terça-feira, 13 de dezembro de 2011

A Música "Palavra"

Eu tenho uma apreciação dantesca pela música Palavra de Irene Gomes. A singela letra dessa canção é poetizada da seguinte maneira: Palavra não foi feita para dividir ninguém. Palavra é a ponte onde o amor vai e vem. Palavra não foi feita para dominar Destino da palavra é dialogar. Palavra não foi feita para opressão. Destino da palavra é a união. Palavra não foi feita para vaidade Destino da palavra é a eternidade Palavra não foi feita pra cair no chão. Destino da palavra é o coração Palavra não foi feita para semear A dúvida a tristeza ou o mal estar Destino da palavra é a construção De um mundo mais feliz e mais irmão. De fato, é através da palavra que temos a oportunidade de construir possibilidades outras. Isso ocorre porque há um há um poder nas palavras. E provo isso com uma ilustração: Minha filha não gosta de coco. Assim, ela evita todo e qualquer alimento que contenha coco. Em fins de setembro de 2011, ela comeu um bolo apelidado “formigueiro”, sem saber que tinha coco, sempre afirmando que o bolo estava uma delícia. Aí, ela resolveu ler na embalagem a composição alimentícia do bolo e descobriu que tinha coco. Pronto, o drama estava montado, porque agora, o bolo gostoso possuía um elemento que ela não aprecia. Então, ela começou a comer o bolo com certa suspeita. Mas o que realmente importou? Por certo, o poder da palavra coco. Foi a palavra que provocou nela um estranhamento. Aquilo que estava saboroso passou e ser suspeito. É interessante notarmos como as palavras provocam em nós os mais diversos sentimentos e reações. Por isso, temos que ter um cuidado singular com a forma como conduzimos as palavras. Isso também é verdade quando analisamos a esferas dos relacionamentos. Ora, nessa esfera, se não temos coisa alguma de boa pra dizer para outrem, então é melhor não dizer nada. Aliás, nossa intencionalidade tem que ser sempre a voltada para a manifestação de palavras agradáveis às pessoas. Isso constroi a ponte onde o amor vai e vem. No livro de Provérbios, há um verso que muito me agrada e que corrobora com nossa breve narrativa. Trata-se de Provérbios 16.24: “Palavras agradáveis são como favo de mel. Doces para a alma e medicina para o corpo”. Há dois princípios interessantes nesse verso. O primeiro refere-se ao fato de que as palavras, como ditas, podem provocar a cura das emoções e a cura do físico numa dimensão holística. Em minha convicção, não se trata de mais um chavão evangélico, mas de um princípio que favorece a boa harmonização dos relacionamentos. Ora, se temos problemas na família e na igreja, um dos fatores fundamentais está relacionado ao fato de que usamos mal a palavra. Isso é muito verdadeiro, pois muitas vezes, mesmo sem saber, machucamos as pessoas com as palavras. Ora, todas as pessoas têm o direito de defenderem suas posturas e verdades, mas ao fazê-lo, devem se imbuir de uma atmosfera de boas resoluções relacionais, inscritas na esfera do shalom – paz, mesm na adversiadade. Pessoa alguma é obrigada a aceitar afrontas ou palavras deselegantes oriundas de quem quer que seja. Por isso, a música de Irene e o verso bíblico ressaltado se tornam boas referência para todos nós. Entendemos da música e do verso que as palavras agradáveis são pontes onde o amor se desloca trazendo amenos sentimentos e cura emocional e física. Acho que é isso que deve estar na pauta das nossas conversas: bons sentimentos e desejo de cura para o outro. Fora isso, não tem sentido. Então, cuidemos de nossas palavras, segundo a lógica: “destino da palavra é a construção de um mundo mais feliz e mais irmão.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Sossego?

Na palma da mão desenho minha lida Cutuco a ferida que um dia se fez; E canto suave, um canto sincero Arfando sentidos do que tanto espero Ou mesmo a toada do que se desfez. Colhendo as flores da mata sombria Onde o olhar se esguia pra ver o que há E aí se descobre na úmida alma que nunca sossega ou se perde na calma Que somente se vive do jeito que dá. Moisés Coppe - 21.11.11

sábado, 22 de outubro de 2011

CIdadã Honorária???

Acompanhando nesta sexta-feira, 21/10/2011, os noticiários que veiculavam nas rádios difusoras, fiquei mais uma vez embasbacado. Pois é, o gabinete da presidência da Assembleia Legislativa de Minas foi tomado nessa última quinta-feira por um clima de micareta. Literalmente, “rolou a festa”. É que a cantora baiana Ivete Sangalo recebeu o título de cidadã honorária do estado de Minas Gerais. O pedido foi requerido pelo deputado estadual Bruno Siqueira, que têm por principal colégio eleitoral – eleitoreiro? – a cidade de Juiz de Fora. Além do referido deputado, outros foram ao gabinete da presidência para, pelo menos, vislumbrarem de perto a beleza da cantora e constatar “o quê que a baiana tem”. Simpaticíssima, Ivete distribuiu beijos e autógrafos aos nobilíssimos homens do poder público, bem como a seus respectivos familiares. Imaginem vocês que o deputado Carlin Moura do PC do B postou em seu Twitter as imagens da, agora, honrada cidadã mineira. O deputado Adelmo Carneiro do PT discursou num tom de tietagem e assim, sucessivamente, outros deputados se desmancharam em elogios. E estavam presentes também os membros da Câmara Municipal, inclusive seu presidente Léo Burguês do PSDB. Mais uma vez, revelou-se a capacidade política de nossos governantes que insistem em manter a lógica romana bem sucedida de pão e circo. A questão ressaltada pela maioria da casa tinha por tônus a ideia de que o título à cantora baiana pode fomentar mais ainda o turismo de Minas. Inclusive o próprio deputado Bruno Siqueira justificou o pedido nessa mesma linha de raciocínio, dizendo que a cantora divulga o estado e “ajuda” as economias das cidades, principalmente as pequenas. Em suas palavras: “Ivete esteve em Juiz de Fora, minha cidade natal, e mesmo sendo uma cidade de tamanho médio, foi grande a movimentação de pessoas, vindo de todas as regiões”. Preciso concordar com o Siqueira, pois realmente as nossas belezas naturais e culturais – rios, cachoeiras, lagos, serras, vales, montanhas, cidades históricas, cidades modernas, queijo, pão de queijo, culinária, brejeirices, músicas, músicos – deixam a desejar. É, realmente, precisamos da Ivete para alavancar o turismo. Assim, o pedido do deputado foi encaminhado pela Comissão de Cultura e sancionado pelo governador Anastasia. Ora, prezados leitores, a minha indignação se dá por um motivo que considero simplesmente moral. É que a constituição de uma cidade se dá mediante gente real que se esmera cotidianamente com o intuito de sobreviver e manter o estamento social. Na minha humilde concepção, é um absurdo sem proporções o encaminhamento de pedidos, tais como este aqui referido, de gente que nada tem a ver com a cultura do local. Não tenho absolutamente nada contra a Ivete Sangalo, mas, cá pra nós, a cantora não é melhor do que nenhum cidadão de nossa Gerais. Eu sei que artistas, em geral, são muito preocupados com a imagem que veiculam na mídia. Aliás, artistas vivem da imagem. Mas, aceitar um título como este oferecido é, no mínimo, um absurdo, principalmente porque o título deveria ser conferido a quem de mérito relevante e não a quem de representação. Um título de cidadão honorário deveria ser entregue a pessoas que tivessem relevância política para a cidade, estado ou nação, mas ao contrário, é dado segundo interesses subjetivos dos futuros candidatos em futuras eleições. De qualquer forma, para mim, falta bom senso de quem aceita tais homenagens. Ademais, com tantos problemas em tantas esferas sociais no conjunto do nosso estado, é cruel saber que nossos governantes, pífios em sua maioria, gastam tempo e dinheiro público para encaminhamentos como este. Então, cidadãos como eu ficam com uma pulga atrás da orelha e com uma pergunta sempre inquietante: o que está por trás dessa indicação? Infelizmente, não consigo ver outra coisa que os fins eleitoreiros. Ao final das contas, pelo menos o Siqueira passa do anonimato em sua bancada para a referência no imaginário coletivo. Hoje, Minas Gerais sabe quem é o dito “cidadão” que pediu título para a “cidadã”. Faço desse texto um manifesto político indignado. E não pensem que estou chateado ou mal resolvido. É que diante de besteiras como essa que eu ouvi e constatei, não consigo me conter. Quero a democracia e não a midiocracia! Quero a integridade e não a mediocridade. Portanto, com a finalidade de ser bastante prático, quero convidar todos a refletirem sobre as entregas de títulos como este a pessoas sem significado real. Aliás, em minha concepção, a pessoa sabe se ela merece ou não aquele título. Em muitos casos, se a pessoa for de notável presença no todo social ou possua envergadura política, social e econômica, tudo bem, não vamos ser radicais; mas, se por outro lado, a pessoa não tiver coisa alguma a ver com aquela cidade ou estado, é melhor se recolher a um canto qualquer e aguardar em silêncio a passagem dessa tentação de ser exaltado diante de outros. Seria sensato para estes rejeitarem concessões como essas. Ao final, com a finalidade de apaziguar a minha alma, fica para mim a seguinte frase de Weber: “O político deve ter: paixão por sua causa; ética em sua responsabilidade; mesura em suas atuações”. Na rede da filosofia político, me deito, e espero, sim, espero, hei de esperar... pelos homens simples que farão coisas simples sem segundas intenções.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

SUBVERSÃO
Explodiu em minha mente a constatação de que os ensinamentos de Jesus, especialmente as suas parábolas, possuem um grande teor subversivo. Eu sei que essa palavra possui uma forte carga de preconceitos. É que ela condiciona a mente a pensar em coisas que são negativas em sua essência. Mas, seguindo aqui um conselho de Stanley Jones, “as palavras, assim como as pessoas, precisam ser resgatadas”. Assim, vou tentar resgatar o sentido dessa palavra e pensar na espiritualidade subversiva e protestante, em si. Subversão é uma palavra polissêmica. Ela pode ser interpretada a partir de diversos prismas. Subversão tem a ver com movimentações intestinais que escatologicamente se impõem. É uma dimensão que ocorre sem que haja, necessariamente, uma causa. Subversão é acontecimento extático. É a ação da água represada que busca caminhos alternativos. É o mofo na parede ou no muro. É o esguicho transtornador que insiste em se lançar ao ar, num afã libertário. É a semente debaixo da terra que insiste, teimosamente, a buscar um lugar ao sol. Basicamente, subversão tem a ver com verter por baixo; fazer ruir estruturas; destruir conceitos; superar paradigmas. Quem me alertou sobre o teor subversivo da fé foi Eugene Peterson. Nos seus livros: A Espiritualidade Subversiva e O Pastor Contemplativo, ele ressalta a natureza da subversão como um princípio da espiritualidade humana coligada à ideia de Reino de Deus. Aliás, não há dimensão mais subversiva do que a do Reino de Deus. Essa nossa constatação se dá porque a natureza do Reino está ligada a algumas coisas que nada tem a ver com o mundo real. Nessa linha de raciocínio, todas as questões inerentes ao Reino de Deus acabam acontecendo nas entranhas estranhas da espiritualidade humana. A fé é a mola mestra da subversão. Fé é a qualidade da atitude que todos assumimos frente ao desconhecido. Uma fé subversiva não possui limites, pois não se condiciona a estruturas ou institucionalizações. Ela vai além e provoca ações e reações que mexem e remexem com as pessoas dadas a tranqüilidade e conforto. A subversão provoca pessoas a agirem e reagirem contra estigmas e postulações pré-fixadas. O agente, contaminado pelo espírito da subversão, não tem medo, não tem culpa, não se ressente, não se prostra, não se enquadra, subverte, independente das lógicas e dos mandos e desmandos. A fé é salto no escuro, já nos advertiu Kierkegaard no estágio religioso de sua filosofia existencial que critica o idealismo, principalmente o hegeliano, e salto no escuro é subversão sempre seguindo a lógica: “Ousar é perder o equilíbrio momentaneamente. Não ousar é perder-se”, conforme este mesmo autor. Acho que o que vale a pena é a elaboração de temáticas que buscam elaborar jocosamente uma série de argumentos que criticam a ordem estabelecida e as lógicas do poder. Ora, a subversão ri daquilo que está evidente e reelabora a interpretação do mundo e das suas armações pelos caminhos inimagináveis de uma outra lógica. Realmente, os últimos serão os primeiros e quem quiser ganhar, vai perder. Portanto, trata-se de um processo ironicamente criativo, extremamente criativo. Somente os criativos podem se considerar subversivos. Jesus, inclusive admoestou seus discípulos a serem símplices como as pombas e astutos como as serpentes, conforme Mateus 10.16. Assim, a opção que se impõe a nós é a de subvertermos. Ora, não se trata de perverter, mas subverter: pensar, falar e agir diferente, segundo a lógica do que é atribuído a Che Guevara: Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás! Ora, é realmente preciso acolher essa síntese marcada pela postura firme, pela serenidade e pela ternura sempre. Assim, pode-se empreender uma guerra e até estabelecer o posicionamento das armas, mas não se pode perder a serenidade. É o estabelecimento dialético entre o lúdico e o lúcido. Dessa forma, os olhos demonstram a firmeza e a ternura. A convicção e a tranqüilidade. A iluminação de um futuro antecipado frente a um presente complexo. Nesse estágio de iluminação, tranqüilidade e consistência, coisas e fatos podem acontecer e ninguém pode prever, pois não há afeição plena ao poder. O subversivo possui um encantamento pelas pessoas e luta contra sistemas e instituições. Acho que essa é a lógica abraçada e empenhada anteriormente pelos reformadores protestantes. Subversão é o que eu abraço nesse momento. Seja ela bem-vinda em minha alma.

sábado, 10 de setembro de 2011

Os caminhos de Mandela: lições de vida, amor e coragem

Tenho tido a oportunidade de ler diversos livros interessantes. Um deles foi escrito por Richard Stengel e tem por temática uma série de ensinamentos baseados na vida de Nelson Mandela – o líder negro que lutou contra o apartheid na África do Sul. Aliás, Stengel teve a oportunidade de conviver com Mandela e a partir disso escrever o livro cujo título é o mesmo do nosso sucinto artigo. O livro tem por coluna vertebral uma citação de Mandela: “Na África existe um conceito conhecido como ubuntu – o sentimento profundo de que somos humanos somente por intermédio da humanidade dos outros; se vamos realizar qualquer coisa neste mundo, ela será devida em igual medida ao trabalho e às realizações dos outros”(p. 9). Ubuntu – palavra tem origem no provérbio zulu – umuntu ngu muntu ngabantu – “uma pessoa é uma pessoa por meio de outras pessoas”. Ora, essa perspectiva de que somos um com os outros é fundamental para a nossa vida social, principalmente numa sociedade marcada pelo individualismo. Depois de ter feito um poético prefácio, contando um pouco sobre a personalidade de Mandela cujo nome verdadeiro é Rolihlahla (agitador de árvores), Stengel evidencia algumas lições de vida que são importantes para todas as pessoas. Vamos a elas: 1. Coragem não é a ausência de medo. Podemos fingir que somos corajosos. Alguém tem que sempre parecer corajoso. “No começo da década de 1980, não muito antes de Mandela ter sido transferido da Ilha Robben, um prisioneiro levou uma cópia das obras reunidas de Shakespeare para todos os prisioneiros políticos da ala C e pediu que marcassem suas passagens favoritas. Mandela não hesitou. Foi até Júlio César, ato 2, cena 2 e marcou o trecho: Covardes morrem muitas vezes antes de suas mortes. O bravo sente o gosto da morte uma única vez. De tudo que vi, o mais estranho é que os homens tenham medo, já que a morte, um fim necessário vem quando vem”. (p. 40 e 41). 2. Seja ponderado. É preciso ficar calmo em situações turbulentas. Perca o controle e você perde a situação. Às vezes, ser calmo aproxima-se de ser sem graça, mas isso não parece incomodar Mandela. Ele sempre preferiu pecar por ser calmo e sem graça do que ser excitante e excitável (p. 55). 3. Lidere na frente. Líderes devem não apenas liderar, mas ser vistos liderando – isso é parte do perfil do trabalho (p. 61). Tomar a dianteira/ fazer coisas que não necessariamente chamam a atenção. Não aceitar vantagens especiais e realizar a tarefa que todos executam. Depoimento de Mandela, últimas palavras que falou em público até finalmente ser solto da prisão em 1990. “Durante a minha vida, dediquei-me a essa luta do povo africano. Lutei contra a dominação branca e lutei contra a dominação negra. Acalentei o ideal de uma sociedade livre e democrática na qual as pessoas vivam juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal para o qual espero viver e realizar. Mas, se for necessário, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer” (p. 63). Quando você lidera na frente, não pode deixar seus companheiros muito atrás. (p. 70). “É absolutamente necessário, às vezes, o líder agir independentemente, sem consultar ninguém e apresentar o que fez à organização. Há casos dessa natureza, em que vou tomar uma decisão e confrontá-la com você, e a única questão que você tem de considerar é se o que fiz está no interesse do movimento. Quero dizer, se tivesse discutido a questão [das negociações] com meus companheiros antes de ter me reunido com o governo, eles teriam recusado. Não estaríamos tendo negociações hoje” (p. 72). Liderar na frente é uma grande responsabilidade. No âmbito dessas responsabilidades, é importante mudar de ideia quando as circunstâncias mudam. Isso é bom senso (p. 72). 4. Lidere na retaguarda. A notoriedade precisa ser compartilhada e a liderança é simbólica (p. 77). É por intermédio da capacitação dos outros que partilhamos nossa própria liderança e nossas ideias. Mandela sabia que não há nada que faça outra pessoa gostar mais de você do que lhe pedir sua ajuda – quando você reconhece a opinião dos outros, aumenta a lealdade deles a você. O principal estilo de liderança não era se lançar à frente, mas ouvir e conseguir o consenso (p. 82). “O modelo africano de liderança é mais bem expresso como ubuntu, a ideia de que as pessoas recebem o poder de outras pessoas, que nós nos tornamos melhores por meio da interação altruísta com os outros” (p. 83). Desde a infância, ele sabia que a liderança coletiva se baseava em dois pontos: a maior sabedoria do grupo comparada à individual e o maior investimento do grupo em qualquer resultado atingido por meio do consenso. Era uma vitória dupla (p. 85). 5. Represente o papel; As aparências importam e temos somente uma chance de causar a primeira impressão (p. 89). Para Mandela, a roupa é importante, ou seja, há uma importância simbólica na aparência (p. 92). Importante também refletir sobre as interpretações de suas ações pela mídia e leitores (p. 94). “As aparências constituem a realidade” (p. 94) pois elas unem o símbolo e a essência (p. 94). Nessa linha de raciocínio, é preciso cultivar a ideia de que se é um homem de disciplina. Mandela tornou-se o que ele queria ser (p. 101). 6. Tenha um princípio essencial – todo o resto é tática. Nelson Mandela é um homem de princípio – exatamente um: direitos iguais para todos, independentemente de raça, classe ou gênero. Quase todo o resto é tática (p. 105). “Mandela é um completo pragmatista que estava disposto a chegar a um acordo, mudar, adaptar e refinar suas estratégias, desde que isso levasse á terra prometida” (p. 105). 7. Veja o que há de bom nos outros; Embora muitos o consideravam portador de certa cegueira e até de certa ingenuidade, Mandela procurava ver o lado bom das pessoas, até que elas provassem o contrário. Isso era fundamental. “Acredita nisso, julgando que o que há de bom nas outras pessoas melhora as chances de que revelarão o melhor de si” (p. 119). Assim, ele não estava disposto a ver somente o lado sombrio das pessoas. “Julgam que considero demais o que há de bom nas pessoas. Então, é uma crítica que tenho de tolerar, e tentei me ajustar, porque, sendo assim ou não, é algo que julgo benéfico. É bom supor, agir com base no fato de que os outros são homens de integridade e honradez, se é dessa forma que você julga aqueles com os quais trabalha. Acredito nisso” (p. 130 e 131). 8. Conheça o seu inimigo. Importa ir direto ao coração do inimigo e não se dirigir somente ao cérebro. O que move as pessoas são razões do coração e não da cabeça. Dirija-se ao coração deles. Aprenda a língua e a cultura e desenvolva a política em correlação ao esporte – o rúgbi para Mandela possuía essas duas dimensões. Um dos seus personagens preferidos em quadrinhos é Pogo que afirma em uma das suas estórias: “Encontramos o inimigo e ele somos nós” (p. 148). Da mesma forma, no momento da sua vitória contra o inimigo, evidenciar uma postura: “O momento do seu maior triunfo é quando você deve ser o mais compassivo. Não os humilhe sob nenhuma circunstância. Deixe-os, na verdade, salvar as aparências. E então você terá transformado seu inimigo em seu amigo”. (p. 148). 9. Mantenha seus rivais por perto. Nunca deixar de prestar atenção nos inimigos. É preciso mantê-los perto. 10. Saiba quando dizer não. Em muitas circunstâncias, o “Não” se torna o princípio mais importante. 11. É um jogo demorado. É preciso pensar a longo prazo. Nossa cultura, infelizmente, recompensa a velocidade. Não é a velocidade da decisão, mas a sua direção. Milagres, se existem, são feitos pelos homens. Não se pode contar com a sorte ou a intervenção divina. A pergunta ‘você é feliz’ é uma questão superficial e indiscreta. Tudo pode mudar no último capítulo. 12. O amor faz diferença. Há um Romantismo pragmático na vivência de Mandela. Um dia pode ser tempo suficiente para toda a intensidade. 13. Desistir também é liderar. O fundamental é estabelecer o caminho, não comandar o navio. “Quando você sai do palco não pode ficar enfiando a cabeça pela cortina”(201). Ceder significa passar para o lado vencedor. Assim, se vence também (203). 14. Sempre ambos. Mandela aprecia a música: Song of my self, de Walt Whitman. Sua tradução: Eu me contradigo?Muito bem, então me contradigo. (sou enorme, contenho multidões). A consistência, por si só, é uma falsa virtude e que a inconsistência não é automaticamente uma falha. Por que não isso e aquilo? Por que uma coisa só? Ver todos os lados, falar com todos os lados e tentar reconciliar todos os lados, Mas nem sempre é possível deixar todo mundo feliz. Gradações cinzas não são fáceis de articular. 15. Encontre sua própria horta. Finalmente, é preciso buscar um lugar onde se possa se perder para se encontrar. Ao final das apresentações centrais desse livro, somente expresso: Um pouquinho de boa auto-ajuda não faz mal a ninguém.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O Escândalo do Abuso Religioso

Concluí a leitura de Feridos em nome de Deus, escrito pela jornalista Marília de Camargo César e publicado pela editora Mundo Cristão. Fiquei consternado com os depoimentos, testemunhos e narrativas que, por um lado, revelam seríssimas questões emocionais na vida de pessoas como nós, e por outro, denunciam os abusos religiosos cometidos por líderes em nome de Deus, que se apoiam em pincelados textos bíblicos. Cheguei à conclusão incipiente de que o abuso espiritual é um escândalo para a Igreja na atualidade. O que mais me impressionou na leitura foi o fato de que ela despertou na minha consciência, diversas outras narrativas que envolviam pessoas conhecidas, que passaram por situações similares. Excetuando-se as Igrejas que procuram aliar a ética à simplicidade do Evangelho com a vontade de cuidar das pessoas, independente de suas situações particulares, Marília denuncia os “pastores com curriculum obscuros” que encantam o mundo chamado evangélico com imagens baratas (p. 16). Há, realmente, um abuso espiritual por parte de líderes que querem ou que almejam que seu poder – através das palavras ou de gestos grotescos – prevaleça sobre outrem. Os que não se curvam ou os que não se deixam levar pelos condicionamentos dos(as) “pastores(as)” recebem o rótulo de rebeldes. Além disso, o arcabouço do livro deixa claro que esses “pastores” são também vítimas de abusos sofridos no passado, o que gera uma infindável corrente marcada por pessoas feridas, que continuam ferindo mais ainda. O problema secundário levantado pelo texto de Marília refere-se à evidência de líderes eclesiásticos que apoiados em versículos bíblicos tais como: 1 Samuel 15. 23: “Porque a rebelião é como o pecado de feitiçaria, e o porfiar é como iniqüidade e idolatria. Porquanto tu rejeitaste a palavra do SENHOR, ele também te rejeitou a ti, para que não sejas rei”; Mateus 10.41: “Quem recebe um profeta em qualidade de profeta, receberá galardão de profeta; e quem recebe um justo na qualidade de justo, receberá galardão de justo”; 1 Coríntios 5: 13: “Mas agora vos escrevi que não vos associeis com aquele que, dizendo-se irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com o tal nem ainda comais.Porque, que tenho eu em julgar também os que estão de fora? Não julgais vós os que estão dentro? Mas Deus julga os que estão de fora. Tirai, pois, dentre vós a esse iníquo"; 2 Coríntios 9.6: “E digo isto: Que o que semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia em abundância, em abundância ceifará”, invocam sobre si mesmos uma autoridade sobrenatural". Assim, tudo o que falam ou fazem se torna “voz de Deus”. Kirie Eleysson. Ora, estes líderes buscam a dominação dos fiéis pertencentes a uma comunidade mediante a interpretação fundamentalista da Bíblia. Então, esse problema tem a ver, justamente, com esse uso indiscriminado da Bíblia como instrumento de manipulação, frente às pessoas de boa índole que querem, tão somente, buscar a Deus e resolver seus problemas. Num ambiente de culto, marcado por ansiedades, medos, culpas, ressentimentos, saudades, enfim, desesperos por parte dos fiéis, o terreno se torna fértil para o abuso espiritual. Eis o terreno fértil para campanhas abusivas. Em minha concepção, torna-se preponderante achacar toda e qualquer forma de abuso religioso. Como fez Jesus, diante das tentações do maligno, é preponderante fugir da mística de um semideus. Diante dessas sucintas considerações, quero evidenciar alguns posicionamentos com a finalidade de fugirmos do risco do abuso espiritual ou religioso.
Em primeiro lugar, é preciso afirmar de forma contundente que o pastor ou a pastora nada mais é do que um ser humano com todas as fragilidades, incongruências, imperfeições, contradições e pecados. O pastor e a pastora não é um mediador de Deus, ele é, tão somente, um servo, um membro do Corpo que teve a oportunidade de estudar e se preparar com o intuito único de ajudar outros companheiros e companheiras na trajetória cristã. Em segundo lugar, como a própria Bíblia declara, todos os seres humanos têm acesso direto a Deus, sendo completamente desnecessários os intermediários. Só há um mediador entre Deus e os seres humanos: Jesus Cristo, o justo. 1 Timóteo 2.5. Em terceiro lugar, tudo o que ocorre em nossa vida decorre da manifestação da Graça de Deus. Essa dimensão da gratuidade é o que favorece a todos nós a percepção de que todos os acontecimentos que nos sobrevêm encontram a resposta final na perspectiva da Graça de Deus. Assim, situações complexas e distintas de alegria ou sofrimento, somente encontram sentido na percepção dessa Graça. Como nos atesta a Bíblia: “Pela Graça, sois salvos, mediante a fé, e isso não vem de vós, é dom de Deus, não por obras para que ninguém se glorie”. Efésios 2.8-9. Em quarto lugar, a leitura e a interpretação da Bíblia não pode ser fundamentalista. A Bíblia precisa ser lida a partir da realidade cultural e do modus vivendis de cada pessoa. Ela não é um instrumento de tortura, mas uma bússola que indica o caminho. Em último lugar, nossa fé está em íntima conexão com o Senhor da vida. Dessa forma, antes de aplicarmos à nossa vida as palavras deste ou daquela líder, precisamos colocá-las diante de dois crivos: a. isso que ouvi está em sintonia com a Bíblia e com o Evangelho do Senhor da vida? b. essa palavra gera-me culpa e medo? Diante desses dois questionamentos, confrontamos os posicionamentos e nos salvaguardamos dos impropérios vociferados por aqueles que se auto-denominam homens ou mulheres de Deus. Enfim, convido todos(os) a dizerem NÃO a toda e qualquer forma de abuso espiritual. É o mínimo que podemos fazer frente a este escândalo.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Vela apagada na noite escura



Já tive a oportunidade de tatear no escuro. Confesso que o sentimento que me envolveu no momento de minha perdida busca foi dos mais complexos e terríveis. Não é fácil ficar sem a luz. Aliás, o mundo só existe por causa da luz. Sem luz, nada do que existe, é.
Aconteceu tal situação de tateamento por causa de um descolamento de retina ocorrido em 2004. Nessa época, percebi nitidamente o drama de se desejar luz na escuridão.
No campo da existência e das realizações, coisa igual ocorre, mas aqui, os monstros imaginários assustam. No escuro, tudo é labiríntico e o Minotauro aguarda, espreita, bufa com insano instinto. Não quero encontrá-lo. Não saberei como vencê-lo.
Luzes e lanternas não servem, pois já não são encontradas, não existem e o vento insiste em diminuir, extenuar, apagar enfim, o sibilar da pequena chama no cabedal de uma vela.
A vela se apaga.
A ela continua apagada. Já foi usada em alguma crise passageira, e já não há fogo de esperança que a faça luzir novamente.
Assim, continuo bravamente a tatear.
Eu sei que em algum momento, a angústia que me atormenta passará. Se esmiuçara em fuligens que serão dispersadas pelo vento da imaginação. Somente a imaginação pode me fazer vislumbrar situações diferentes diante do meu caminho. As minhas "virtús" não bastam para a resolução da escuridão da minha trajetória. Preciso da "fortuna". Valei-me bom Maquiavel pois o que me resta é, tão somente, a vontade pela "fortuna", o acaso, o inusitado.
E mesmo que a vela nunca mais se acenda, continuarei a confabular com minha imaginação. E ela já não me amedronta na escuridão. Mesmo me apresentando os monstros imaginários, insisto em vencê-los. Preciso superar-me. A vela continua apagada na noite escura, mas eu sei, em algum momento, o dia raiará. Assim espero, contra a esperança.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Quem avisa amigo é!


Não sei quanto a vocês, mas eu estou intuindo um tempo muito complexo para a instituição metodista nos próximos anos. E falo de instituição no seu sentido lato, abrangente.
Analisando as propostas que estão sendo discutidas neste concílio geral da igreja metodista, ficam evidentes tais intuições, pois tudo indica um fechamento de ideias ainda maior.
Como já deu pra perceber, estou tentando fazer uma distinção entre igreja e instituição, embora saiba que essa distinção consiste-se em uma aporia. Resolvi insistir nisso e propor alguns avisos. Vivemos uma sociedade marcada por avisos. Somos avisados todo o tempo, o tempo todo. Comerciais nos avisam, painéis nos avisam, panfletos nos avisam, pessoas nos avisam. Somos cercados, inevitavelmente, por avisos.
Por isso, considerando-me um amigo da igreja, resolvi avisar. Meus avisos não são despretensiosos, senão honestos e marcados por um estrito senso de responsabilidade. Acontece que, por uma razão óbvia, se sei que alguma coisa não está caminhando bem, então tenho a obrigação de avisar. Afinal de contas, quem avisa amigo é!

Primeiro Aviso
As primeiras decisões deste concílio geral favorecerão ainda mais o clericalismo nas esferas da igreja. Infelizmente, e para desespero do corpo leigo (embora não gosto muito dessa terminologia), este conclave vai dar mais amplitude aos pastores e às pastoras. Acontece que por causa de um desespero velado, as estruturas de poder da igreja precisam, inevitavelmente, de uma reação ante aos distúrbios que estão gerando a ausência de crescimento da igreja. Setores de poder da igreja acreditam que somente por intermédio do crescimento numérico, permeado pela visão do pastor ou da pastora, as coisas poderão ter uma perspectiva diferenciada. Que venham os famigerados “encontros com Deus” e suas “benesses”, bem como a lógica: "se não concordar, sai fora"!

Segundo Aviso
Ocorrerá um maior distanciamento da dimensão da missão. Quando se diz que tudo é missão, nada é. Assim, este concílio geral vai brincar de pensar e refletir missão, como os anteriores. Acontece que a igreja metodista nunca encarou e nunca pensou o que realmente é a missão. Ora, é claro que missão é uma palavra incrementada para se falar e se fazer o básico, ou seja, “amar a Deus e ao próximo como a si mesmo”. Inventaram essa palavra para se falar do básico, mas, infelizmente, o básico sequer é feito. Missão hoje, na igreja metodista, está maquiada de múltiplas coisas, menos do essencial que é encontrar as pessoas nas suas angústias e contradições e apresentá-las a Jesus.

Terceiro Aviso
Será reafirmada de forma mais enfática a dimensão não-ecumênica da igreja. E isso será reafirmado porque a igreja nunca refletiu detidamente sobre a questão ecumênica. Aliás, a igreja nunca estudou a história do ecumenismo. Ora, ecumenismo é coisa de protestante. A igreja católica, excetuando-se alguns setores mais progressistas, não é ecumênica coisa alguma. Prova disso é a Dominus Iesus publicada pelo santo ofício. Mas nós, protestantes, temos na veia esse sangue ecumênico. Aliás, somos ecumênicos porque a vida é ecumênica. Se estamos doentes e vamos ser atendidos por um médico, não perguntamos a ele sobre sua religião ou fundamentos de fé. Queremos sim é a resolução de nosso problema. Que se dane a proposta religiosa. A vida é sempre maior, muito maior que opções religiosas. Confirmei isso ao conversar muitas vezes com missionários que trabalharam em missões no exterior. Estes sempre me disseram que no front, questões confessionais ou religiosas ficam apequenadas. Esse é o ecumenismo que creio. Mas o atual concílio geral vai manter sua postura de segregação religiosa. O outro vai continuar sendo o demônio.

Quarto Aviso
As instituições de ensino da Rede Metodista de Educação serão vendidas. Ora, é sabido que há tempos, as nossas instituições estão passando por momentos difíceis. Essa situação tem várias facetas. Elas vão desde o abuso da instituição eclesial em relação ao “repasse” de verbas para a “missão” da igreja até a disputa acirrada no mercado da educação. Então, poucas pessoas, as mais lúcidas, se lembrarão da proposta inicial da igreja que era a de “salvar e educar”. Ora, as nossas instituições surgiram em terras brasileiras com um propósito especial de formar uma geração de líderes para a nação segundo os princípios bíblicos. Entretanto, educação agora é um apêndice maldito que precisa ser excluído ou um câncer que precisa urgentemente de um tratamento quimeoterápico. É, a coisa vai ficar feia para as instituições. Mas que ninguém se engane, com a venda das instituições capítulos outros serão escritos e movimentos outros surgirão, infelizmente, para a cisão da igreja metodista. Kirie eleisson.

Quinto Aviso
O colégio episcopal terá mais poder para dirimir sobre a vida dos clérigos da igreja, principalmente no que se refere àqueles que discordarem do sistema. Que seja assim, pois, pelo menos, haverá mais transparência por parte do colégio em relação ao sistema que dirigem e, principalmente, posturas mais coerentes sobre o que realmente pensa o colégio. Pelo menos, não serão ironizados aqueles que se apresentam críticos do sistema. É triste saber que membros de um colégio que se responsabiliza pela unidade da igreja riem e caçoam de grupos que tecem críticas ao sistema. Que o tal poder seja dado ao colégio, o parafuso espane e “salve-se quem puder”.

Enfim, eu gostaria realmente que todas essas minhas colocações fossem somente uma variação tresloucada de um peregrino espiritual, mas não são, infelizmente. No repartir dos despojos, sobrará pouca coisa. Triste fim para uma igreja que, por seus ideais, sempre pareceu bem maior do que sempre foi.
Pelo menos, sobra-nos ainda as palavras vivas de João Wesley quando deixou evidente que seu medo não era de que o movimento metodista deixasse de existir, mas sim que ele se tornasse um movimento sem efeito para a sociedade, uma religião fria.
Se acabar, que pelo menos acabe com dignidade. Detestaria a ideia de morrer institucionalmente num movimento fracassado pelas suas frustrações bestiais. Podemos perder tudo, menos a nossa característica de ser um exemplo para as pessoas e para a sociedade.
Deus tenha misericórdia da igreja metodista.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

A TRAGÉDIA NA ESCOLA


Todos estamos estarrecidos e inconformados com a ocorrência dessa última quinta-feira, dia 07 de abril de 2010, em uma Escola pública localizada em Realengo, no Rio de Janeiro, a escola Tasso da Silveira. Mais uma vez, a cidade maravilhosa, que é tão pechada por causa da violência, se vê amedrontada por um ataque insano a crianças e professoras num dia habitual de atividades.
Um jovem, por certo vítima de preconceitos e violência na vida pueril, atirou à queima roupa em pequenas brasileiras e pequenos brasileiros que, como eu e você, tinham todo o direito a vida. O ocorrido comoveu a nação brasileira e, mais uma vez, acendeu a luz vermelha quanto ao fato de que situações inusitadas podem acontecer em qualquer lugar onde as realizações inerentes à vida ocorrem. Mas, por uma razão óbvia, é certo que não esperamos que tais incidentes ocorram em escolas. Para nós, escolas, igrejas, shoppings e outros recintos privados não são locais propícios para a ocorrência de fatos como esses.
É claro que diante dessa tragédia, múltiplas perguntas nos surgem, principalmente aquela que vaticinam: onde está Deus que não impede tais situações? É realmente incrível a nossa facilidade em lançar a culpa para o Outro, principalmente para o Outro que só destila amor. As perguntas duvidosas nos surgem porque temos dificuldades em aceitar as nossas limitações humanas e entender que a vida e suas nuanças sempre nos pregam peças e apresentam surpresas.
A surpresa que amedrontou o povo carioca e que comoveu a nação brasileira foi, como já dissemos, de uma crueldade insana. Por isso, sobram as perguntas e faltam-nos as respostas.
Uma coisa é certa: aqueles que acusam Deus de permitir tais infortúnios se esquecem de que no Brasil ainda persiste uma má distribuição de renda. No Brasil, pobre tem pouco acesso a terapia. No Brasil, os melhores projetos educacionais, como o da escola em tempo integral, foram abortados. No Brasil, também, professores e professoras que deveriam existir tão somente para exercerem as tarefas de ensino se vêm obrigados(as) a cuidar das crianças para além dos limites da sala de aula. No Brasil, enfim, a violência dentro das escolas é um reflexo da violência que ocorre dentro das casas. Há uma repetição de gestos e palavras. Para ser mais preciso, de agressões e xingamentos. Será Deus o culpado disso tudo?
Nosso papel cristão, num momento como esse, passa, necessariamente, pelo silêncio e pela oração solidária às famílias enlutadas. Lágrimas me surgem ao pensar nos sonhos, sorrisos e brinquedos que foram calados. Nosso papel passa também pelo clamor profético. Não podemos nos calar frente aos desafios como o que essa tragédia nos aponta. Mais do que isso, deveríamos encher as caixas de mensagens e sairmos às ruas com uma fita preta atada ao braço, declarando com fé e vigor a essência significativa do evangelho que é para todos, não somente para alguns.
E ao final do dia, quando o corpo desejar o tombamento, tamanho o sentimento de saudade, só nos caberá procurar um canto qualquer com o intuito de chorar com o Deus que também chora lágrimas de indignação, a morte destas crianças.
Kirie Eleisson.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Foi inevitável

Foi inevitável. Pela manhã de 30 de março de 2011, ao ouvir as notícias que anunciavam o falecimento do ex-vice presidente José Alencar, lembrei-me do meu pai Luiz Tecli Coppe. É que os dramas da personagem mais conhecida do Brasil me fizeram reviver os momentos dramáticos e traumáticos vivenciados pelo meu pai - um menos conhecido - que também lutou bravamente contra o câncer no intestino. Ele faleceu em dezembro de 2004.
Falar da morte de uma pessoa querida e amiga não é tarefa fácil, entretanto, minhas memórias surgiram como as larvas de um vulcão do Pacífico e não pude contê-las. A comoção tomou conta do meu viver. As analogias foram inevitáveis.
Não posso falar de Alencar pois nunca fui próximo a ele. Falo, então, de quem conheci bem.
Meu pai foi um cara legal. Um sujeito de muitas paixões, marinheiro e amante da vida e da simplicidade. Ele trabalhava como Técnico em Instrumentação pneumática e eletrônica, na extinta Siderúrgica Mendes Júnior, instalada na cidade de Juiz de Fora - MG. Nessa empresa, no desenvolver competente de sua função, ele conhecia todos os manômetros pelo nome e dava manutenção a cada um deles com precisão cirúrgica. Na intimidade da casa, era duro e firme com as palavras, mas profundamente sensível às belezas do cotidiano e determinado no cuidado com a esposa e filhos, continuamente exaltando a bandeira da honestidade, santa honestidade. Ele sempre se assumiu como um apaixonado por futebol, carro, religião, sinuca, samba canção e praia. Era muito fácil vê-lo emocionado frente a um momento de revelação da sensibilidade, fossem elas artísticas ou naturais. Enfim, um capixaba com espírito carioca, profundamente brasileiro.
O maior legado que esse homem me deixou foi o da humildade. Nunca foi de esnobar ou mostrar ser o que não era. Sempre nutrirei profunda admiração por esse legado.
Entre 2000 e 2004, ele lutou bravamente contra o câncer. Nunca perdeu a esperança e, como Jó, enfrentou sua luta pessoal com resignação. Nunca o vi difamando os céus, sequer as pessoas. Nem mesmo a fraqueza do corpo provocada pelas múltiplas quimio e radioterapias foi capaz de fazê-lo tombar em ressentimentos.
Tive o privilégio de conviver com ele nos últimos 10 meses de sua vida depois de uma decisão arrojada de mudar-me, com a família, da cidade de Belo Horizonte para Juiz de Fora. Nesse tempo de aproximação, se estabeleceu em minha mente um misto entre alegria e indignação. Não era fácil perceber meu pai naquela situação.
Então, diante do ocorrido recente, estampado na mídia, foi realmente inevitável não estabelecer comparações, guardadas as devidas proporções.
A vida continua e ela continuará a pregar peças em outros Coppes, Alencares, Marias e Sebastianas. A vida continua e sempre apontará as nossas fraquezas, as nossas limitações, as nossas lutas.
E diante desse quadro, não me sobra alternativas a não ser silenciar-me saudosamente em meio a preces.

terça-feira, 15 de março de 2011

Vamos ser o que a gente realmente é

Às vezes, as lágrimas rolam saudosas quando um fato inusitado nos visita a alma. Sempre sou visitado por esses lampejos de gratuidade que aparecem do nada – ex nihilo. Tenho passado semanas difíceis, marcadas por uma espécie de avaliação lancinante de minha caminhada e um pouco de ansiedade acompanhada de perguntas sobre o sentido de minha peregrinação nesse mundo cada dia mais insensível.
Hoje, pela madrugada, me vi aturdido por pensamentos desconectados que insistiam em construir pontes entre o nada e o vazio. A cabeça doía, pois eu insistia em controlar as chamas que rapidamente se tornaram labaredas. Debrucei-em em oração diante da constatação de que outra coisa não havia pra fazer. De vez em sempre, passo por esse caminho apertado e espinhoso marcado pelo encontro com a minha própria essência.
Não se trata de nenhuma crise de fé, mas de simples constatação da realidade e da impotência diante de fatos e situações porque a maioria das coisas que queria que acontecessem não acontecem, pois não dependem de mim. E os nós já apertados, se estreitam ainda mais. Como disse, não se trata de falta de fé, pois sinto Ele perto, até demais. Sei que a Sua Graça não me deixa, de forma alguma.
Mesmo com essa consciência, ainda me sinto perseguido por alguns "abortos" “poimênicos” que ocorreram em minha jornada. Abortos ministeriais que não sei se serão reparados. Abortos que envolveram pessoas que eu amava, pessoas que considerava da minha própria família. Quero deixar claro que os abortos poimênicos não foram espontâneos. Foram provocados por necessidades alheias à minha vontade e, principalmente, pelo sistema do qual faço parte. De qualquer forma, se ainda há equilíbrio em minha vida é porque no momento certo tomei a decisão por um projeto marcado pela ênfase: eu e minha casa serviremos a Ele. Mas o peso desses abortos ainda me persegue. Não que eu me considere algo ou alguma coisa, uma espécie de salvador da pátria, mas tenho me esforçado, veementemente, para ser autêntico, em palavras e em gestos, e toda autenticidade possui seus riscos. Não me considero solução de situação alguma. Somente tenho saudade de algo que não tive porque “optei” não ter. Sempre fugi da linha perversa da mediocridade, o que não é fácil, pois acabo me encontrando comigo mesmo, meu maior inimigo.
E assim, sigo questionando os que preferem a aparência de ser o que não são. Aliás, tenho me deparado com muitas pessoas que vivem dessa forma. Quando eu era adolescente, havia um comercial de um xampu chamado Denorex. O bordão dizia: “Parece xampu, mas não é; parece remédio, mas não é. Denorex: parece, mas não é”. Acho que tem muita gente buscando parecer o que não, em outras palavras, buscando ser santo, sem ser. Cansei desse tipo de gente. Gosto de quem paga preço pela sua honestidade e clareza de pensamento, sem fazer tipo. Por isso, onde estiver, sempre me lembrarei com respeito e orgulho das pessoas que são o que são. Infelizmente, conheço poucos que aprenderam a viver como o mestre de Nazaré, sem máscaras.
Por isso, quero, tão somente, agradecer aqueles que agem com sinceridade, vivem com sinceridade e demonstram o anelo carinhoso pela dimensão do Reino de Deus. Acho que, ao final das contas, o que vale é a gente não tentar colocar poano novo em roupa velha, nem, tampouco, vinho novo em odre velho. Vamos ser o que a gente realmente é.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A Escrita do Deus


O escritor argentino Jorge Luís Borges escreveu um texto intitulado A Escrita do Deus onde, de uma forma bastante misteriosa, descreve o encontro de Tzinacan com o sagrado.
A crônica refere-se à narrativa dos sentimentos e percepções simbólicas de um prisioneiro religioso, um mago da pirâmide de Qohalon, chamado Tzinacan. Sua pirâmide fora queimada e destruída por Pedro de Alvarado, sendo ele, posteriormente, encarcerado.
Ele está preso em um fosso de pedra, cuja estrutura é separada por um muro que possui uma janela ao nível do chão. Do outro lado do muro há um jaguar. Tzinacan somente pode vê-lo quando o alçapão se abre ao meio dia e a luz adentra o recinto, justamente no momento em que o carcereiro leva água e carne para o homem e o animal encarcerado. Nas trevas, o jaguar é imaginado por Tzinacan. Com a luz, o animal pode ser vislumbrado.
Tzinacan fala de seu mundo, de suas inquietações, de seus temores e de seu desespero. Isso fica claro quando ele mesmo aborda que quando jovem andava por toda a prisão, mas agora não consegue magia que o livre.
Ele foi maltratado por algozes que almejavam a revelação de um tesouro escondido, mas, mesmo moribundo, se manteve silencioso e resignado, seu sentimento denuncia certo contentamento: o ídolo do deus não lhe abandonou.
Na treva do cárcere, premido pela necessidade de fazer algo, vagueia na sombra e busca entender a escrita do deus, ou seja, a revelação dada na criação. Essa era uma escrita que poderia libertá-lo daquele cárcere. Talvez, ele já a tenha visto, mas falta-lhe o entendimento.
Decorre de sua reflexão a vertigem e ele busca uma forma que pudesse significar seu símbolo. Buscou a forma árvore, a forma pássaro, a forma homem, talvez, ele mesmo. Mas, ao final constatou que o símbolo podia ser o jaguar que estava ao seu lado. Com essa conclusão, sua alma se enche de piedade. A mente de Tzinacan divaga e ele pensa na escrita do deus revelada na vivência e pelagem da rede de tigres. Nesse momento, a percepção do jaguar transmuda-se. Gastou-se no afã de decifrar a pelagem, inclusive os pontos e manchas, mas reconheceu ao final, a grandeza do mistério e sua impossibilidade de entender o símbolo. Isso porque uma coisa pode conter o todo, o tudo, o mundo, o universo. Mas, mesmo assim, essas são pobres palavras humanas que buscam conter o incontido.
Decorre dessa experiência o delírio. Areias que se multiplicam. Areias que o sufocam. Sonhos dentro de sonhos e uma corajosa confissão: o homem é ele e suas circunstâncias. Regressando do labirinto dos sonhos, desperta em seu cárcere e bendiz todas as coisas: a umidade, o tigre, a treva, a fresta de luz, o corpo dolorido, a pedra...
É quando Tzinacan encontra sentido em sua circunstância. A união mística com o deus ocorre e os símbolos dessa revelação não se repetem. Na infinitude das visões, Tzinacan encontra sentido para o que não tem sentido. São os infinitos processos que formavam uma só felicidade. A sua experiência mística o leva a cogitar a possibilidade de se tornar também um deus, e assim vingar-se dos seus algozes. A plenitude estava tão próxima e intangível. Mas a plenitude o leva a esquecer-se de si mesmo, de Tzinacan. E assim, mediante seu encontro com a escrita do deus, conclui triunfante:

Que morra comigo o mistério que está escrito nos tigres. Quem entreviu o universo, quem entreviu os ardentes desígnios do universo não pode pensar em um homem, em suas triviais venturas e desventuras, mesmo que esse homem seja ele. Esse homem foi ele e agora não lhe importa. Que lhe importa a sorte daquele outro, que lhe importa a nação daquele outro, se ele agora é ninguém. Por isso não pronuncio a fórmula, por isso deixo que os dias me esqueçam, deitado na escuridão.

DIA 70 - As mariposas giram em torno das lamparinas acesas

Gosto quando os olhares e os sorrisos oriundos de pessoas diferentes compactuam os sentimentos mais profundos numa doce simbiose. Pode ser q...