudo meu exterior. Visto uma roupa nova, mudo os móveis de posição e crio um ambiente completamente novo.
Ajo em minha espiritualidade. Jogo fora as verdades absolutas e aninho-me ao terreno das dúvidas.
Ajo em amor. Tenho um novo olhar sobre as pessoas que me cercam.
Ajo sorrindo e sonhando.
Ajo e busco sempre-vivas-renovadas-ações.

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